Capítulo 97: O Buraco é Mais Embaixo (II)
— Merda — a voz de Dante se libertou enquanto seu punho foi repelido para trás. — Juno, vaza daqui.
Ela encarou, seus olhos largos, grandes, mas confusos. Dante ficou estático vendo a garota tão perdida. Não, ela não.
Dante agarrou ela pelo ombro, e puxou para perto. Quando jogou suas costas contra a Pedra Lunar, houve uma explosão amarelada. Uma imensa luz cresceu pela cidade inteira, chegando até mesmo em outras regiões de Kappz.
Algo colidiu contra as cotsas de Dante, o fazendo soltar um urro ao mesmo tempo que o lançou dezenas de metros pelo ar. Ele girou algumas vezes, vendo que se aproximava de um prédio, e se jogou novamente, protegendo Juno do ataque.
Ele explodiu a primeira parede, depois a segunda, e parou contra uma pilastra.
Era um pouco difícil respirar por conta do impacto, mas conseguia respirar.
— Merda, merda. — Juno parecia ao seu lado, tateando seu ombro e pescoço. — Mestre, está me ouvindo?
— Não estou surdo ainda, então pare de gritar. — Ele forçou um sorriso, abrindo os olhos e virando o rosto. — Está tudo bem.
Juno segurou a mão dele, e ergueu tocando a testa. Medo, era o que a garota sentia. No começo, Juno fazia esse movimento com Jix, como se fosse respeito, mas era para contrariar o medo. Algo que aprendeu quando era mais nova com seus antigos companheiros.
Ela estava bem. Dante só não esperava pela explosão.
— A Pedra Lunar deve ter tido uma reação a nossa Energia Cósmica — explicou a Juno. — Não foi algo que eu pensei que seria possível porque o Felroz também estava usando algo parecido.
— Eles usam Energia Cósmica também?
Dante concordou ajustando a postura na pilastra.
— Demos um pouco de sorte, garota.
Dante queria respirar um pouco mais fundo. Aquela criatura era uma aberração que nem mesmo deveria ser capaz de usar algum tipo de habilidade. Felroz eram famosos por sua força bruta e irracionalidade, se juntasse isso com um poder desconhecido, eles seriam taxados como uma ameaça maior, bem maior.
— Quando eu estava na Capital — continuou com um pouco de dor de cabeça. — Eu vi eles mudando também. Não eram mais iguais aos que estavam acostumados a verem. Pareciam melhorados, mais fortes e rápidos.
— Esse estava gigante.
— E usava uma habilidade. A Pedra Lunar deve ter… não, é impossível que um objeto tenha feito isso.
Dante levou os dedos para dentro do forro do bolso, puxando seu charuto. Juno estalou os dedos soltando algumas fagulhas, acendendo para ele.
— Temos que ir para o Centro de Pesquisa de qualquer jeito.
Dante respirou fundo quando algo agarrou na borda do andar que estavam. Mesmo tudo destruído, ele viu o formato esquelético travando seus dedos no cimento.
— Juno — chamou calmamente, enquanto a voz de Vick apitava em sua mente, alertando sobre um perigo iminente. Ele olhou para ela, os olhos fixos e sérios. — Pegue Jix e as pessoas. Saiam daqui agora. Voltem para o abrigo. Entendeu?
Ela hesitou, encarando-o como se tentasse ler algo em seu rosto. Quando começou a virar, ele segurou seu braço, forçando-a a olhar nos olhos dele.
— Não olhe para trás. Nunca. Use toda a sua Energia Cósmica, tudo o que sabe, para chegar lá o mais rápido possível. Proteja todos eles.
— Eu entendi, mestre.
Ele sorriu de canto, orgulhoso pela determinação que ela demonstrava.
— Agora, vá. Saia por trás. E não olhe para trás. Vai, garota.
Sem hesitar mais, Juno deu meia-volta e correu. Dante permaneceu, encarando a criatura que subia, sua postura firme apesar da dor. Ele sabia que aquela batalha era inevitável, mas o alívio de ver Juno obedecer sem hesitação lhe fez relembrar de quanto ela tinha amadurecido.
Levantar foi um pouco dolorido, mas aos poucos a costura e reparo que Crish e Freto haviam colocado no traje também emendou em seu corpo. Sempre agradeceu aos dois mentalmente, mas dessa vez, faria uma oração com Clara assim que voltasse.
Mas o momento de alívio foi breve. A criatura estava ali, subindo, arrastando seu corpo grotesco pela rua. Dante a reconheceu, ou ao menos achou que reconhecia.
É ele… ou isso? A coisa que ele havia derrotado antes havia mudado, evoluído para algo muito mais sombrio.
O monstro se ergueu à sua frente, e Dante teve sua primeira visão clara. Ele tentou não recuar, mas sua mente gritou em alerta. Carne pulsante, rosada, misturada a órgãos e ossos expostos. As costelas despontavam do tórax como se quisessem escapar daquele corpo torturado. Ele tinha duas pernas e dois braços, ainda humanoide, mas tudo nele parecia… errado.
Os olhos. Aqueles olhos desproporcionais estavam por toda parte, grandes e brilhantes, como se observassem não apenas o mundo ao redor, mas também Dante. Cada movimento, cada respiração parecia ser registrado por aquelas orbes inquietantes. E ao redor dos olhos, protuberâncias afiadas que pareciam dentes, ameaçando mais do que apenas observar.
Dante engoliu em seco. O que era aquilo? Como aquilo ainda existia?
— Vick, análise. — Sua voz soou mais firme do que ele esperava, mesmo que o coração martelasse no peito.
A IA demorou a responder, tempo demais. O monstro deu um passo desajeitado, o movimento tremulante como o de uma marionete quebrada. Dante percebeu que ele ainda estava se adaptando ao próprio corpo. “Mas não por muito tempo,” ele pensou.
A resposta de Vick veio como um golpe:
“Sem condição analítica. Necessário amostra reservada. Perigo tóxico. Recuar imediatamente”.
Recuar. Vick nunca usava essa palavra com tanta ênfase. Ele sentiu o peso da recomendação, mas recuar não era uma opção. Ele precisava de tempo, precisava pensar.
O monstro continuava avançando, sua presença absorvendo o mundo ao redor em um silêncio surreal. Quando a boca se abriu em meio à carne pulsante, nenhum som saiu. Era como se o próprio ar fosse sugado para dentro daquele abismo.
Então, Juno passou correndo atrás da criatura, os raios azulados iluminando a rua. O monstro reagiu, virando o corpo. Era a brecha que Dante precisava.
Sem hesitar, ele girou o corpo e disparou. O tiro atingiu o prédio ao lado, causando uma explosão que fez o concreto desabar sobre a criatura. Ele respirou fundo, sentindo a adrenalina percorrer seu corpo. Mas, antes que pudesse recuar, sentiu algo frio e pulsante agarrar seu pulso.
— Ele conseguiu me pegar? — A incredulidade percorreu sua mente como um raio.
Dante foi puxado com força, seu corpo arrastado na direção da destruição que ele mesmo causara. O impacto foi brutal, e por um instante, tudo ao seu redor parecia se dissolver em caos. Ele não sabia se conseguiria escapar, mas uma coisa era certa: aquilo não era apenas um monstro. Era algo muito pior.
O buraco era muito mais embaixo.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.