Capítulo 732: Palhaço (1/6)

Com as costas contra a parede: uma expressão que significava não haver mais como recuar, sendo necessário agir e lutar para alcançar seus objetivos.

Era uma expressão de que eu gostava. Afinal, ela continha uma certa verdade.

Uma pessoa encurralada podia realizar coisas extraordinárias, e não apenas de forma metafórica. Quando você tinha as costas contra a parede, não precisava se preocupar com o que estava atrás e podia se concentrar completamente em lutar contra o inimigo à sua frente.

Era algo com que eu podia me identificar.

E aqui e agora era um exemplo perfeito.

Crunch!

Havia inimigos que eu precisava derrotar à minha frente.

Fwoosh!

E uma cidade em chamas estava às minhas costas.

Graças a isso, não havia sinais de inimigos atrás de mim. Isso também significava que nossa rota de fuga estava bloqueada, mas isso não me incomodava. Eu não tinha o menor desejo de fugir.

Crunch!

De certa forma, era assim que Hansu Lee vivia sua vida. Ele sempre precisou lutar nos becos sem saída porque não tinha outra escolha.

“Ala infantil.”

Lutou com todas as forças para sobreviver à doença.

“Parque de diversões.”

Lutou contra a dor do abandono.

“Meu quarto.”

E depois continuou sua luta interminável contra a solidão, uma batalha sem vencedores.

— Somos nascidos guerreiros. Se não lutarmos, morremos.

A vida de Hansu Lee era muito semelhante à de um bárbaro nesse aspecto. Contudo, havia uma diferença muito clara entre os dois.

— Você ainda não corrigiu seu hábito de fugir.

Se eu não tivesse outra escolha, eu lutava. o que era outra forma de dizer que eu sempre fugia.

Se tivesse escolha, preferia correr.

Crunch!

Eu odiava lutar. Mais do que ninguém, sabia o quanto isso podia ser difícil. O mais importante era que poucas coisas no mundo me faziam querer lutar com unhas e dentes para obtê-las.

Crunch!

Hoje era uma exceção.

— Raveeeeeen! — gritei.

Minha aliada, que havia seguido meu plano estúpido, começou a lançar suas magias imediatamente.

As chamas da cidade se espalharam ainda mais rápido.

Vwoong!

Enquanto Astarota me seguia, cada balanço de sua espada criava ondas de aura, provando por que ele era o Guarda do Rei.

— M-Monstro!

— Droga, de onde surgiu um monstro desses?!

Era uma batalha unilateral, tão esmagadoramente favorável ao cavaleiro que a diferença numérica era completamente irrelevante.

Isso não era surpresa, afinal. Este era o tipo de mundo onde até mesmo um personagem como o Coletor de Cadáveres podia ser um exército de um homem só.

“É óbvio que ele é habilidoso, já que está tão próximo do rei.”

Eu não era diferente. Com minha build de Bárbaro de Escudo mais ou menos completa, estava confiante de que não seria derrotado, não importava quem viesse atrás de mim.

“Também formamos uma boa dupla.”

O melhor de tudo era que eu não precisava me preocupar em proteger a retaguarda.

Boom! Boom!

Eu avançava com passos estrondosos como um tanque para desestabilizar a linha de frente deles, e Astarota me seguia, dilacerando-os como um triturador.

— Behelaaah!

— Não se empolgue demais. Vendo que só há peões de sacrifício aqui na frente, os verdadeiros perigos devem estar atrás — ele me repreendeu sob o pretexto de dar conselhos.

Ah, por favor. Ele nem teria dito nada se eu fosse o rei.

“Bom, não que ele esteja errado…”

Os que estavam aqui só estavam nos fazendo perder tempo. A verdadeira batalha ainda não havia começado.

O Coletor de Cadáveres, o Cavaleiro de Sangue ou qualquer outro membro de Orcules ainda não haviam aparecido.

Crunch!

Eu precisava aproveitar a chance para cobrir ainda mais terreno. Uma vez que eles terminassem de reunir suas forças, abrir caminho pelas fileiras seria muito mais difícil.

Huff!

Acelerei o passo.

Crunch! Crunch!

Quanto mais rápido meus braços e pernas se moviam, mais alto eram os impactos que causavam. Em algum momento, no entanto, os combatentes inimigos começaram a recuar.

— Recuar!

— Distância! Mantenham distância!

A cada passo que eu dava na direção deles, eles davam um para trás.

Bem, chamá-los de ‘passo para trás’ era generoso. Na verdade, era como se estivessem virando as costas para nós e fugindo desesperadamente. Afinal, estávamos correndo na direção deles a toda velocidade.

— Aaaack!

Crunch!

— S-Salvem-me!

Slash!

Eventualmente, perdi a noção de quanto tempo passei esmagando os crânios dos soldados que ficavam para trás.

“Como estamos quase na metade do caminho…”

Se conseguíssemos repetir o que acabamos de fazer mais uma vez, poderíamos entrar no Distrito 7, o lugar que era praticamente minha casa.

— N-não… Não…!

Crunch!

Isso, claro, se ignorássemos o fato de que já havíamos queimado metade do Distrito 8. Uma pergunta repentina me atingiu, eu havia me tornado o vilão? Afinal, eu tinha queimado todas as estradas e perseguido pessoas para matá-las. Ainda assim, não me sentia culpado.

Para começar, neste mundo, enxergar seus inimigos como “pessoas” só aumentava as chances de você ser morto.

Zing!

Além disso, meu massacre não durou muito.

Uma luz intensa brilhou, nos engolfando em seus raios. Percebi que era um imenso feixe de mana, vindo de longe e mirando em nós.

Felizmente, o feixe era menor que meu escudo, então consegui me proteger.

Isso não significava que eu podia relaxar. O fato de terem enviado seus membros de elite significava que estavam totalmente preparados para me derrotar.

Então acho que também está na hora de começar…

Hora de enfrentá-los com tudo.

Ativei o Modo Esmagador de Cavaleiros e o Modo Dragão Bárbaro ao mesmo tempo, justo quando algo como vinte pessoas surgiram à minha frente. Como este era um jogo que dependia de equipamentos, as roupas deles eram completamente diferentes umas das outras. No entanto, essa demonstração de individualidade os fazia parecer ainda mais imponentes de alguma forma.

Não que eu estivesse nervoso nem nada.

— Isso termina agora.

Reconheci um rosto muito familiar entre os elites. Assim que o vi, entendi o quão poderosa aquela equipe seria.

— Nem mesmo você conseguirá enfrentar todos nós, pshehe…

“Diz o cara que fugiu com o rabo entre as pernas, abandonando sua aliada. Olha só como parece confiante só porque trouxe amigos…”

— Abed Necrapeto! Seu desgraçado! — gritou Lyranne Vivian, furiosa ao vê-lo entre a multidão.

— P-Pshehe… Srta. Vivian, faz tempo, não? É bom vê-la sã e salva! Já que vim resgatá-la, você pode vir conosco…

— Do que você está falando?! Você está morto, seu filho da puta!

— Pshehe… Devo interpretar isso como uma traição a Orcules e aliança com o inimigo?

— Você me traiu primeiro! — Vivian respondeu.

— Como eu sou o traidor aqui? No fim das contas, você não se machucou nem morreu, e ainda trouxe a força principal para cá.

— O quê…? — Vivian hesitou, claramente pega de surpresa. — Sir Yandel! Não, senhor! Por favor, me ajude a matar aquele desgraçado! Eu farei tudo o que você mandar, então…!

Completamente cega pela raiva, ela começou a fazer promessas vazias sem nem sequer olhar para mim.

O Coletor de Cadáveres apenas estalou a língua diante da reação dela.

— Ora, ora… Parece que já é tarde demais. Vamos esquecer de recuperar a mulher que se aliou ao bárbaro e…

— Raaaaah!

Infelizmente, se julgássemos pela intensidade do grito, Vivian foi a perdedora clara na troca de palavras, já que terminou gritando a plenos pulmões.

No entanto, eu não podia permitir que minha serva de magia negra perdesse o controle agora que precisávamos lutar juntos, ainda que temporariamente. Soltei algumas palavras minhas.

— O ciúme de um homem pequeno. Que cena lamentável.

Claro, ele reagiu imediatamente, visivelmente irritado. — O quê… O que você disse…?

— Eu disse que o ciúme de um homem pequeno é feio.

— O q-que está dizendo?! Estavamos em combate, então, é c-claro que eu…!

— Eu estava falando sobre a sua altura.

Ele congelou, como se tivesse recebido instruções erradas e tomado o caminho errado.

Em termos de jogo, sua barra de atordoamento estava cheia.

— Outra coisa feia em você é como vive arranjando desculpas para tudo.

Com o golpe final desferido, ele ficou parado, sem conseguir dizer uma palavra.

— Uau…

Vivian, que estava gritando até então, soltou uma exclamação de admiração. Ver como eu o desmontei perfeitamente, em termos de caráter e postura, pareceu acalmá-la.

— Já chega disso.

Então, o que parecia ser o comandante inimigo sinalizou para que o Coletor de Cadáveres recuasse e deu um passo à frente.

Hmm, eu nunca tinha visto esse cara antes.

— Bjorn Yandel, seu conto heroico termina aqui — ele declarou.

— Hã?

— Mas não se preocupe. Eu herdarei a fama e a reputação que você acumulou até agora.

O quê? Sua aparência até dava a impressão de alguém importante, mas seu jeito de falar gritava NPC.

Vwoong!

Eu sorri e joguei um machado de uma mão nele.

— Lembre-se disso… o nome do homem que vai matá-lo é Nortia…!

— Oh, então você consegue bloquear isso? — intervim, provocando.

— Ugh! Matem ele!

Com sua entrada perfeita arruinada, o homem deu a ordem para começar a luta.

“Espero nunca ser especial.”

Será que já existiu alguém que realmente desejou algo assim?

Não, impossível. Era da natureza humana querer ser especial, e o pequeno garoto americano caucasiano não era exceção.

Desde jovem, o garoto adorava quadrinhos, especialmente aqueles desenhos americanos cheios de clichês sobre heróis. Contudo, os personagens que ele mais amava eram os chamados ‘vilões’, que deixavam histórias memoráveis antes de sair de cena.

Comparados aos heróis, que só diziam o que era esperado e ganhavam seus poderes por pura sorte, o garoto admirava os vilões, que falavam o que queriam e causavam problemas para os heróis.

Ele os admirava, mas a barreira da realidade era ainda maior.

“Eu não sou especial.”

À medida que crescia, o garoto aceitou a verdade comum que toda pessoa comum eventualmente reconhece. E um dia, aquele garotinho virou homem.

“Eu sou comum.”

Ele havia amadurecido o suficiente para saber que essa verdade nunca mudaria, não importa o quanto tentasse.

Ou pelo menos foi isso que acreditou, até baixar a versão modificada de um jogo que ele desistira de terminar devido à dificuldade insana e, então, zerá-lo.

As coisas que ele só via em quadrinhos, romances e filmes aconteceram com ele.

O mundo do jogo se revelou diante de seus olhos.

Abed Necrapeto.

O homem feio e gordo recebeu um novo nome.

Aqui, o homem não era mais comum. Ele tinha informações que os NPCs não podiam saber e um futuro onde poderia se tornar ainda mais especial o aguardava. Mesmo sendo odiado por ser chamado de ‘espírito maligno’, ele encarava isso como mais uma coisa que o tornava único.

E, na verdade, ele era especial. O homem tinha talento e ficou muito mais forte e rápido do que a maioria dos espíritos malignos.

Contudo, isso apenas o tornou cada vez mais imprudente, como um vilão de desenho animado que só se satisfaz ao conseguir o que quer.

— Por que você precisa morrer? Porque é fraco!

— Ah, e eu também precisava de um cadáver!

O homem não hesitava em nada se isso o fizesse mais forte, e, no fim, isso se tornou o grilhão que o prendeu. Ele foi capturado, interrogado e exposto como um espírito maligno.

Mas então, enquanto apodrecia, apenas esperando o dia de sua morte, teve um encontro fatídico.

— Você não tem lugar nesta cidade.

— Siga-me, Abed Necrapeto. Eu criarei um mundo onde você possa viver.

Orcules.

Uma organização terrorista vigilante fundada no desejo de se opor à família real da cidade acima.

Não havia razão para recusar. Mesmo que não fosse o único caminho que lhe restava, a organização simplesmente parecia incrível aos olhos dele. Ele seguiu o capitão até a cidade subterrânea.

— O C-Coletor de Cadáveres…!

Logo, ele obteve uma fama que superou em muito sua reputação anterior.

— Pshehe!

Conforme os dias passavam, sua risada ficava mais alta.

— Por que todos parecem tão tristes? Sorriam!

Ele não conseguia conter sua alegria.

Alegria por ser o centro das atenções onde quer que fosse. E alegria por saber que suas ações sozinhas podiam fazer as pessoas rirem e chorarem.