Capítulo 3 (III) — Encantamento.
Encorajou-se a se levantar da cama. Ainda com sono e cansada, arrumou os cabelos, colocou uma roupa suave — uma blusa branca bem folgada nos punhos e uma calça que a protegia do frio, mas deixava seu corpo mais leve. Após se preparar, saiu do quarto e desceu os degraus de madeira, que rangiam levemente a cada passo.
Hmm, isso tem cheiro de chá…, pensou, enquanto sentia o aroma gentilmente tocar em suas narinas.
Estava amanhecendo. O Sol ainda não estava com toda sua força, e a luz atravessava as janelas estreitas, que deixavam o ambiente da casa claro e vívido, criando linhas douradas que se refletiam no chão de tábuas gastas.
Ela parou por um instante e observou as partículas de poeira no ar, iluminadas pelo feixe de luz. Para ela, isso só poderia significar uma coisa — os dias estavam mais calmos do que o normal.
Eu não quis me despedir deles esta manhã…
Enquanto descia, deslizava os dedos pelo corrimão e sentia a textura áspera sob sua pele. A escada em espiral era a única forma de acessar o segundo andar da casa, que naquele momento parecia maior e quase vazia, sem o barulho habitual dos irmãos correndo de um lado para o outro.
Eles ficarão bem? Vou sentir tanto a falta deles… Um mês? É muito tempo.
Ela parou na base da escada e olhou para Mila que varria a casa cuidadosamente.
Toda vez que o papai sai, a mamãe fica assim, desolada, preocupada. É estranho, mas a Yuki era sempre positiva e se alegrava muito mais quando só a mamãe estava por perto…, seus olhos focaram na sua querida irmã.
— Mãe! — Yuki animada, interrompendo os pensamentos de Pearl; andava em direção a Mila. — Eu quero que você me ensine tudo o que você sabe!
Pearl olhou para Yuki com uma expressão meio divertida.
Eu acho que ela é doidinha… Pensando bem, ela é a que mais fala com a mamãe…
— Tá tudo bem, Pearl? — perguntou Mila, enquanto movimentava seus braços varrendo a casa.
— Tudo bem, mãe — respondeu Pearl, se aproximando da mesa.
— Mãe, ah, qual é! Me responde, não me ignora!
— Sabia que a paciência é uma virtude, Yuki? Tudo se resolve na calma, tudo se resolve no tempo. À tarde, a gente pode sair.
Enquanto Yuki e Mila conversavam, Pearl se perdeu novamente em seus pensamentos.
A última vez que a mamãe saiu da barreira foi por causa da Yuki.
Ela também deu o arco das suas aventuras para ela, mas o arco antes não tinha flecha nenhuma…Como será que ela usava ele?
Ah, a barre…acho que vou lá perguntar sobre.
— Mãe, eu vou ver a Nya, tudo bem?
— Claro que sim, meu amor. Pode ir, mas volte para comer.
— Obrigada, mãe! Te amo! — Pearl pegou seu casaco grosso e caminhou até a porta.
Ao abrir a porta, um forte vento que soprava balançava seus curtos cabelos brancos.
— Mesmo no período quente, está esse frio todo.
Ela seguiu andando pela trilha coberta de neve
Os vizinhos da frente tinham filhos, eram crianças bem chatas. Ninguém da família interagia com aquelas crianças; apesar de tudo isso, Pearl gostava dos pais delas. Eles eram pessoas muito inteligentes e entregavam livros a Pearl, embora fossem de difícil entendimento. Ela gostava bastante dos livros que falavam sobre animais comuns.
Continuava caminhando pelas ruas naquela manhã silenciosa.
— Bom dia, senhorita Pearl! — chamou uma voz rouca e cansada, que parecia misturar-se ao som suave das atividades da vila.
Eu conheço essa voz.
Ela parou, olhou ao redor, até encontrar a origem da voz: a janela da pequena padaria, de onde morava um velho baixo, com cabelos curtos e brancos, que não eram como os de Pearl, pois os cabelos dele representavam sua idade avançada. E, mesmo sendo um velho como qualquer outro, ele era muito respeitado.
— Ah, é o senhor, senhor Luck! Como vai essa manhã?
— Oh, muito bem, minha jovem, muito bem! Estou mais novo do que ontem, sabia? — Risos que lembravam o estalar de galhos secos.
Pearl riu junto, contagiada pela alegria simples do homem. Luck era conhecido por sua disposição e pelos seus pães, que enchiam o ar com o cheiro reconfortante de casa. Ele tinha uma esposa. Ela morreu antes de Kael e Hia chegarem ao vilarejo; foi atacada por monstros que cercavam a floresta naqueles tempos.
— Senhor Luck, o senhor vai vender seus pães amanhã? — Inclinou-se levemente para ouvir melhor.
— Ora, e quando foi que deixei de vender, hein, Senhorita? — retrucou ele, piscando de forma brincalhona. — A vila inteira depende do meu pãozinho de cada dia!
— Vou avisar à mamãe para não perder a oportunidade!
— Diga para ela passar cedo; os melhores sempre acabam primeiro!
Pearl riu mais uma vez e acenou.
— Até mais, senhor Luck!
— Até, minha jovem! E diga ao sol que ele está atrasado, você chegou primeiro! — disse ele, rindo para si mesmo, enquanto Pearl seguia seu caminho com um sorriso no rosto.
Ao chegar à última casa do vilarejo, a casa da família Lawrer, Pearl bateu gentilmente na porta.
A porta se abriu, revelando Hia, a mãe de Nyoha, com um sorriso acolhedor que iluminava seu rosto.
— Pearl! Minha querida, como está? — perguntou com um tom caloroso; as longas orelhas élficas tremiam levemente com o movimento.
— Oi, tia! A Nya está acordada?
— Claro que está! Entre, querida.
Ela entrou e, sempre que entrava na casa da tia Hia, tinha a mesma sensação, como se estivesse protegida naquele ambiente; ela sentia algo estranho entre as paredes.
Seguiu para o quarto de Nya, pensativa e curiosa.
— Oi, Nya? — Abriu a porta com um sorriso largo.
Nya ergueu os olhos de um caderno onde rabiscava distraidamente.
— Oi, Pearl! Entra, entra.
Os cabelos verdes claros de Nyoha caíam em ondas desordenadas, uma herança evidente de Hia.
Diferente da mãe, Nya tinha orelhas curtas, humanas, pequenas e arredondadas. Essa diferença sempre intrigava Pearl, por nunca saber o motivo exato disso, mas ela nunca teve coragem de perguntar.
Pearl suspirou ao lado, abrindo um pouco seu casaco.
— Posso te perguntar uma coisa? — começou, ajeitando-se na beira da cama.
— Claro! O que foi?
— Ontem, estávamos subindo a montanha de volta e meu irmão perguntou algo, mas eu não soube explicar.
— E o que era?
— Ele queria saber como sua mãe conseguiu criar a barreira do vilarejo.
Com um sorriso, ela desviou os olhos para o chão.
— Ah, então era isso… — murmurou ela, num tom mais sério — isso é meio complicado. Que tal irmos lá fora?
Pearl piscou surpresa, mas acenou com a cabeça, sentindo a curiosidade aumentar.
Do lado de fora, a brisa da manhã já estava mais quente, e o som distante do riacho, que nessa época do ano ficava descongelado, criava uma melodia tranquila. Nya ajoelhou-se na terra, pegando um graveto.
— Vem cá, vou te mostrar.
Sentou-se ao lado dela, observando enquanto a amiga desenhava um círculo no chão e colocava o graveto dentro dele.
— Tá vendo isso aqui? — começou Nya, apontando para o graveto — esse graveto aqui pode ser qualquer objeto.
— Hmm…
— A barreira que protege o vilarejo é uma magia da minha mãe. Ela canalizou magia para um objeto, e, enquanto o objeto tiver energia mágica, a barreira continua funcionando.
— Ahhh… Mas isso não consome a magia dela o tempo todo?
— Não, ela usou outro recurso, que era tão complexo que eu não consegui entender. — explicou com um sorriso pequeno, mas orgulhoso.
Nya fez mais desenhos no chão: círculos um dentro do outro e dois triângulos que se cruzavam.
— Cada círculo cobre uma direção — frente, trás, esquerda e direita.
— Os triângulos apontam para cima, ao céu, e para baixo, ao chão. Se você parar para pensar, forma um cubo perfeito, entende? Porque, quando a barreira mágica da minha mãe era conjurada, era apenas um quadrado que ficava na frente dela como proteção. Como ela repetiu em escrituras a conjuração da barreira com o objetivo, se tornou um cubo perfeito.
— Uau… Então estamos totalmente protegidos?
— Sim! A mamãe é incrível — sorriu largamente, enchendo-se de orgulho.
Pearl olhou para os desenhos no chão, ainda processando tudo. Ela conseguiu entender, mas nem tudo.
— Isso se chama encantamento, né? Já ouvi meu pai falar das escrituras da espada dele.
— Exatamente. Mas isso custa uma enorme quantidade de poder para criar. Então, mesmo que eu quisesse, eu não conseguiria fazer.
— Caramba, isso foi muito legal! Mas agora eu preciso ir, tá bom? Valeu mesmo por me explicar. — Pearl sorriu e abraçou Nya de repente. — Sabe, você é tipo uma irmã pra mim… mesmo eu já tendo um monte de irmãos. — Ela deu uma risadinha, meio sem graça.
Surpresa e mexida pelas palavras da amiga, Nya desviou o olhar enquanto um sorriso tímido surgiu em seu rosto.
— Que nada… obrigada você por ficar comigo.
Os fortes raios de sol iluminavam a neve que cobria o vilarejo.
Pearl caminhou de volta para casa depois de se despedir. Antes de abrir a porta, olhou de volta para o vilarejo, buscando algo que pudesse ser o objeto canalizador de energia responsável pela barreira. Mas, sem pistas claras, resolveu entrar.
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