Índice de Capítulo

    — Ei, Talia, voa aqui.

    A voz de Jack Heiss quebrou o silêncio concentrado da sala. Talia ergueu os olhos por cima do ombro, observando-o. Ele estava parado junto à bancada principal, cercado por uma dúzia de Cubos de Comunicação que flutuavam em uma dança irregular, emitindo leves zumbidos elétricos. A expressão de Jack era tensa, o cenho franzido enquanto rabiscava algo apressadamente em uma folha de papel.

    Ela suspirou, ajustando os óculos de descanso sobre o nariz. Fazia mais de quatro meses que estavam presos naquele problema insolúvel das Matrizes Eletromagnéticas. Os cálculos insistiam em não bater, mesmo com ela sabendo que essa falha podia estar diretamente ligada ao comportamento dos Felroz.

    Erro do Comando, pensou, amarga. Deixar tantas pessoas se meterem em algo que deveria ser meu desde o começo.

    Desde que começara a liderar essa corrida experimental, a maior dificuldade não era entender os conceitos avançados ou lidar com os equipamentos. Era gerenciar as pessoas ao seu redor, cada uma com suas próprias opiniões e, muitas vezes, atrapalhando mais do que ajudando.

    — O que houve dessa vez? — perguntou, sem se virar totalmente, o tom carregado de cansaço.

    Na bancada à sua frente, cerca de vinte outros Cubos de Comunicação flutuavam em padrões organizados, rodeados por capacitores que enviavam pequenas frequências em pulsos rítmicos. O ambiente era hermético, isolado de qualquer comunicação externa. Era uma medida extrema, mas necessária: ninguém podia interferir durante os estudos, e qualquer interação externa poderia comprometer meses de trabalho.

    — Deu algum tipo de erro. — Jack respondeu, a voz carregada de frustração. — Parece que pegou uma frequência de Alta Comunicação.

    Talia parou, virando-se lentamente para encará-lo.

    — Aqui dentro da Capital? — Sua incredulidade era evidente. Ela balançou a cabeça com firmeza. — Não. Isso é impossível. Se alguém tentasse fazer uma chamada por Alta Comunicação aqui, seria morto na hora.

    A lembrança do último incidente veio à tona. No mês anterior, um novato idiota havia tentado exatamente isso. Os Capitães exigiram a cabeça dele, e só a intervenção do Comando evitou uma execução pública.

    — Dá uma olhada nos fios. — Ela voltou-se para sua bancada, pegando o lápis. — Podem estar embolados ou causando alguma interferência.

    Talia começou a anotar mais duas linhas em sua folha de cálculos. O grafite deslizava de forma arrastada, o som suave contrastando com o zumbido constante dos Cubos. De repente, algo chamou sua atenção.

    Um dos Cubos parou de girar, como se hesitasse. Ele permaneceu imóvel por um segundo antes de começar a girar no sentido contrário, apenas para retomar seu movimento normal logo em seguida.

    — Estranho… — murmurou, anotando rapidamente o número de identificação do Cubo e o horário exato do evento. Ela olhou para Jack, que ainda estava absorto em suas anotações. — Jack, já teve alguma coisa parecida com um Cubo girando de maneira estranha?

    Jack levantou a cabeça lentamente, virando-se para ela com uma expressão que misturava preocupação e cansaço.

    — Eh… — Ele coçou a nuca, os olhos desviando por um momento antes de responder. — Serve dez deles juntos?

    Talia arregalou os olhos, sentindo um frio subir pela espinha.

    — Dez? — Sua voz saiu mais alta do que pretendia.

    Jack deu de ombros, mas o brilho nervoso em seus olhos denunciava que ele não sabia o que isso significava.

    O ar na sala parecia ter ficado mais pesado. Os Cubos ao redor deles continuavam girando, mas agora Talia os observava com desconfiança.

    — Isso não pode ser coincidência — ela murmurou, voltando sua atenção para os números.

     Talia caminhou até a mesa de Jack, os olhos atentos analisando cada fio conectado. Os cabos emitiam uma leve vibração, liberando pequenas descargas elétricas que pulsavam de forma quase hipnótica. A rotação dos Cubos de Comunicação parecia errada, um padrão que deveria alternar suavemente agora estava completamente fora de sincronia.

    — Acha que fizemos alguma coisa errada? — Jack perguntou, recuando um pouco da mesa, como se esperasse que algo explodisse a qualquer momento. — Eu nem mexi em nada. Juro.

    Talia lançou-lhe um olhar breve, a voz saindo calma, mas firme:

    — Não precisa se preocupar. Sei que você não fez nada de errado.

    Ela se abaixou, observando o suporte dos Cubos flutuantes. Tudo parecia intacto: os fios estavam conectados corretamente, os materiais isolantes estavam no lugar, e não havia sinais de curto-circuito ou falhas estruturais. Talia ergueu-se novamente, o cenho franzido enquanto analisava o ambiente ao redor.

    — Pode ser interferência externa — murmurou, quase para si mesma. — Estranho… Bom, talvez seja algum dos vilarejos enviando uma mensagem. Se a sala não foi completamente vedada pelos cadetes, isso poderia explicar.

    Jack assentiu lentamente, mas manteve uma distância cautelosa da mesa. Ele sabia que, quando algo parecia “estranho” para Talia, geralmente significava problemas maiores do que ela deixava transparecer.

    Antes que pudessem retomar os trabalhos, os Cubos começaram a vibrar violentamente. Eles giraram no próprio eixo, cada vez mais rápido, em movimentos caóticos.

    — O que diabos…?! — Jack exclamou, mas Talia já estava em ação.

    Ela virou o rosto para a mesa dele no exato momento em que uma luz azulada começou a se formar na parede. A luminosidade pulsou, ganhando forma, até projetar a imagem de uma mulher de cabelos longos, presos em um coque desalinhado, recostada em um computador antigo.

    Talia estreitou os olhos, tentando identificar o local. Não parecia ser em nenhuma instalação da Capital. Eles não tinham tecnologia tão ultrapassada e robusta como aquela. Apenas usavam tablets e telas planas nos centros de comando.

    Então, a imagem mudou.

    Um rosto masculino surgiu. Os cabelos brancos, desordenados, e os olhos semicerrados transmitiam uma mistura de cansaço e determinação. Talia congelou. Mesmo com a postura curva e a idade evidente no homem, ela o reconheceu instantaneamente.

    Era Dante.

    Seu irmão.

    — Irmão… — a palavra escapou de seus lábios como um sussurro, o som quase inaudível na sala.

    Ela engoliu em seco, os olhos fixos na figura. Antes que pudesse reagir, os Cubos mudaram novamente. A rotação ficou ainda mais rápida, os marcadores começaram a gravar freneticamente a figura projetada, mas, em questão de segundos, a imagem desapareceu.

    Talia permaneceu imóvel, o coração disparado. Era como se o tempo tivesse parado ao seu redor. Seu irmão, desaparecido há tanto tempo, estava ali. Mesmo com o rosto envelhecido, mesmo com décadas de diferença, ela sabia que era ele.

    Um sorriso tímido surgiu em seus lábios, mas logo foi abafado pelas lágrimas que começaram a brotar em seus olhos.

    — Talia, o que foi isso? Quem era esse? — Jack perguntou, a voz carregada de preocupação.

    Ela piscou rapidamente, limpando os olhos com a manga da camisa. Quando se virou para ele, sua expressão já estava fria, indiferente, como sempre.

    — Não parece ser algo muito importante — respondeu, desviando o olhar.

    Talia caminhou até uma das mesas, pegando um dos Cubos de Comunicação. Com um movimento rápido, ativou o Protocolo de Refração. O Cubo brilhou em um vermelho intenso, expelindo o azul para o núcleo interno.

    — Jack, assim que eu sair dessa sala, quero que envie as coordenadas que recebemos para o Cubo NZ-RE3. Entendido?

    — Certo, sem problemas, mas… — Jack hesitou, apontando para a mesa onde a imagem havia surgido. — Tem certeza de que aquele cara não era ninguém?

    Ela apertou o Cubo em suas mãos, sentindo o peso do momento.

    — Não era ninguém — mentiu, sem sequer piscar.

    Sem dar espaço para mais perguntas, virou-se em direção à porta.

    — Vou até a Oficial Dalia agora. Deixe tudo arrumado, volto em uma hora.

    Jack observou-a sair, a mente cheia de perguntas, mas sabia que insistir seria inútil. Assim que a porta se fechou, ele voltou para a bancada, tentando entender o que havia acabado de acontecer.

    Enquanto isso, Talia apertava o Cubo com força, os pensamentos em turbilhão. Seu irmão estava vivo. E por que, de todos os lugares, ele estava conectado a eles agora? E onde ele estava? Não fazia sentido.

    Ela sabia que precisava de respostas, mas, acima de tudo, sabia que não podia confiar em ninguém.

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