Capítulo 0122: Uma pequena proposta
Foi logo depois do almoço.
Siegfried estava sentado na beirada da sua cama no alojamento das servas. Pensando.
Na noite em que o rapaz deixou a Vila do Lobo, o barão Kessel havia lhe entregue duas aves para emergências. A primeira foi enviada logo após ele tomar o Salão Branco:
“A fortaleza foi tomada. Quatro guardas inimigos mortos e seis capturados. Nenhuma baixa entre nossas tropas. A baronesa Whitefield rendeu sua posição e concordou em cooperar. Alethra Gaelor e seu filho, seguros. Astrid Whitefield também foi capturada. Todos os fidalgos estão sob vigilância e sendo bem-tratados. Aguardo novas ordens.”
Mas as ordens nunca chegaram.
Quem sabe os rumores fossem verdade. Talvez o barão Kessel estivesse realmente morto. Por que mais não teria lhe respondido?
Não estavam muito longe do ducado Castillon e a região em questão era fortemente controlada pelo príncipe Helmut. Se o conde Essel tivesse pedido ajuda para retomar suas terras, então suas forças poderiam chegar a um milhar ou até mais.
O conde Gaelor dizia que quarenta homens atrás de uma fortaleza podiam repelir quatrocentos. Se isso fosse verdade, talvez dez pudessem resistir a cem.
“Aí só restam mais novecentos…”
Lavina deve ter notado sua preocupação, porque o abraçou por trás e beijou a sua nuca:
— O senhor tá quieto. É por causa dos refugiados?
— É por causa dos refugiados.
— Eles estavam assustados. Não sabem do que estão falando e aposto que exageraram. O barão Kessel já deve ter cuidado de tudo a essa altura.
— É bom mesmo, senão vamos ter um exército nos nossos portões em alguns dias.
— Se isso acontecer, ainda temos o senhor. E eu sei que vai pensar em alguma coisa.
Se ela pretendia tranquilizá-lo, não funcionou. Na melhor das hipóteses, pôs outra responsabilidade em seus ombros. Não podia permitir que o conde Essel e seus homens fizessem com ela o mesmo que fizeram aos moradores da Vila do Lobo.
“Mais uma razão pra vencer.”
Então a baronesa Whitefield chegou.
A porta do alojamento estava fechada, mas não trancada. Ela entrou sem ser convidada e bateu duas vezes na madeira, para chamar a atenção.
Seu vestido era um houppelande bordô, ajustado ao busto e fluindo em grandes dobras que caíam até o chão. Os cabelos ruivos presos em um belo toucado, uma capa negra por sobre os trajes e o toque final: um broche de prata na forma de uma adaga — o símbolo da casa Whitefield.
Raven Whitefield era uma mulher jovem e bonita. Elegante, não provocante. Como se tivesse saído de algum conto cavalheiresco.
“As mais bonitas são sempre as mais perigosas.”
— Milorde — ela disse. — Será que poderíamos conversar?
— Mas é claro.
Siegfried se levantou, puxou uma cadeira à mesa para que ela se sentasse e então mandou Lavina embora, notando a forma rígida como a baronesa olhava para a garota. Quando estavam sozinhos, a lady Whitefield finalmente falou:
— Soube que o barão Kessel está morto.
— Rumores.
— Vindos de várias bocas diferentes. Claro, isso não o torna verdade, mas certamente dá alguma credibilidade à história.
— …
— O que planeja fazer?
— O que quer dizer?
— Sabe muito bem o que quero dizer. Temos um exército nos nossos portões. Ou teremos, em um ou dois dias. O que planeja fazer quando o conde Essel nos pôr sob cerco? Lutar?
— Se for preciso.
— Então é um idiota.
— Um idiota com reféns.
— Se realmente acredita que o conde Essel teme pela vida de alguém nesta fortaleza, então talvez seus homens tenham razão; você não tem o que é preciso para liderar.
— …
— Somos todos traidores. Se algum dos vassalos do conde Essel se afeiçoar à minha filha, talvez a despose e reivindique o Salão. Quem sabe eles capturem a pequena condessa Gaelor e seu filho, assim podem bradar legitimidade quando levarem a guerra até o Salão dos Poucos. Mas nada disso importa. Mesmo que todos nós sejamos mortos, o Salão Branco ainda será deles e a guerra ainda seguirá para o sul. Ainda mais agora que o conde Gaelor e o barão Kessel estão ambos mortos.
— E o que você sugere?
— Chegaremos lá. Mas antes, quero a verdade… O barão Kessel matou meu marido?
— Não!
— Mentir não vai melhorar a minha opinião a seu respeito.
— Não matamos o seu marido!
— Então?
— Um assassino. Vários, na verdade. Todos nós fomos atacados.
— Foi–
— O conde Essel? Sim. Pelo menos, foi o que a garota que me atacou disse.
O que se seguiu foi um longo silêncio.
“Agora eu entendi o porquê das reuniões sempre terem uma garrafa de vinho. Isso ficou um pouco desconfortável. Uma bebida não faria mal.”
— Isso… Faz sentido — admitiu a baronesa. — Então por que nos atacaram?
— Depois que o barão Whitefield morreu, o lorde Kessel pensou que a casa Whitefield pudesse se sentir tentada a voltar atrás com a nossa aliança. A julgar por esta conversa, acho que tinha razão.
— Não tanto quanto pensa.
— Então não ia me dizer pra me render?
— Estou pensando na minha família! O que você esperava que eu fizesse?! Invadiram minha casa, fizeram minha filha de refém e nem ao menos me deram qualquer satisfação a respeito da morte do meu marido até agora. Pra mim, os traidores aqui eram vocês! Mandei o meu marido, meu cunhado e o meu sobrinho com vocês, mas nenhum deles voltou. O que eu devia pensar?
— Justo. Pois bem! E agora?
— Me deixe falar com o meu irmão.
— E quem seria o seu irmão?
— O barão Greenlock.
— Estou ouvindo.
— Permita-me negociar com ele e posso pôr uma centena de espadas em campo. Sou apenas uma mulher e não entendo de guerra, mas algo me diz que uma centena é melhor que uma dezena. Me dê dez dias e terá o seu exército.
— Vou pensar no assunto.
— O que tem pra pensar? Estou te oferecendo os soldados de que precisa. Acha que pode derrotar o conde Essel sozinho?
— Não.
— Então?
— Sou apenas um mercenário, mas algo me diz que não é uma boa ideia pedir ajuda ao irmão da minha refém. Especialmente se ele for capaz de reunir cem espadas em tão pouco tempo.
— Acha que eu vou te trair!?
— Admito que a ideia passou pela minha cabeça.
— O conde Essel matou meu marido! Você mesmo disse!
— E você deixou bem claro que a sua família é a sua prioridade. Até onde eu sei, seu irmão ainda não tomou partido nessa guerra. E se a morte do barão Kessel for verdade, nós já perdemos. Seria uma boa hora pra ele mostrar sua ‘lealdade’ com uma vitória decisiva contra os últimos rebeldes no condado. Então você só precisa pôr a culpa desta traição no seu marido morto. E quem duvidaria da sua palavra?
— Você está sendo paranoico!
— Talvez. Ainda assim, não confio em você.
A baronesa se levantou irritada:
— Não tenho que escutar isso de um mercenário! Ousa dizer que eu não sou confiável!? Conheço o seu tipo muito bem. É um tolo se pensa que pode vencer sozinho. E um tolo ainda maior se escolhe a morte ao invés da minha palavra. A nobreza tem honra!
— Já vi a ‘honra’ dos nobres. Não fiquei impressionado.
— Está condenando a todos nós!
— Então devia ir abraçar sua filha e confessar os seus pecados.
Ela girou nos calcanhares e foi embora, mas se a expressão de ódio em seu rosto queria dizer algo, não pretendia seguir o seu conselho.
“Mais uma faca nas minhas costas. Nesse ritmo, vou estar morto antes do conde chegar.”

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