Índice de Capítulo

    Todos no salão voltaram os olhos para Airen Farreira. Mas não porque ele tivesse feito uma pergunta estranha. Quem não ficaria empolgado com o rumor de uma possível masmorra antiga? Aquilo não era um simples covil de um mago desconhecido.

    Qualquer mercenário ou mago poderia se interessar. Se fossem corajosos o suficiente, pediriam para participar da expedição. No entanto, a reação das pessoas foi, no máximo, morna. Johnson sabia exatamente o porquê.

    “Bem, tenho certeza de que ele ficará bem”, pensou.

    Embora inicialmente tivesse temido Airen como se o jovem fosse a própria morte encarnada, agora sabia que ele não era alguém que arranjava brigas. Se havia algo de errado com ele, era o fato de ser um tanto ingênuo.

    “Se ele mostrasse metade do que pode fazer…”, refletiu Johnson.

    Mas sua esperança era em vão. Muita coisa havia acontecido com Airen para que ele seguisse o conselho de sua meia-irmã Kiril.

    Felizmente, as pessoas na estalagem não zombaram dele. Apenas encararam o mercenário de meia-idade sem expressão.

    Contudo, Airen não foi o único a se interessar pela notícia sobre a exploração da masmorra. Um homem de olhos afiados, que estava bebendo silenciosamente em um canto, avançou a passos largos. Os clientes imediatamente ficaram tensos, alguns até puxaram suas cadeiras para não encostar no homem. A reação deles foi totalmente oposta à que tiveram com Airen.

    O homem fez a mesma pergunta.

    — Acredito que ainda estejam procurando exploradores em Calvin. Estou certo? — perguntou.

    — Sim… Precisariam disso, já que não têm tantos mercenários quanto os outros países — respondeu um dos frequentadores.

    — Entendo. Então ainda tenho tempo para chegar, certo?

    — Não saberia dizer. Mas se até um homem comum como eu ouviu sobre isso, diria que a notícia é antiga. Melhor se apressar se está atrás de algo.

    — Obrigado pelo conselho.

    O homem de olhos afiados assentiu e saiu, deixando duas peças de prata na mesa. O mercenário de meia-idade observou até que o homem desaparecesse, soltando um suspiro logo em seguida.

    — Duas peças de prata não pagam o incômodo. Mas prefiro não lidar com um homem como ele por muito tempo — murmurou.

    — Ah, você também deveria ir para Calvin se estiver interessado em explorar a masmorra. Como eu disse, provavelmente estão procurando mercenários lá. Mas, considerando o tamanho da masmorra, ser um lutador mediano não será suficiente. Ah, não me entenda mal. Não estou falando de você — disse o mercenário educadamente.

    — Eu não achei que estivesse — respondeu Airen com um sorriso.

    O homem de meia-idade observou o jovem de fala suave, mas resoluta.

    “Achei que ele fosse um garoto ingênuo, mas parece diferente…”, pensou.

    Talvez aquele jovem tivesse habilidades das quais pudesse se orgulhar.

    O mercenário de meia-idade sorriu e tomou um gole de sua bebida. Claro, ele foi o único a demonstrar alguma reação. A maioria parecia desinteressada em Airen, preferindo falar sobre o homem que acabara de sair da estalagem.

    — Foi o Bern que saiu? — perguntou alguém.

    — Sim. Ouvi dizer que ele destruiu sozinho um covil de demônios em Kalun.

    — Suponho que isso signifique que ele é bom o suficiente para participar da exploração?

    — Quem sabe? Pelo que ouvimos, parece que três reinos, não, quatro, incluindo o Reino Sagrado, estão envolvidos na masmorra… Será que um simples mercenário poderia entrar?

    — Ainda assim, parece valer a pena tentar.

    — Verdade.

    Alguns lançaram olhares para Airen enquanto conversavam, seus olhos bem diferentes dos que tinham dirigido ao homem chamado Bern. O jovem loiro entendeu o que significavam, mesmo sendo ingênuo.

    Mas ele não se importou. Retornando ao seu assento, disse. — Não precisaremos ir até o Reino Sagrado.

    — Estamos indo para Calvin? — perguntou Illia.

    — Sim. Aquele sujeito pode não estar certo sobre tudo, mas não saberemos até chegarmos lá. Se o que ele disse for verdade, temos que nos juntar à equipe de exploração.

    — Certo! Estou dentro! Uma masmorra antiga? Que emocionante! — exclamou Lulu, animada com a palavra ‘antiga’, como se não tivesse ficado entediada um momento antes.

    Claro, tal reação era compreensível. Diferentemente das masmorras recentes, as masmorras antigas de vários séculos atrás… eram como baús de tesouro cheios de mistérios desconhecidos.

    “Talvez…”, pensou Airen, lembrando-se por um momento do homem de sua vida passada, antes de sacudir a cabeça.

    Primeiro, ele teria que se juntar à equipe de exploração da masmorra em Calvin.

    — Johnson, obrigado por tudo — disse ele, tendo tomado sua decisão.

    — Ah… entendi. Acho que é até aqui que vou — respondeu Johnson com um aceno.

    Calvin não estava longe, e as estradas eram bem pavimentadas, ao contrário das do continente norte. Airen e seu grupo não precisariam de seus serviços.

    Assim, Johnson ganhou sua liberdade de servir aos três lutadores monstruosos sem que descobrissem que ele era o líder de ladrões.

    — Vou ser uma boa pessoa a partir de agora… — murmurou Johnson na manhã seguinte, olhando para o monte de ouro em seu bolso.

    Embora ele não tivesse se arrependido completamente, queria corrigir seus caminhos. Ter mais dinheiro influenciava sua decisão, mas…

    “Há gente assustadora demais no mundo.”

    Johnson agora entendia que o mundo estava cheio de pessoas incrivelmente fortes que escondiam suas habilidades. Fechando os olhos, relembrou sua jornada.

    O jovem de vinte e poucos anos que empunhava sua espada de feitiçaria reluzindo em dourado…

    A espadachim que derrubava árvores enormes enquanto parecia capaz de dominar a alta sociedade com um vestido…

    A gata monstruosa…

    “Sim, de fato. Você tem que ser bom neste mundo…”

    “Deixe-me me tornar alguém de quem até um gato de rua se orgulharia.”

    Johnson assentiu e partiu em uma jornada para se tornar uma nova pessoa, em vez de voltar para seu esconderijo no norte.


    — Eu não gosto disso! Não gosto disso! — reclamava Amyra.

    — Capitã Tenente , esta é a milésima vez que diz isso — murmurou seu adjunto.

    — Como posso evitar, com a situação sendo uma merda dessas?! Aaargh! Aqueles malditos bastardos de Palanke e Lavaat!

    O adjunto balançou a cabeça enquanto olhava para Amyra Shelton, a Capitã Tenente  da Primeira Ordem de Cavaleiros de Calvin. Ela seria belíssima, não fosse seu temperamento. Amyra vociferava furiosamente, soltando vulgaridades que fariam até rufiões das ruas torcerem o nariz enquanto amaldiçoava os dois reinos.

    Claro, sua raiva era compreensível. O adjunto também estava irritado com a decisão de Palanke e Lavaat.

    “As terras podem ser desocupadas, mas ainda são nosso território. Imaginar que estão prestes a tomar uma masmorra que descobrimos lá…”, pensava ele.

    Foi no deserto entre Palanke, Lavaat e Calvin que encontraram a masmorra. A terra era inútil, cheia de monstros como goblins, que não geravam lucro.

    Infelizmente, esses monstros atacavam Calvin, que ficava mais próxima ao deserto, forçando o reino a enviar regularmente seu exército para lidar com eles. Foi durante uma dessas incursões que alguém descobriu a masmorra.

    Palanke e Lavaat, é claro, foram rápidos em se intrometer ao ouvirem falar da oportunidade. Os dois reinos gananciosos argumentaram que também tinham direitos sobre a masmorra descoberta em terra de ninguém.

    Embora Calvin negasse veementemente a alegação, teve que ceder ao descobrir que a masmorra era maior do que esperava. Afinal, como cidade-estado, não podia se dar ao luxo de manter os dois reinos afastados enquanto explorava uma masmorra tão grande.

    “Até o Reino Sagrado está dizendo que quer participar, alegando que pode ser uma masmorra antiga. É um caos, de fato”, pensava o adjunto.

    Claro, ter o Reino Sagrado de Arvilius envolvido não era totalmente ruim. Como um reino que afirmava ser governado por Deus, impediria que Palanke e Lavaat saqueassem tudo descaradamente.

    Ainda assim, Calvin precisava de suas próprias forças. Embora talvez não conseguisse recrutar mestres espadachins ou o maior mago da região central… precisaria de lutadores decentes na equipe de exploração se quisesse salvar sua reputação.

    — O que esses malditos mercenários estão fazendo?! — gritou Amyra enquanto socava a mesa com raiva.

    Crash! Craaack! Crraaack!

    A madeira rachou e cedeu.

    Para ser honesta, Amyra não pensava que enfrentaria tantas dificuldades ao começar a recrutar mercenários. Ela acreditava que bastaria chamar Charlot e Victor, que eram bastante renomados no continente central.

    Se esses dois não fossem suficientes, ela planejava fazer um esforço para convocar Zett Frost, o 101º espadachim de Partizan, ou a dupla pai e filho, Harrison e Ricardo Pinto.

    Não adiantou. Charlot e Victor, que haviam vagado por todo o continente, desapareceram completamente, enquanto Zett Frost e os Pintos decidiram se tornar reclusos para treinar. Todos os outros mercenários estavam ocupados com outros assuntos.

    Ela conseguiu recrutar Bern, que havia derrotado o demônio de Kalun, mas ele sozinho não seria suficiente. Precisava de um especialista, alguém quase no nível de mestre espadachim, pelo menos.

    Amyra estava quebrando a cabeça quando recebeu um relatório. Sua expressão relaxou ligeiramente.

    — Ah, ah. Estou bem? — perguntou, limpando a garganta.

    — Sim, mas eu diria que seu cabelo precisa de atenção. Está uma bagunça — respondeu o adjunto.

    — Ah, é? Melhor amarrá-lo. Assim está bom? Estou apresentável, certo?

    — Está magnífica. Tenho certeza de que sua presença graciosa encantará qualquer mercenário.

    O adjunto estava sério. O rosto corado e a boca suja de Amyra desapareceram. Seu cabelo, que antes parecia atingido por um raio, agora estava preso em um rabo de cavalo bem arrumado.

    Ela parecia, pelo menos por fora, a renomada cavaleira de Calvin que era.

    — Certo. Vamos — disse Amyra Shelton alegremente enquanto seguia para o campo de treinamento.

    A esperança de que os candidatos fossem bons desta vez e o medo de se decepcionar novamente lutavam em sua mente.

    Felizmente, os três mercenários que ela encontraria não seriam qualquer pedra do caminho, já que os novatos atraídos pela palavra ‘masmorra antiga’ já haviam sido eliminados.

    “Mas e se quiserem uma parte do saque? Não, melhor não pensar nisso. Foque em descobrir se eles são bons ou não.”

    De fato.

    Dada a falta de mão de obra, ela não podia se dar ao luxo de pensar na compensação. Primeiro, precisava garantir bons talentos. Amyra Shelton rezava para que os mercenários no campo de treinamento fossem decentes e seus nomes fossem reconhecíveis.

    Mas quando viu os três…

    Crack.

    Ela perdeu a paciência.

    — Ei — rosnou.

    — Sim, Capitã Tenente ! O espadachim loiro recebeu uma placa de prata em Alcantra e… — começou o cavaleiro.

    — Ei, chega disso. Cai fora.

    — Perdão?

    — Eu disse: cai fora!

    Enquanto a Capitã Tenente  gritava, o cavaleiro que apresentava os mercenários recuou assustado, não que Amyra se importasse.

    Mas os dois mercenários não se importaram. A máscara sorridente dela desapareceu enquanto sacava sua espada com impaciência.

    — Vamos ver do que vocês são capazes — disse, claramente irritada.

    Ela não podia evitar. O que queria eram mercenários que envergonhassem Palanke e Lavaat.

    Mas o que conseguiu? Dois jovens que mal pareciam ter vinte anos a encarando.

    “Droga! Ele não disse que eram três, para começar? Será que nem contar direito eles sabem?” pensava Amyra, indignada, enquanto olhava ao redor, esperando ver mais alguém.

    Mas, por mais que procurasse, só conseguia ver um homem loiro, uma mulher de cabelos prateados e um gato coçando a barriga.

    — Vamos lá, vamos acabar logo com isso — disse Amyra Shelton, assumindo sua postura e soando ainda mais irritada.

    Ela sabia que a culpa não era deles. Se alguém era culpado, seriam seus subordinados incompetentes.

    Mas precisava extravasar a raiva, então silenciosamente incitou os três a sacarem suas armas.

    — Entendido — disse a espadachim de cabelos prateados, finalmente entendendo a situação.

    O espadachim loiro se afastou, segurando o gato preto nos braços, deixando as duas sozinhas. Amyra ia dizer algo, mas balançou a cabeça.

    “Bem, não faria diferença enfrentar uma ou todos eles”, pensou.

    Esperando terminar logo para poder repreender mais seus subordinados, ela brandiu a espada com toda sua força.

    Swish!

    O golpe foi incrivelmente rápido. Claro, ela não estava tentando ferir sua oponente. Apenas queria desarmar a outra espadachim.

    No entanto, o esforço de Amyra foi em vão.

    Clang!

    — Hã?

    Craaack!

    — Ugh!

    A outra mulher bloqueou o ataque com perfeição e desferiu uma série de golpes.

    Amyra perdeu o controle da espada, que voou e caiu no chão. Assim terminou o confronto.

    O silêncio tomou conta. A espadachim de cabelos prateados, o espadachim loiro, seu subordinado e até o gato preto que coçava a barriga encaravam Amyra Shelton em silêncio.

    Ela ficou imóvel enquanto o grupo a observava, até que saiu correndo com o rosto ruborizado. Incapaz de suportar a situação, fugiu.

    — O que está acontecendo? — perguntou Illia.

    — Não sei — respondeu Airen.

    — P-Por favor, esperem um momento. Peço desculpas! Nossa capitã pode ser um pouco impulsiva às vezes! Desculpem! — gritou o cavaleiro, que sabia quem eram Airen e sua companhia, enquanto os segurava.

    Claro, Airen e seu grupo não estavam com pressa de sair, pois precisavam estar ali. Eles também não se ofenderam muito por serem tratados como crianças, por mais absurda que fosse a situação.

    Aguardaram alguns minutos, até que alguém emergiu do prédio onde a Capitã Tenente  havia desaparecido. O homem, que se apresentou como adjunto da Capitã Tenente , segurava um envelope adornado com flores.

    — Me dá! Eu abro! — disse Lulu, pulando dos braços de Airen para abrir o envelope.

    Dentro havia uma carta de congratulações.

    Parabéns! Você agora é um membro oficial da Equipe de Exploração da Masmorra de Calvin!

    — Sinto muito… Nossa Capitã Tenente  pode ser assim, às vezes — desculpou-se o adjunto.

    — Poderiam perdoá-la por sua grosseria? — pediu ele.

    Os três assentiram em uníssono, embora não dessem muita importância às ações de Amyra.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota