Índice de Capítulo

    * * * 

    No dia seguinte, Zorian passou uma manhã inteira praticando o disco cortante para garantir que conseguiria realmente controlá-lo na próxima vez que o usasse, alternando para vários exercícios de levitação quando ficava entediado ou baixo em mana. Conforme a noite se aproximava, Zorian teletransportou-se para a vila de Lukav e passou uma hora ou mais conversando fiado com o homem. Zorian não tinha certeza, mas aparentava que o homem deixara nas entrelinhas a possibilidade de ensinar alguns de seus segredos a Zorian. Claro, provavelmente haveria um contrato de aprendiz envolvido se ele quisesse aceitar a oferta de Lukav, mas, com o loop temporal em vigor, tais relações naturalmente não seriam permanentes. Talvez ele devesse reservar um ou dois reinícios futuros para ver o que o homem tinha a oferecer, mas magias de transformação simplesmente não eram uma prioridade agora. Ele precisava de informações e defesas contra a magia da alma antes de qualquer outra coisa.

    Eventualmente, ambos seguiram seu caminho. Lukav queria ir a pé até a residência de Alanic, mas Zorian vetou a ideia argumentando que seria perda de tempo quando ele poderia simplesmente teletransportá-los para perto da casa do homem. É verdade que sua única experiência em teletransportar outros foi quando ele se retirou da casa de Vazen com Gurey a tiracolo, mas ele estava confiante em que poderia replicar esse sucesso. E, pelo visto, ele estava certo sobre isso.

    “Estou surpreso que alguém tão jovem quanto você consiga se teletransportar”, Lukav disse casualmente, olhando para os novos arredores para determinar onde exatamente eles acabaram indo. Eles não estavam longe do templo em que Alanic trabalhava e que também servia como sua casa, mas Zorian optou por não se teletransportar tão perto, pois Lukav indicou que o homem poderia ser um tanto inclinado a puxar o gatilho a tais coisas. “Você tem o quê, 16 anos? Acho que finalmente conheci uma dessas crianças prodígio de quem as pessoas falam. Você não é aquele Kazinski, é?”

    “Não, só acontece que eu tenho o mesmo sobrenome que Daimen”, Zorian mentiu.

    “Imagino”, disse o homem. “Você deve ouvir muito essa pergunta.”

    “Você não tem ideia”, Zorian suspirou. Felizmente, Kazinski não era um sobrenome tão raro e ninguém o acusou de mentir quando ele negava qualquer conexão.

    O que quer que Lukav estivesse tentando dizer a seguir foi prontamente abafado pelos sons inconfundíveis de explosões vindas da casa à frente deles, imediatamente seguidos por gritos furiosos em uma língua desconhecida e sons de tiros.

    Zorian rapidamente sacou sua varinha mágica e fez uma carranca. Ele estava com medo disso. Quem quer que estivesse por trás do desaparecimento dos magos de alma percebeu que o assassinato de Lukav havia falhado e decidiu jogar a sutileza pela janela e agir rapidamente para eliminar seu alvo restante. Eles sem dúvida sabiam que Lukav e Alanic eram amigos e que Alanic logo saberia tudo sobre a tentativa de assassinato.

    Cautelosamente, ele avançou adiante, com Lukav seguindo atrás.

    Não havia mortos-vivos dessa vez, provavelmente porque o alvo era um caçador de mortos-vivos bem conhecido e, portanto, estava fadado a ser bom contra eles. Em vez disso, os atacantes consistiam em 15 homens armados com rifles — provavelmente mercenários não mágicos — e 2 magos agindo como suporte de feitiços. Por algum motivo, eles estavam hesitantes em simplesmente atacar a casa de Alanic, e, em vez disso, esperaram do lado de fora para que algo acontecesse. Indispostos a avançar contra um grupo de homens armados como idiotas, tanto Zorian quanto Lukav se posicionaram atrás de algumas árvores para observar o grupo.

    “Eles estão tentando derrubar as barreiras antes de entrarem”, Zorian percebeu depois de alguns segundos. “O mago da direita está tentando derrubar todo o esquema de proteção, o da esquerda está protegendo-o de todas as represálias enquanto ele está ocupado e os atiradores estão periodicamente atirando nas janelas para manter Alanic incapaz de fazer chover feitiços ofensivos sobre eles à vontade.”

    Um raio de fogo pontuou sua declaração sussurrada, irrompendo de uma das janelas do segundo andar e mirando no mago que estava desmantelando as barreiras. O outro mago imediatamente protegeu seu companheiro do ataque, e os atiradores responderam com uma devastadora saraivada de balas na abertura ofensiva.

    “Temos que ajudá-lo”, Lukav disse firmemente.

    “A única opção que vejo é esperar por uma boa abertura”, disse Zorian. “Não vejo uma maneira de nos envolvermos agora que não nos mate imediatamente.”

    “Você consegue lidar com os dois magos se eu cuidar dos idiotas armados?” Lukav perguntou.

    Zorian lhe deu um olhar curioso. Como ele pretendia fazer isso? Ele era um daqueles idiotas que ainda subestimavam a eficácia das armas de fogo mesmo depois do enorme número de mortes que elas causaram contra magos de combate nas Guerras Fragmentadas?

    “E então?” Lukav perguntou, um pouco mais duramente.

    Decidindo correr algum risco, Zorian examinou os pensamentos superficiais do homem por um momento. Ele prontamente percebeu que o homem ao seu lado se importava profundamente com Alanic e não suportaria vê-lo morto se pudesse fazer algo, qualquer coisa a respeito. Ele estava pronto para avançar com ou sem Zorian, mas honestamente achava que poderia prevalecer contra os atiradores. Embora, tivesse muito menos certeza se conseguiria sobreviver contra eles se tivesse que lidar com o suporte dos magos também.

    “Eu consigo lidar com eles, sim”, disse Zorian. “Espere dois minutos antes de atacar.”

    Então, ele prontamente conjurou invisibilidade em si mesmo e saiu andando na direção dos dois magos.

    Ele não estava andando para ser dramático — o feitiço de invisibilidade que ele estava usando era uma ilusão de ótica muito delicada que exigia sua atenção consciente para manter. Qualquer tipo de atividade distrativa, como lutar ou conjurar feitiços, imediatamente o desfazia. Ele não poderia nem sequer correr sem se transformar em um contorno humanoide brilhante que chamava muito mais atenção do que simplesmente caminhar até os magos sem qualquer tentativa de camuflagem.

    Mas uma caminhada rápida se mostrou suficiente. Ele estava praticamente em cima dos dois magos quando Lukav finalmente se cansou de esperar e entrou na batalha com um grito de guerra.

    Pelo menos ele pensava que a criatura que avançou atacando era Lukav. O enorme touro coberto de escamas verde-escuras, semelhantes a peixes, seus olhos brilhando com luz vermelha malévola, parecia algo que um especialista em transformação usaria e definitivamente não estava alinhado com os atacantes. A besta soltou um berro alto que carregado com algum tipo de efeito mágico de medo. Zorian ignorou o ataque mental com facilidade, mas três dos atiradores não eram tão destemidos e imediatamente fugiram gritando. O resto ficou abalado o suficiente pelo efeito de medo que deram ao touro alguns momentos cruciais para se aproximar antes de começarem a atirar.

    Como Zorian esperava, aquelas escamas não eram só de enfeite, e as balas não fizeram muito efeito. Os dois magos hostis ao lado dele pareceram perceber que suas forças não iriam se sair bem contra essa nova ameaça, pois o defensor de repente começou a conjurar um feitiço e o destruidor de barreiras acelerou seu trabalho. Decidindo que o defensor era a maior ameaça, Zorian decidiu abrir mão de qualquer feitiçaria extravagante e simplesmente tirou uma faca de seu cinto, cravando-a com força no pescoço do homem, desfazendo sua própria invisibilidade no processo.

    O outro mago não reagiu rápido o suficiente, chocado demais com a aparição repentina de Zorian, e recebeu um chute rápido na virilha um momento depois. Ele imediatamente caiu no chão com um lamento agudo. Depois de verificar se algum dos homens armados estava mirando nele (eles não estavam, já que estavam muito ocupados sendo pisoteados pela besta-touro que Lukav havia se transformado), Zorian alcançou a mente do mago e a explodiu com um ataque telepático grosseiro. O homem ficou inconsciente como Zorian esperava que acontecesse, fora da luta.

    Antes que Zorian pudesse decidir se deveria se envolver na luta contra os atiradores (parecia desnecessário, e ele não era tão imune a tiros como Lukav), um trio de projéteis flamejantes choveu do segundo andar e incinerou três dos atiradores que estavam tentando reunir os outros. A besta-touro soltou outro berro carregado de medo, e os sobreviventes fugiram imediatamente.

    Zorian os observou partir, pronto para erguer um escudo ao seu redor se um deles decidisse dar alguns tiros de despedida. Nenhum deles fez isso.

    A besta-touro soltou um bufo desdenhoso e chutou o chão algumas vezes antes de subitamente… dobrar-se sobre si mesma, por falta de uma palavra melhor, e se tornar um homem. Especificamente, Lukav.

    Cara, a transformação era mais útil do que ele imaginava. Embora, ele entendesse por que o Lukav estava relutante em enfrentar os atacantes sem alguém para derrotar os magos — sem mãos, o alquimista não podia conjurar nenhum feitiço defensivo por conta própria, e era muito vulnerável à magia hostil.

    Qualquer conversa foi adiada quando um homem baixo, careca e musculoso literalmente caiu do céu na frente deles. Zorian levou quase um segundo para perceber que provavelmente era Alanic Zosk e que ele tinha pulado da maldita janela do segundo andar!

    Ele não pareceu afetado pela queda, mas ainda assim!

    “Al, seu idiota, eu disse para você não fazer essa merda!” Lukav gritou. “Eu quase te atirei com uma bomba incendiária antes de perceber que era você!”

    “Você, garoto”, Alanic disse a Zorian, ignorando completamente a raiva de Lukav. “Por que você deixou aqueles homens irem? Você poderia tê-los eliminado enquanto fugiam.”

    “Eu… não achei que era certo matar oponentes em fuga?” Zorian disse, surpreso por ser colocado em uma situação dessas. “Não sei, parecia muito sanguinário atirar nas costas deles enquanto corriam.”

    Um breve silêncio se seguiu enquanto Alanic lhe dava um olhar vazio. Sua mente, embora desprotegida, era incrivelmente disciplinada e não dava a Zorian nenhuma percepção da personalidade e do humor do homem. Ele distraidamente notou que um dos olhos do homem era azul, enquanto o outro era castanho. Havia uma horrível cicatriz vertical sobre seu olho azul, que realmente parecia tê-lo destruído também quando foi feita.

    “Entendo”, ele disse finalmente. “Você é jovem.”

    “O que isso tem a ver com alguma coisa?” Zorian protestou, irritado com a atitude do homem. Eles acabaram de salvar a vida do homem, pelo amor de Deus!

    “Você não luta há muito tempo”, ele simplesmente disse. “Você é inexperiente.”

    ‘É, bem, você é um cuzão’, pensou Zorian. Mas externamente, ele apenas franziu a testa.

    Ehh, Zorian já podia ver que Alanic seria uma daquelas pessoas. Ele realmente tinha uma sorte descomunal.

    * * * 

    Alanic Zosk mostrou-se bem calmo sobre o ataque total ao seu templo por duas dúzias de mercenários armados, recusando a demanda de Lukav de que eles fossem e relatassem a coisa para a estação da Guilda mais próxima imediatamente com uma declaração desdenhosa de que era ‘cedo demais para envolvê-los’. Ele até fez com que o mago inconsciente que Zorian havia incapacitado fosse transferido para a masmorra no porão do templo (por que exatamente um templo tinha uma masmorra, Zorian se perguntou, mas teve medo de questionar), admitindo abertamente que pretendia interrogar o homem mais tarde.

    Enquanto isso, ele queria saber por que Zorian e Lukav vieram até ele. Não, ele não precisava nem de tempo para se acalmar, por que a pergunta?

    Zorian teve que admitir que admirava a compostura do homem, mesmo que ele fosse um idiota rude.

    “Interessante”, Alanic disse depois que Zorian repetiu a história que contou a Lukav. “Muito bem, vou ver o que foi feito com você. Lukav, por favor, saia da sala enquanto eu examino o senhor Kazinski aqui.”

    Assim, sem mais nem menos? Aparentemente sim. Ao contrário de Lukav, Alanic não usou nenhuma sala ritualística sofisticada, e a examinação levou apenas cinco minutos antes que o homem pronunciasse seu veredito.

    “Você tem um marcador estampado em sua alma,” Alanic disse a ele sem rodeios.

    “Um o quê?” Zorian perguntou.

    “Um marcador é uma combinação de um sinalizador e uma etiqueta de identificação. Ele permite que certos feitiços encontrem o marcador muito facilmente em grandes distâncias e identifica inequivocamente o que quer que esteja marcado pelo marcador. Eles são frequentemente usados ​​por lojistas em lojas mais sofisticadas para rastrear mercadorias roubadas, por prisões de alta segurança, por espiões para rastrear movimentos de indivíduos marcados e na construção de certas barreiras mágicas que permitem que as pessoas sejam ‘registradas’ e, assim, fiquem livres de algumas ou de todas as restrições sob as quais todos os outros visitantes precisam seguir. Entre outras coisas. Eles geralmente são colocados em itens, pois colocar marcadores permanentes em pessoas é problemático e requer tatuagens e coisas assim. O seu, porém, está estampado diretamente em sua alma.”

    Zorian permaneceu quieto, seus pensamentos borbulhando. Um marcador. Foi por isso que ele acabou preso no loop temporal junto ao Zach, não foi? O feitiço não estava ligado à alma do criador ou algo assim, já que essas coisas eram ambíguas e podiam falhar — o looper original poderia acabar com sua alma danificada ou levemente alterada, muito parecido com o que aconteceu com ele e Zach ao final, e, ainda, o feitiço poderia ter um pane e falhar em trazê-los de volta ao loop como deveria. Não, os criadores do loop, em vez disso, estamparam a alma de Zach com algo imutável e inconfundível.

    E então Red Robe e Zorian o herdaram, porque os criadores do loop eram um pouco espertos demais para seu próprio bem…

    “Removendo o marcador-“ Alanic começou, alheio ou indiferente ao óbvio estado de pensamento profundo de Zorian.

    “Eu não quero que ele seja removido!” Zorian imediatamente protestou, saindo de seus pensamentos.

    Alanic lançou-lhe um olhar pensativo.

    “Suponho que você tenha sorte então, porque acho que não conseguiria removê-lo mesmo se quisesse”, disse Alanic. “É diferente de tudo que já vi. O marcador é tecido de forma incrivelmente firme em sua alma, permeando cada canto dela. É como se um pedaço de sua alma fosse substituído por ele e depois crescido para preencher cada canto e fenda que pudesse encontrar para se enraizar o mais firmemente possível.”

    Ah inferno…

    Ele se levantou de seu assento em agitação, andando de um lado para o outro na sala. Alanic o observou impassível, silencioso e inexpressivo, até que Zorian se acalmou um pouco e se sentou novamente.

    “Preciso de mais informações”, ele disse. “E preciso de uma maneira de me proteger de coisas assim no futuro. Você pode me ajudar?”

    Alanic assentiu.

    “Mas só amanhã”, acrescentou. “Por enquanto, tenho um prisioneiro para interrogar.”

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