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    “Peço desculpas pela espera”, disse Alanic. “Temo que as confissões que consegui arrancar do prisioneiro tiveram consequências muito mais abrangentes do que eu inicialmente suspeitava.”

    “Ah? Suponho que você não possa me dizer quais são?” Zorian perguntou.

    “Receio que não. Não é algo com que você deva se preocupar”, disse Alanic, lançando-lhe um brando olhar penetrante.

    “Certo, certo, entendi”, disse Zorian, levantando as mãos em um gesto apaziguador. Na verdade, isso não importava muito porque ele já sabia o que Alanic havia descoberto. Embora o padre parecesse ter algum tipo de defesa mental natural, seu amigo Lukav não tinha. Zorian simplesmente importunou o especialista em transformação sobre o prisioneiro e leu os pensamentos do homem sempre que ele recusasse responder.

    Basicamente, o mago que Zorian incapacitou fora contratado por ninguém menos que Vazen — o homem que Gurey queria que ele roubasse (bem, espionasse) no reinício anterior. Pior, o próprio homem parecia ser apenas um subordinado, com o verdadeiro cabeça sendo alguém mais bem posicionado na hierarquia local. Alguém capaz de interferir nas investigações da polícia e da guilda.

    Isso era certamente um fragmento de informação interessante, e Zorian tinha algumas suspeitas próprias sobre Vazen agora. O homem havia concluído algum tipo de acordo com uma empresa em Cyoria, então era inteiramente possível que ele estivesse conectado aos invasores de alguma forma. Ele pretendia fazer outra visita a esses documentos de qualquer maneira, mas agora eles adquiriram uma importância totalmente nova.

    “Bom”, Alanic assentiu. “Com o que você gostaria de começar?”

    “Bem, primeiro de tudo, gostaria de saber se você poderia me ajudar a me defender contra a magia de alma no futuro”, disse Zorian.

    “Por que eu não seria capaz de ajudá-lo com isso?” perguntou Alanic curiosamente, inclinando a cabeça ligeiramente para o lado.

    “Me falaram que conjuradores sem alguma medida de percepção da alma só conseguem conjurar os tipos mais rudimentares de magia da alma”, disse Zorian. E, com base em suas tentativas de duplicar os feitiços de Kael, ele sabia que isso era em grande parte verdade — o único feitiço que ele conseguiu aprender com Kael foi aquele que o camuflava da percepção da alma de outros necromantes, e Kael alegava que aquilo era coisa para crianças.

    “Ah. Você estava conversando com um necromante, pelo que vejo”, disse Alanic.

    Zorian estremeceu. “Isso… parecia um curso de ação lógico. Eu tinha um problema com magia de alma, e ele era um mago da alma.”

    “Hmph. Necromantes”, começou Alanic, esforçando-se para enfatizar a palavra, “possuem o hábito de alvejar outros com suas magias, então, é claro, consideram a percepção da alma absolutamente essencial para sua prática. Se você só quer ocultar sua alma com algum efeito defensivo, dificilmente é necessário chegar nesse ponto.”

    Ah, é por isso que ele conseguiu conjurar o feitiço de invisibilidade da visão de alma, de Kael, mas não o resto do seu arsenal?

    “Mesmo para outras coisas, é possível usar rituais longos para contornar esse requisito. Acredito que você já tenha experimentado um exemplo de tal ritual quando Lukav tentou determinar o que há de errado com você. Não se deixe enganar pela falta de habilidade dele — Lukav não é nada mais que um amador nesse ramo da magia, e se você se dedicar à disciplina, poderá acabar sendo muito mais impressionante do que ele.”

    “Mas eu nunca vou progredir além de configurações labirínticas de rituais sem a visão da alma, não é?”, adivinhou Zorian.

    Alanic suspirou. “Sim. Mas a visão da alma é uma tentação perigosa. Ela torna a magia da alma muito fácil. Pelo bem da sua alma imortal, eu imploro que você se afaste desse caminho. Não é necessário ir tão longe só para se proteger.”

    “Entendo”, disse Zorian. “Por curiosidade, você tem percepção da alma?”

    Pela primeira vez desde que Zorian o conheceu, Alanic pareceu desconfortável. “Sim. Mas isso é… diferente.”

    ‘Claro que seria assim’, Zorian pensou. ‘Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço, apenas como sempre foi.’

    Mas ele não disse isso. Em vez disso, perguntou a Alanic o que exatamente ele estava disposto a lhe ensinar.

    “Há duas maneiras em que posso ver isso acontecendo”, disse Alanic, rapidamente recuperando a compostura. “A opção um é te ensinar como realizar uma série de rituais de proteção para frustrar magias de alma hostis. Eles são, como você disse, labirínticos — os tempos de conjuração podem chegar até 2 horas em alguns casos, e montar um ritual não é fácil. Pelo menos, eles duram muito tempo. Semanas se você os realizar corretamente. A vantagem desse caminho é que você terá um meio de se defender imediatamente — tenho quase certeza de que você conseguiria realizar os rituais iniciais como está agora. Além disso, alguns dos rituais permitirão que você afete almas além da sua, embora nenhum dos rituais que estou disposto a lhe ensinar possa ser usado em um alvo relutante.”

    “E a desvantagem é que se eu for pego desprevenido pelo inimigo, estou ferrado porque não há forma de me proteger de imediato”, concluiu Zorian.

    “Exatamente. É aí que entra a opção número dois. Com a ajuda de alguns exercícios de meditação e poções especiais, posso te ensinar como ‘sentir’ sua própria alma. Se você refinar a habilidade até o nível necessário, essa habilidade permitirá que conjure qualquer magia de alma que tenha você como seu alvo. Você será capaz de proteger e analisar sua alma com feitiços de invocação, e, talvez, possa permitir que você perceba passivamente quando alguém está mexendo com sua alma de alguma forma.”

    “Eu gosto dessa opção”, disse Zorian.

    “Imaginei que sim”, Alanic zombou. “O problema é que essa opção não é um aumento rápido de poder. Levará meses para você atingir níveis utilizáveis ​​nessa habilidade, e isso supondo que você tenha a paciência e a força de vontade necessárias para realizar os exercícios todos os dias por meses a fio.”

    “Eu tenho”, disse Zorian secamente.

    “Vamos ver. Também devo mencionar que até que você domine a habilidade de sentir sua própria alma, essa opção o deixará tão indefeso à magia da alma quanto você está agora.”

    “Sim, isso é um pouco perigoso”, Zorian admitiu. Ainda assim, a segunda opção parecia muito mais útil e funcional do que a primeira. Talvez, se ele não estivesse preso no loop temporal, ele empalideceria com a ideia de passar meses de sua vida assim, mas agora isso parecia uma pechincha. “Suponho que haja uma razão pela qual eu não posso aprender as duas ao mesmo tempo?”

    “Ambas são habilidades exigentes à sua própria maneira, e não acredito que você seja capaz de fazer malabarismos entre as duas efetivamente”, Alanic disse, seu tom não tolerando discordância.

    “Justo”, disse Zorian. Ele iria visitar o homem em reinicializações futuras de qualquer maneira, então ele poderia potencialmente escolher opções diferentes em diferentes reinícios. “Que tal isso: você me ensina o básico dos rituais da alma, as coisas que eu consigo absorver bem o suficiente em meu estado atual, e então imediatamente mudamos para o projeto de consciência pessoal da alma.”

    “Acho que consigo aceitar isso. Mas você deve saber que o básico de rituais da alma não fará muito por você”, Alanic observou.

    “Tudo bem. Estou mais interessado na opção número dois de qualquer maneira. A razão pela qual quero os princípios básicos dos rituais da alma é porque ainda quero conjurar aquele ritual de rastreamento de marcadores que você me mostrou, e modificá-lo para funcionar com a coisa anexada à minha alma provavelmente exigirá algum conhecimento prático de magia da alma.”

    “Provavelmente”, Alanic concordou.

    “Bem. Agora chegamos à questão do ‘ou faça isso, ou desista disso’ ”, Zorian suspirou, fixando um olhar fatigado em Alanic. “O que exatamente você está me pedindo em troca de tudo isso?”

    Alanic revirou os olhos. “Não seja tão dramático, garoto. No que me diz respeito, ensinar as pessoas a se defenderem contra necromantes e espíritos hostis é parte da minha vocação. Eu daria uma aula inteira para ensinar se as pessoas estivessem realmente interessadas. Infelizmente, tais perigos são considerados um problema menor após a Guerra dos Necromantes. Então, embora sim, eu pretenda te enviar em um ou dois serviços, não será nada muito penoso. Lukav me disse que você pode se teletransportar?”

    “Eu posso, sim.”

    “Excelente. Eu estava pensando em te enviar como um mensageiro de vez em quando para alguns dos meus contatos mais distantes. Nada difícil ou perigoso — apenas entregar algumas cartas e pacotes de graça.”

    Meia hora depois, Zorian conseguiu fechar algum tipo de acordo com Alanic.

    No geral, Zorian sentiu que o padre tinha sido bastante generoso em seus termos — sua principal demanda era que Zorian tivesse que mostrar dedicação, do contrário Alanic encerraria as aulas sem cerimônia e o chutaria para fora. Especificamente, ele tinha que aparecer no templo todas as noites como um relógio, e mostrar ‘diligência e entusiasmo’ pelas aulas. Certo. Ah, e tinha todo aquele negócio dele ser um mensageiro do padre ocasionalmente, o que era pouca preocupação para Zorian — ele pensava nisso mais como uma prática de teletransporte do que qualquer outra coisa.

    “Bem, então”, Alanic disse, recostando-se na cadeira. “Agora que tudo isso está feito, podemos começar com nossa primeira aula.”

    “O quê, agora?” Zorian perguntou surpreso.

    “Há algum motivo para adiar as coisas?”

    “Não, não, estou apenas surpreso. A maioria dos meus professores anteriores foram… bem, não importa. Com o que vamos começar?”

    * * *

    Nas duas semanas seguintes, Zorian continuou estudando os outros desaparecimentos enquanto frequentava as aulas de Alanic. Ele absorveu o básico dos rituais de proteção de alma em alguns dias e então passou para os exercícios de meditação necessários para a visão pessoal da alma, apenas para descobrir duas coisas. Primeiro, os exercícios de meditação eram incrivelmente, insuportavelmente entediantes. Não é de se admirar que o homem estivesse preocupado com a dedicação de Zorian, ele poderia facilmente imaginar alguém abandonando isso depois de apenas alguns dias. Mas não, Zorian era mais forte do que isso… e, além disso, ele realmente precisava dessa habilidade.

    Em segundo lugar, essas ‘poções especiais’ que Alanic mencionou? Aquelas que o padre não havia esclarecido na época — e, de fato, não explicou até que Zorian realmente bebesse uma — era que elas eram alucinógenos extremamente poderosos. Quase imediatamente após engolir uma, Zorian foi atacado por uma cacofonia de visões e cheiros estranhos e incompreensíveis, os sons se tornaram distorcidos e irreconhecíveis, e seus pensamentos degeneraram em uma bagunça caótica. Foi uma experiência profundamente desagradável, e quando Zorian finalmente voltou a si e parou de babar por todo o chão do templo (o babaca poderia pelo menos ter colocado um travesseiro embaixo dele!) ele sentiu um desejo poderoso de dar um soco no rosto de Alanic. O homem literalmente o drogou até deixá-lo indefeso e também não se arrependeu disso, alegando que sem a ajuda dessas poções todo o processo poderia levar anos. Ele teria que beber uma dessas uma vez por semana, aparentemente.

    O que, até aí, estava tudo bem, mas ainda não explicava por que o homem não o havia avisado sobre o que aconteceria quando ele bebesse aquela poção. Pessoalmente, Zorian suspeitava de schadenfreude.1 2

    Além de toda a coisa do “incidente da poção”, havia um pequeno detalhe que ele não havia considerado quando decidiu aceitar Alanic como seu mais novo tutor pessoal.

    Alanic era um padre. Os padres eram, em geral, pessoas muito religiosas. Era razoável raciocinar, então, que eles ficariam muito incomodados com pessoas que não se importam muito com sua própria religião ou que têm algumas lacunas gritantes em sua compreensão do dogma religioso. E com Zorian passando todas as noites no templo, realmente esperar era demais que Alanic não percebesse o quão… carentes… as credenciais religiosas de Zorian eram.

    A boa notícia era que Alanic não iria se livrar dele por causa disso. A má notícia era que ele assumiu a responsabilidade de corrigir essa deficiência gritante. Assim, Zorian não só tinha que sofrer com sessões de meditação chatas todas as noites, como agora elas eram intercaladas com palestras intermináveis sobre os deuses, anjos, espíritos e o lugar do homem na ordem natural.

    Que o céu o ajudesse. Ou não, supôs. Ele duvidava que os anjos pudessem ter muita compaixão por alguém em sua posição.

    “… e assim, com as evidências de que os deuses ficaram em silêncio se tornando impossíveis de ignorar, e o fato inescapável de que não haveria mais milagres, o Santo Triunvirato decidiu afrouxar as limitações da magia da alma — uma decisão que fez muito para suavizar o golpe do Silêncio, mas que teria consequências negativas de longo alcance. Mas vejo que você está começando a perder o foco, então continuaremos com isso amanhã.”

    Graças aos deuses. Zorian rapidamente desocupou o templo antes que o homem tivesse a chance de mudar de ideia.

    1. Termo alemão para designar o sentimento de prazer com a desgraça alheia[]
    2. Inclusive KKKKKK o cara só anda se ferrando e agora, forçadamente, virou um drogado… []

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