Era um lugar enorme e imensurável para as crianças. Eles nunca tinham visto nada igual, e não havia mais um resquício de neve, embora ainda fizesse frio. Nessa época do ano, a neve não caía mais por ali. Luca pulou de alegria ao ver a imensidão daquele campo de grama, seus olhos brilhando. Karl, admirado com tudo aquilo, se sentou no chão, esperando as ordens de Kael, enquanto Lótus já não estava mais por perto, correndo pelos campos e sendo seguido por Luca.

    — Não tá animado, Karl? — perguntou Kael, sentando-se ao lado dele.
    — Talvez eu esteja um pouco, mas nada demais.
    — Hum.
    — Pode descansar. Tenho certeza de que não vai aparecer nenhuma cobra gigante por aqui.

    Não eram ordens, mas essas palavras aliviaram de alguma forma o coração de Karl, que estava muito preocupado com os irmãos depois do ocorrido. A frustração de Karl era totalmente visível para Kael, que sentia como se estivesse na pele dele.

    — Aproveitando… — começou Kael, levantando-se do chão — eu vou comprar umas coisas para vocês quando chegarmos no porto! — gritou para os meninos mais distantes.
    — Valeu, pai! — respondeu Luca no mesmo tom.
    — Para você também, Karl — cochichou.

    Karl apenas sorriu enquanto olhava a alegria dos irmãos, que durou pouco assim que começaram a andar, sem parar, na direção do porto. O caminho parecia sem fim, pareciam sem rumo. Lótus suava bastante, e Luca parecia estar desnutrido. Eles andaram, andaram e andaram até chegarem a um ponto alto, que revelou a cidade.

    — Achei que não chegaríamos nunca aqui.
    — Chegamos, Lótus! — disse Luca, enquanto dava um tapa na cabeça de Lótus e corria em direção à cidade.
    — Eu vou acabar com você! — Lótus correu atrás.

    Antes de entrarem na cidade, Kael mandou todos colocarem o casaco com capuz, para que ninguém fosse notado. Ninguém sabia o porquê de Kael querer se esconder, mas aceitaram sem muitos questionamentos.

    A cidade era bem pequena e as casas eram bem juntinhas umas das outras, além de serem bem diferentes das casas da vila, pois aquelas eram de madeira, enquanto essas eram de um material mais resistente, segundo Kael. Casas com dois andares também eram bem comuns. A rua era de um tipo de pedra específico, disposta em quadrados, mas bem bonitinha. Havia também alguns postes e fios estranhos conectando-os.

    Havia diversas lojas de vários tipos, poucas lojas sobre curas, uma ou duas lojas de ferraria, armas, armaduras, mas tinha diversas lojas de roupas e ainda mais lojas de comida, de vários tipos: bolo, frutas, peixe, carnes, temperos, talvez peixe, comidas locais, algumas lojas de peixe, segundo Luca.

    Olhavam de longe, mas podiam ver uma fazenda bem grande, com diversos animais. Provavelmente era a casa mais rica dali, por ser a única casa que não vendia peixe, nem vivo nem morto. Enquanto andavam, podiam perceber o enjoo de Lótus a cada loja de peixe que passava; era como se ele nem suportasse o cheiro.

    Kael estava procurando o lugar que alugava quartos na cidade. Ele tinha dito para Karl que a localização era a Rua das Sardinhas A12. Era óbvio que as ruas teriam nome de peixe, Luca poderia apostar que o nome da rua com as pessoas mais ricas teria o nome de Carneiros.

    Então, eles pararam na frente do estabelecimento da Rua das Sardinhas, casa número A12, e entraram todos juntos, sem muita enrolação. Kael foi falar com o dono do lugar. O local era até que bonitinho, bem construído, os quartos aparentemente ficavam no segundo andar e parecia bem aconchegante. O dono era um velho branco, gordo, com o nariz gigante, quase maior que a boca, e um cabelo que quase sumia na claridade, pois era bem castanho, igual à sua sobrancelha. Ele falava embolado e rápido. Luca podia notar que faltava um dente na frente e imaginou quase imediatamente que um soco bem dado na fuça do velho talvez fosse a causa da falta.

    Os meninos começaram a prestar atenção na conversa depois de repararem até na alma do velho.

    — Então, aqui tem um quarto para quatro? — perguntou Kael educadamente.

    — Aaaah danado, pra quatro? — Ele olhou para Kael com uma cara de surpreso, mexendo naquela barba enorme que carregava consigo. — Se bem que um homão como cê…

    — E para eu e meus filhos, por favor — respondeu Kael, mostrando os filhos, que deram um sorriso de orelha a orelha antes que o velho falasse alguma coisa.

    — Ah, sim, um minu… — Sua voz saiu em um fio, quase inaudível. 

    O velho viu um menino de cabelo longo e escuro com os olhos castanhos, bem grande para a idade, um menino de cabelos curtos e escuros com os mesmos olhos, bem magrelo para a idade, e um menino de cabelo branco penteado para trás com olhos azuis, muito anormal para ser irmão deles. O velho também pensou que o homem fosse um cara com várias mulheres diferentes em casa e mulheres bem estranhas.

    Que criançada mais estranha!

    Os meninos estranharam ainda mais o velho, mas não se importaram muito. Ele demorou um pouco, analisou uma lista à qual tinha feito, viu se havia um quarto como Kael queria e puxou outro papel, amarelado e velho, parecia que estava guardado há muito tempo.

    — Aqui, cada noite vai dar 1 Rentras de Tapra e 20 Retras de Bonz — informou o velho.

    Que caro! pensou Kael.

    Reclamando do valor, Kael se virou e pegou uma bolsa pequenininha, tirou duas moedas prateadas e entregou ao velho, que, em troca, lhe deu um saco cheio. Kael conferiu o saco, tirando algumas moedas marrons metalizadas. Karl observava que ambas as moedas tinham um “R” enorme no meio, com escrituras nas bordas e uma imagem estranha atrás, a mesma que ele não conseguia ver direito, mas já tinha a sensação de já ter visto antes.

    O velho entregou duas chaves a Kael e explicou: uma era para a porta normal e a outra para um portão de ferro, por segurança. Ele subiu com os meninos e abriu o quarto. Estava limpo, impecável, branco, com quatro camas, uma em cada canto do quarto, duas janelas bem lindas, ambas ao lado da cama, nos cantos, na diagonal da porta. Tinha um banheiro e uma cozinha bem pequena. Os meninos quase choravam de tanta felicidade. O que era para ser apenas um quarto parecia quase uma casa inteira, dizia Luca, após ver.

    Karl rapidamente se sentou na cama entre as janelas e disse que aquela cama era a dele. Luca e Lótus pensaram bem antes de disputar com Karl, chegando a um acordo de cada um sentar do lado das janelas. Kael nem quis se intrometer, apenas aceitou que sentaria no canto mais escuro.

    Todos sentados nas suas respectivas camas, depois de deixarem suas coisas em cima delas, o silêncio foi quebrado por uma pergunta:

    — Pai, por que você deu duas moedas para aquele velho feio e ele te deu um monte? — questionou Luca, se sentando na borda da cama, curioso.

    — É porque as moedas funcionam assim. Elas vêm de um reino que domina essa região.

    — Aaahh, então são as mesmas moedas que a mãe dá pra Pearl para comprar pães?!

    — Isso aí. Moedas Rentras, de Bonz, de Tapra, de Rogro e de Nôvas.

    — Mas por que pai, por que você deu duas e ele te deu um saco cheio? — perguntou Luca.

    — Olha, uma moeda de Tapra vale cinquenta de Bonz. Eu dei duas de Tapra, ou seja, ele teria que me dar trinta de Bonz e foi o que ele fez.

    — Entendi, entendi.

    — Você já viu todas as moedas, pai? — perguntou Karl.

    — Não, não vi. — suspirou e continuou — Eu até sabia que vocês eram curiosos e tals, mas tanta pergunta assim vai me deixar maluco.

    — Mas é tudo tão questionável, pai. — Lótus ficou em silêncio por dois segundos — E uma moeda de Rogro vale quanto?!!

    Sistema Monetário de Aurenith.

    Rentras de Bonz: A moeda básica e de menor valor no Reino de Aurenith.

    Conversões:
    50 Rentras de Bonz = 1 Rentra de Tapra
    100 Rentras de Tapra = 1 Rentra de Rogro
    50 Rentras de Rogro = 1 Rentra de Nôvas

    Kael explicou tudo o que eles precisavam saber sobre as moedas, mas isso demorou bastante tempo, até que as perguntas cessassem de uma vez. Quando cessaram, Kael entregou a eles várias moedas de Bonz e poucas Tapra em sacolinhas igualmente aos três.

    Karl e Luca se revezaram para irem ao banheiro, até tomaram banho para tirar toda a sujeira do corpo. Foram forçados por Kael a irem antes de se deitarem, nunca haviam ficado tão sujos, fediam feito porcos.

    Enquanto isso, Lótus investigava, foi até a cozinha e girou uma coisa redonda que estava ligada a um ferro pontudo parabólico, com um buraco no meio, para a pia. Começou a sair água, molhando-o. A água que escorria entrava em um buraco que estava ligado a canos estranhos que iam para sei lá sabe onde.

    Que loucura, por que se deram o trabalho de colocar esse negócio que gira? Após isso, ele fechou girando para um lado contrário.

    Foi até o banheiro e viu pela primeira vez um negócio branco, que parecia uma cadeira pequena, que abria e tinha água dentro. Ele chegou perto e aproximou as mãos; Kael rapidamente o impediu e lhe disse para o que exatamente servia. Não era tão diferente do da vila, mas ele não tinha se ligado ainda. Kael explicou o que ele estava fazendo para Luca e Karl, e os dois começaram a zoar dele.

    Lótus também investigou o chuveiro, mas, de novo, era algo diferente do de casa.

    Após ter investigado exatamente tudo, foi deitar. Seus irmãos já estavam dormindo e Kael saiu para comprar algumas mochilas de couro.
    Quando voltou, encontrou os três dormindo.

    Kael comprou:

    • Duas mochilas (40 Rentras de Bonz cada)
    • Algumas roupas para os dois e lavou algumas que eles tinham usado (2 Rentras de Tapra no total)
    • Comprou algumas coisas para limpeza corporal (1 Rentra de Tapra)
    • Um chuveiro portátil (10 Rentras de Tapra)
    • Carne de Ovelha das Neves e acompanhamento fresco (6 Rentras de Tapra)

    Arrumou as coisas, cozinhou as ovelhas, mas não era tão bom cozinhando comidas normais sem ser criaturas estranhas. Ele preferia cozinhar coisas complexas e que seriam quase não comestíveis. Acordou os meninos, que rapidamente comeram tudo rápido e ficaram conversando até caírem no sono de novo.

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