Capítulo 12 (XII) - É só mais um velho.
Ao saírem da loja e andarem um pouco, os passos deles ressoavam sobre a madeira desgastada, acompanhados por um aroma salgado do mar. O vento soprava pelas superfícies como um sussurro, enquanto as ondas batiam suavemente contra os pilares de madeira.
Enquanto os meninos conversavam animados sobre suas novas armas, ficaram ainda mais encantados quando finalmente repararam no mar imenso à frente deles. Embora já tivessem visto lagos enormes e mergulhado em um deles, desde que chegaram, não haviam parado nem por um segundo para notar a beleza daquele vasto oceano.
Kael e Hassini aproveitavam para colocar a conversa em dia.
— Para onde vai, Hassini?
— Vou partir, viver uma vida melhor no Médio Continente, saca?
— Também Aurenith? Todo mundo tá falando desse lugar de novo. Parece que reviveu das cinzas nos últimos 18 anos.
— O rei atual de lá é bastante competente. O mercado, as moedas, as missões, os sistemas… Tudo tá favorecendo qualquer um.
— Qualquer um?
— Qualquer um. Por que não vai pra lá também? Eu adoraria ser seu vizinho. Aqui não tá mais seguro, Kael. Não é como antes, você sabe disso.
— É… você também percebeu, não percebeu?
— Claro que sim. — Hassini olhou para Kael, com o rosto sério. — Essa movimentação… não parece normal. Tem algo estranho no ar, e não é só o vento.
— Vou fazer de tudo para Mila concordar, mas é complicado sairmos.
— Entendi…
— E você vai onde?
— Eu tô indo para Dib.
— Dib? Tá com nostalgia ou quer pagar luto, sacana?
— Para, cara. Por que você é assim? Sem senso?
— Tô brincando. Eu costumo naturalizar a morte. Afinal, e o Joe?
Kael ficou em silêncio por um momento. O nome de Joe parecia pesar no ar.
— Ele se foi… — disse Kael, com um suspiro.
— Cara… Eu amava o Joe. Ele era um cavalo de respeito… — suspirou — mas é isso. Lamento muito por ele. Amanhã estou partindo. Quer uma carona?
— Claro eu adoraria…
— Ah e eu vi o Leo.
— O Leandro? Mentira que ele está vivo.
— Tô falando sério.
Hassini começou a se arrumar e a andar.
— Amanhã… amanhã a gente se encontra aqui. Vamos racionar essa conversa pra não gastar tudo de uma vez. Falou, Kael!
Ele já estava longe o suficiente para que Kael o respondesse.
Ainda era tardezinha, o sol iluminava o ambiente, e os meninos estavam felizes da vida, gabando-se de terem armas tão legais. Karl já tinha equipado sua espada larga nas costas, na horizontal, pronta para ser sacada pelo lado direito. Lótus colocou as adagas na diagonal, uma oposta à outra. Luca usava uma bainha vertical nas costas, permitindo que sacasse sua katana por cima.
— Não façam besteira com essas armas. E não usem contra ninguém que não seja inimigo, ou que não tenha intenção de ferir vocês.
Os meninos ficaram em silêncio, refletindo por um momento.
— Vamos na praça comer, que tal? — perguntou Kael, quebrando a tensão que ele mesmo havia criado.
— Bora!! — respondeu Luca animado.
— Não tenho como recusar — disse Lótus, com a barriga roncando.
A praça ficava exatamente no centro da cidade, com diversos bancos de madeira e várias vendinhas de comida espalhadas. No meio, destacava-se uma cadeira especial, diferente das outras, como uma poltrona chique que parecia ocupar um lugar de destaque.
Os meninos experimentaram várias comidas das lojas: bolos de Fquin, uma delícia azul com massa fofinha; doces de Kenta, servidos em palitos e recheados com creme caramelizado; e o mais interessante de todos, cuscuz. Era como se a farinha amarela inchasse dentro de uma panela, algo que Lótus observou com curiosidade.
Mais perto do anoitecer, a praça começou a encher de pessoas, principalmente crianças, que corriam e se juntavam em pequenos grupos. O motivo da aglomeração nem mesmo Kael sabia. Logo, o espaço ficou completamente preenchido, e um velho muito idoso, acompanhado por duas pessoas que o amparavam, chegou e sentou-se na poltrona central.
O homem parecia quase seco, careca, com a pele bastante enrugada. Apesar de aparentar cegueira, mantinha uma postura digna em sua cadeira.
Karl, Luca, Kael e Lótus estavam sentados em uma mesinha, com as cadeiras voltadas para o velho. As crianças ao redor dele cochichavam e murmuravam incessantemente, ansiosas para que ele começasse a falar.
Quando o velho finalmente falou, sua voz, arrastada e rouca, parecia vir de um lugar longe. Cada palavra parecia pesada, como se tivesse um poder:
— Hoje… vou contar… sobre o deus da determinação… que habita a todos vocês…
Os meninos inclinaram-se para frente, prestando ainda mais atenção em sua voz calma e pausada.
— Ele era alto… forte… tão forte que era capaz… de vencer quase todos os outros… deuses… como quisesse.
— Esse mesmo deus tinha um problema… ele só era reconhecido por aqueles que tinham determinação… As pessoas o buscavam… mas ele não as atendia… por orgulho.
Luca, curioso, interrompeu em voz baixa:
— Pai, existem deuses?
— Existem, acho que disso não podemos duvidar… — respondeu Kael.
— De fato, Luca — acrescentou Lótus. — As orações que fazemos no nosso aniversário são dedicadas à deusa Pan. Na letra, pode-se ouvir:
“Cum sol occumberet, et filii tui in periculo sunt, Pan gloria Pan Gloriénn”, — cantarolou Lótus.
— Mas você só sabe disso porque perguntou à mãe — provocou Karl.
— Ahhh, seu…
— Vamos continuar a ouvir — interveio Kael.
O velho prosseguiu:
— … Quando o filho dele chegou ao mundo… sua perspectiva mudou… Ele já era um ser diferente… quebrou padrões e tradições… só para que seu filho… — tossiu seco antes de continuar — vivesse. Ele se importava… muito mais com seu filho… do que com sua própria vida. Por isso… na grande guerra celestial… há três mil… e cem anos atrás… ele se sacrificou… e deu ao seu filho… todo o poder que tinha.
— Saíram vitoriosos na guerra celestial… E os três grandes homens mataram… o ser divino e restauraram… o mundo inteiro.
As crianças estavam emocionadas com a história, eufóricas para saber mais. Uma delas se levantou e perguntou de onde estava:
— Então, a próxima história será sobre os meninos, senhor?
— Será a última… e a mais longa.
O velho, com a ajuda dos assistentes, foi retirado, entrando em uma carroça que o levou embora. Enquanto ele partia, as crianças na praça começaram a se cumprimentar e a conversar animadamente. Algumas delas, no entanto, notaram Luca, Karl e Lótus, e a atenção rapidamente se voltou para os três.
Admiradas pelas armas que carregavam, as crianças os cercaram, separando-os momentaneamente de Kael. Faziam perguntas incessantes: de onde vinham, por que estavam ali e se eram fortes.
Lótus, sempre impulsivo, inventava histórias, dizendo que havia matado uma cobra gigante. Karl, por outro lado, mantinha-se quieto, mas sua enorme espada chamava muita atenção, deixando todos impressionados. Luca, com seu jeito energético, não perdeu a oportunidade de se exibir. Desafiou cinco crianças ao mesmo tempo em um quebra de braço e venceu todas. Depois, competiu para ver quem pulava mais alto, quem corria mais rápido e até quem fazia mais abdominais. Luca fez impressionantes 86 repetições sem sequer se cansar, quebrando o recorde de todos ali.
Quando Kael finalmente os chamou, eles se despediram das crianças, que ficaram visivelmente encantadas. Naturalmente, Luca saiu da praça como o grande centro das atenções, acumulando novos admiradores.
De volta para casa, o grupo começou a se preparar. Arrumaram tudo e deixaram o necessário pronto para o dia seguinte, quando partiriam do Porto de Yeni.
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