— CAPÍTULO DEZOITO —
Em coma
Aquele dia parecia muito estranho para Yuki. Tudo estava indo bem, mas ela sentia o tempo todo que algo daria errado. E, de repente, suas sensações se concretizaram: batidas fortes na porta de casa e a entrada de Nya, desesperada, gritando: “A Pearl! A Pearl! Pearl está em perigo! Ela saiu da barreira ao leste! Vamos!”
Mila saiu de casa com uma expressão tão triste e desesperada, como se já soubesse que tudo havia dado errado. Yuki não sabia como lidar com aquilo, mas, movida pela esperança de ajudar, correu atrás, sem se importar em vestir roupas de frio. Só queria ver sua irmã de volta, bem.
Todos desciam, mas Mila estava tão apressada que, em segundos, Yuki já não conseguia mais vê-la. Foi quando, após atravessar a barreira, ouviu o grito de sua mãe e viu o brilho de um arco que ela nunca havia visto antes. A transformação da flecha no ar e sua trajetória tão distante fizeram Yuki se esforçar para enxergar.
Mila desceu rapidamente e, com um gesto, lançou uma flecha que explodiu, quebrando a barreira. Em seguida, disparou várias flechas, uma em cada pilar, todas conectadas por fios dourados. Puxou todos os fios ao mesmo tempo, fazendo o lugar desmoronar.
A poeira subiu, e Yuki não conseguia ver nada. Ficou paralisada, enquanto Nya, ao seu lado, manteve as mãos apertadas e fechadas à frente do rosto, torcendo para que tudo desse certo. Quando a poeira finalmente baixou, Mila reapareceu, segurando Pearl nos braços…
Mais tarde, no mesmo dia…
Yuki estava sentada no corredor de uma casa. Suas mãos tremiam visivelmente, não pela friagem do ambiente, mas pela incerteza, enquanto Nya andava de um lado para o outro, murmurando sem parar. Estavam esperando notícias sobre Pearl. Dentro do quarto, estavam o vizinho da casa da frente, Mila e Hia.
Yuki descobriu que o vizinho da casa da frente era médico, médico de guerra, e a sua esposa era enfermeira, mas ela não estava lá, algo que ela não esperava deles. Eram tão reservados quanto qualquer outra pessoa daquele vilarejo.
Havia somente o silêncio e os murmúrios de Nya na casa, até que o som baixo de vozes, tão suaves, quebraram o calafrio no ar, rapidamente elas esgueiraram-se na tentativa de ouvir, com as orelhas na porta de madeira.
— E então, é como a ela disse, a Pearl teve, sim, problemas físicos, como os cortes gravíssimos nas pernas, cortes médios nos pés, mãos e alguns danos nas costelas, baseados na análise que a Hia me forneceu. Mas é totalmente possível de curar. Entretanto, pelo que conversamos, Senhora Mila, o acidente dela na questão de energia foi muito pior — disse o homem, com uma voz suave, mas em tom de preocupação.
— Mila, se acalma — disse Hia. — Olha, o que aconteceu com ela foi uso inadequado de energia. Isso acontece quando a pessoa esgota sua energia normal e começa a usar sua energia vital, o que causa danos à própria vida. Você sabe disso, talvez até mais do que eu. Agora, ela está em coma por falta de energia, mas isso vai se resolver com o tempo…
— O que eu podia fazer, eu já fiz. O sangue dela já está normal, ela não vai morrer.
Os soluços de Mila eram audíveis de longe. Uma mãe tão preocupada que, mesmo diante da garantia de que sua filha estava bem ou ficaria bem, não conseguia suportar vê-la naquela situação.
Yuki, após ouvir tudo isso, resolveu sair.
— Pra onde você vai, Yuki? Onde? — perguntou Nya.
— Vou para casa. Eu já estou cansada demais. Nunca escutei notícias tão boas, a minha irmã vai ficar bem, é isso que importa.
Antes que pudesse responder, Yuki bateu a porta com força, andou até em casa, abriu a porta, subiu as escadas, abriu outra porta, ligou o abajur mágico, arrumou sua cama, desligou o abajur e deitou-se.
— Minha irmã vai ficar bem… — ela começou a chorar, incapaz de se controlar, a confusão e o estresse a dominavam, e sua voz denunciava a frustração e a tristeza que a consumiam.
— Por que, sua boba?! Por que fez algo tão perigoso sozinha? — dizia, chorando a ponto de soluçar. — Você acha que eu quero te ver morrer, te ver sangrar daquele jeito? Você enlouqueceu? Como pôde fazer isso!
— Te odeio, te odeio, te odeio! Eu nunca deixaria isso acontecer com você, por quê?
Yuki continuou refletindo, resmungando, triste e cansada de tanto chorar. Adormeceu.
Dias se passaram, e nenhuma mudança. Agora, Pearl estava em casa, na cama dela, do mesmo jeito, dormindo, era um anjo para Yuki. Ela quase não saiu do quarto para fazer outras coisas. Ela só saía quando tinha que servir a Pearl para que ela se recuperasse: comida, água, trocar de roupa, de lençol, dar banho, etc.
Durante esse tempo, Yuki deixou o quarto delas impecável, se duvidasse, não haveria nem poeira no teto. Ela não deixava nenhuma visita entrar de qualquer jeito no quarto e não podia nem pensar que alguém entrou lá enquanto ela não estivesse.
Por diversas vezes, nesses dias, ela sentiu que Pearl fosse acordar, o que não acontecia, o que era mais um motivo para que ela chorasse. Ela estava sofrendo, estava cansada, não dormia direito e, quando adormecia, estava sempre no colo da irmã, por cansaço demais.
Yuki, a todo momento, acalmava sua mãe, dizendo que iria cuidar de Pearl e ficaria com ela até que acordasse. Mila visitava frequentemente a casa Lawrer, buscando remédios com Hia para remover as cicatrizes que ficaram no corpo de Pearl. Ela não queria que, quando Pearl acordasse, visse o próprio corpo cheio de cicatrizes, como estava.
Depois que tudo aconteceu, Mila cozinhava as melhores sopas, com todo tipo de vegetal local e os vegetais especiais que estavam no grande estoque sob a casa. Era um lugar sempre muito gelado, revestido por paredes especiais e com várias estruturas de madeira que mantinham todo tipo de alimento ali em perfeito estado. Talvez fosse só possível que algo daquele nível ficasse ali. Antes, apenas Kael e Pearl poderiam entrar ali, e de vez em quando, Mila entrava para explicar como fazia tal comida ou outra para Pearl.
Quando ela entrou ali depois de tudo, chorou ao ver que sempre estava tudo muito bem organizado por Pearl. Ela se dedicava até às tarefas mais simples que pudessem ser. Mila sempre amou isso em Pearl, mas talvez não tivesse demonstrado da melhor forma. Isso martelava na cabeça de Mila, até porque, por qual motivo ela iria descer? Seria para provar algo? Ela sempre se perguntava isso.
Tudo estava estranho. Yuki não estava sorrindo e brincando mais como antes. Ambas, em meio a tudo isso, acabaram se afastando. Essa preocupação abalou as duas.
A água do chuveiro caía na cabeça preocupada de Yuki. Era uma água bem quente, que relaxava sua cabeça. A água escorria pelas brechas pequenas e propositais na madeira do banheiro, e não havia nenhum registro para ligar ou desligar o chuveiro; a água parava de cair com um simples movimento de mão, com os dedos girando.
Yuki se enxugou e se arrumou, vestindo um belo casaco com pelinhos que a protegia do frio, um presente caro que Kael deu a Pearl, branco, e a ela, bege. Saiu do banheiro e viu sua mãe sentada na mesa, esperando-a para tomar uma sopa. Ela se sentou à frente da mãe.
Deu a primeira colherada…
Eu…
A segunda…
Odeio…
A terceira…
Tomar…
A quarta…
Sopa…
— Você… está bem, filha? — perguntou Mila, com o semblante triste, a voz cansada e lerda quebrando o silêncio.
— Estou. Acho que vou comprar alguns pães pra gente. Estou meio enjoada das sopas, não está dando mais.
— Tudo bem…
— Ah, eu queria falar com você.
— Pode ser quando eu voltar?
— Claro… tudo bem…
Yuki levantou da cadeira, encostou-a na mesa e largou o prato quase intacto. Andou um pouco em direção à porta, a abriu, saiu e a fechou. Suspirou. Olhou para a rua e começou a andar.
Olhou para o lado e viu que a casa dos vizinhos estava fechada, mas dava para escutar o barulho das crianças brincando lá dentro. Yuki percebeu que a esposa também estava lá e que agora eles tinham um cavalo e uma carroça.
Ela continuou a andar e percebeu que a loja estava aberta, então entrou. A loja do Senhor Luck tinha um sistema de aquecimento, fazendo com que tudo ficasse aquecido lá dentro. Yuki gostava disso. A porta era de vidro, rara, provavelmente cara, e havia luzes suaves de magia ao redor. Hia havia sido responsável por implantar tudo o que cada casa precisaria com magia: seja para água, fogo, luz, chuveiro, qualquer coisa.
— Minha querida! Como vai, bela Yuki? — perguntou o Sr. Luck.
— Vou indo, e o senhor?
— Eu vou ficar melhor depois das notícias. Diga, como está Pearl?
Ela ficou quieta, olhou para baixo, pensou um pouco enquanto sentia o cheiro agradável de pão no ambiente. Levantou o rosto e deu um sorriso.
— Ela já já acorda! Está indo muito bem! Pode acreditar.
— Minha nossa, que bom! Não terei notícia melhor!
— Vou querer essas moedas aqui de pão. — Ela entregou algumas moedas de Bonz para Luck.
Luck entregou os pães em um saco fino e pardo, feito de um material estranho, que não era tão duro nem tão macio. Era um pouco mais rígido que as folhas de papel dos livros. Tinha dobras retas nas laterais, o que fazia parecer uma caixa. Não havia uma maneira de fechá-lo, nem alça para segurar—apenas a boca dobrada sobre si mesma para mantê-lo fechado. Só podia ser segurado por baixo, sentindo o calor dos pães quentes.
Ela então carregou o saco até em casa, entrou, abrindo a porta, com o ar gelado entrando na casa. Fechou a porta e colocou o saco na mesa. Mila estava exatamente no mesmo lugar, mas sua sopa havia acabado.
— Sim, mãe? O que você queria falar comigo? — perguntou Yuki enquanto passava algo no pão após cortá-lo; era uma espécie de geleia vermelha.
— Vamos sair.
— Sair? Fazer o que lá fora?
— Vamos procurar essas armadilhas que ainda podem estar por aí…
— Ah…
— Eu não quero que passemos por isso de novo ou por algo pior quando os meninos voltarem. Ficaremos em paz. Vamos mapear os arredores. Você quer fazer isso comigo?
— E quem vai ficar cuidando da casa? De Pearl?
Não gosto da ideia de deixar a Pearl.
— Vou deixá-la na casa da Hia. Pense nisso como algo que também vai ajudar seus irmãos e a gente sempre vai voltar de noite para vê-la…
Por um instante, Yuki não disse nada, mas lembrou-se de como sua irmã tinha ficado.
— Vamos.
Mila arrumou as coisas de Pearl, pegou tudo o que ela precisava e a deixou na casa de Hia, em segurança. Se arrumaram, prepararam tudo o que era possível para se manterem vivas por ali e descerem montanha abaixo.
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