Índice de Capítulo

    São os problemas gerados pela minha decisão precipitada – pelo menos foi o que Renee pensou.

    “Você gosta disso?”

    Uma voz aguda surgiu. Era o tom mais agudo que ela já tinha ouvido em sua vida.

    Foi o tom que ela ouviu na última aula [Aplicação da Gastronomia] de um grupo de garotas sem rosto que estavam agarradas a Vera.

    Uma voz da qual ela se lembrava porque aquelas meninas parecidas com raposas se aproximavam de Vera abanando o rabo assim que a aula começava, dizendo bobagens como “você é tão legal” ou “você é tão versado em comida gourmet”.

    Talvez por ser tão irritante, Renee se culpou por escolher um assunto sem pensar muito bem.

    Ela deveria saber que aqueles que assistiram a essa aula devem ter sido criados em famílias ricas, o que explicaria seu interesse por iguarias, e não teriam problemas em se relacionar com pessoas de alto escalão devido à sua criação.

    O rosto branco de Renee mostrou um sinal de raiva.

    Vera, que estremeceu ao ver aquilo, virou-se para Renee e disse:

    “…Não sei do que você está falando.”

    “Mas você parece gostar muito?”

    “Isso não é verdade.”

    “Eu não sabia que Vera era uma pessoa tão falante.”

    Vera manteve a boca fechada.

    Ele tinha acabado de descobrir por que Renee estava com raiva.

    ‘…Eu deveria ter ficado de boca fechada.’

    Parecia que o problema era que ele respondia a todas as perguntas feitas pelas jovens durante a aula.

    Para ele, eles estavam apenas conversando sobre suas comidas favoritas, mas Renee via isso de forma diferente.

    Olhando nervosamente para Renee, Vera mordeu os lábios e disse.

    “…Não responderei a nenhuma pergunta a partir da próxima aula.”

    “Nossa, você não precisa. Você sabe o quanto eu vou me sentir culpada se você desistir do que gosta de fazer por mim, certo?”

    A boca de Renee se enrugou em um sorriso. Não, era raiva disfarçada de sorriso.

    Vera instintivamente se encolheu ao sentir a tensão e refutou.

    “Não. Seus sentimentos são mais importantes para mim do que meus próprios interesses. Então você não precisa se sentir culpada de forma alguma.”

    “Por que alguém que demonstra tanta preocupação com meus sentimentos não pode aceitá-los?”

    “…”

    Vera fechou a boca.

    Ho! Renee soltou um gemido alto.

    “Vamos ver quanto tempo você dura.”

    Depois de dizer todas essas palavras, Renee franziu os lábios e rapidamente virou a cabeça.

    Foi um ato de protesto que parecia expressar ‘Estou muito brava agora!’.

    Na verdade, era constrangedor para ela estar tão brava, mas não havia nada que ela pudesse fazer. Mesmo que sua mente entendesse isso, seu coração não a seguiu.

    Não gosto quando Vera conversa com outra mulher. Odeio vê-lo tendo conversas longas e ficando todo amigável.

    Eu simplesmente… odeio tudo isso.

    As orelhas de Renee ficaram vermelhas. Era tão infantil da parte dela, mas ela não conseguia desistir de seu desejo de manter Vera para si mesma.

    Vera pareceu preocupado quando ele olhou para Renee, que estava claramente chateada.

    Ele não sabia o que fazer quando Renee se comportava daquela maneira.

    Ele desejou que Renee nunca fizesse tal cara e que ele sempre pudesse ver seu rosto sorridente.

    Com isso em mente, Vera apertou mais a mão que ele segurava. Em um esforço para aliviar a mente de Renee, ele começou a formar palavras em sua mente.

    A força do seu aperto fez Renee estremecer.

    “…O que é?”

    Ela cuspiu as palavras como se as estivesse atirando.

    Vera virou seu corpo tenso na direção de Renee e falou.

    “Eu sempre estarei ao seu lado, Santa. É por isso…”

    Ele queria dizer algo legal, mas como ele sempre ficava sem palavras na frente de Renee, tudo o que ele conseguia dizer era uma verdade esfarrapada.

    “…Você não precisa se preocupar comigo indo para outro lugar.”

    Era uma frase que ele dizia com tanta frequência que já estava cansado dela; mas, para colocar de outra forma, era uma maneira de transmitir seus sentimentos inalterados ao longo dos anos.

    “Espero que você pare de ficar brava.”

    Renee ficou em silêncio. Ela mexeu os dedos e deslizou-o entre os dele, apertando suas mãos enquanto ia responder.

    “…Em vez de ficar ao meu lado, você deveria apenas se aproximar.”

    “…Peço desculpas.”

    “Mais uma vez com esse maldito pedido de desculpas…”

    Ela disse isso mal-humorada, mas sua raiva diminuiu um pouco.

    Vera pareceu um pouco preocupado e começou a ficar envergonhado enquanto ele a observava.

    Ele pensou consigo mesmo.

    ‘Ainda não…’

    Ainda não posso chegar perto de você.

    Como ele não tinha muita certeza dos seus próprios sentimentos, não queria magoar Renee.

    No entanto, ele não permaneceria nesse estado para sempre. Algum dia, chegaria o dia em que ele poderia responder a esses sentimentos dela.

    Vera olhou para Renee através do olhar turvo dele e pensou palavras que ele não conseguia dizer a ela.

    Foi um pedido de desculpas por fazê-la esperar e uma gratidão pelo amor incondicional que ela tinha por ele.

    ***

    Tarde da noite, no escritório de Miller.

    Henry, o assistente de professor que também não conseguiu sair do trabalho no horário hoje, suspirou enquanto limpava a mesa bagunçada.

    ‘…Eu limpei tudo há três dias, na verdade.’

    E agora está uma bagunça de novo.

    Parece que esse homem mal-humorado não tem a mínima ideia do que significa ser organizado.

    Um suspiro profundo saiu enquanto a raiva fervia dentro de mim.

    ‘Por que eu…’

    Por que ele ficou na Academia? Ele deveria ter voltado para sua cidade natal depois da formatura, trabalhado na fazenda, trabalhado na propriedade de um lorde ou ter feito qualquer outra coisa.

    Três anos atrás, o rosto de um veterano que o havia recomendado para o cargo de assistente antes da formatura surgiu em sua mente. Seu punho cerrou-se firmemente.

    “Ah, droga.”

    Eu deveria ter percebido quando ele me passou suas tarefas com um sorriso.

    Continuando a resmungar, Henry estava organizando a bagunça quando seu olhar de repente se voltou para um canto da mesa.

    No final do seu olhar estava o Grimório [Os Sussurros do Demônio dos Sonhos].

    Henry estreitou os olhos.

    ‘Parece que…’

    …Algo mudou. Acho que o sangue seco que estava na capa desbotou.

    Ele esperava que fosse apenas um equívoco causado por sua própria inquietação, mas não importava como ele encarasse, algo parecia errado.

    Ele não tocou no Grimório, e Miller também não.

    Mas por que sinto que algo mudou?

    Gole-

    Henry engoliu em seco.

    ‘D-Devo dar uma olhada?’

    Vamos nos aproximar e examiná-lo de uma vez por todas. Se eu olhar de perto e confirmar que Grimório não mudou da maneira que estou preocupado, poderei continuar limpando sem medo.

    Henry nem percebeu que estava fazendo algo que normalmente não faria.

    Tudo o que ele conseguia pensar era: ‘Tenho que verificar aquele Grimório’.

    Pisar—

    Henry avançou lentamente em direção ao Grimório. Conforme sua expressão foi ficando cada vez mais vazia, sua boca se abriu levemente.

    Ele estendeu a mão trêmula para o Grimório e a colocou sobre a capa.

    Era dura e áspera, mas também macia. A capa dava a sensação do toque da pele de uma mulher.

    Assim que tocou na capa, Henry involuntariamente pensou nisso.

    ‘…Tenho que abrir.’

    Preciso abri-lo.

    Se eu abrir o Grimório, posso falar com ‘aquela pessoa’. Com esse pensamento, Henry abriu o Grimório com uma expressão alheia.

    Depois disso,

    Whoosh!

    Uma névoa translúcida irrompeu por todo o lugar.

    ***

    Enquanto isso, no dormitório de Vera.

    Vera estava deitado na cama, tentando dormir, quando sentiu que ‘algo deve ter acontecido’ devido à mudança repentina na atmosfera ao redor. Ele se sentou abruptamente.

    Foi porque ele pensou que precisava ir direto para Renee.

    …No entanto, a visão diante de seus olhos fez tal pensamento desaparecer no ar.

    O ambiente ao redor se transformou abruptamente, e havia alguém no centro de tudo isso que fez o corpo inteiro de Vera congelar.

    Cores opacas, ar úmido, insetos zumbindo e um odor nauseante.

    A visão de uma mulher no meio de um barraco decadente que parecia à beira do colapso provocou tal reação nele.

    No momento em que viu a mulher, Vera não conseguiu pensar – ele não conseguia entender a situação, o motivo de estar naquele lugar, nem qualquer outra coisa.

    “…Então vou sair um pouco.”

    A voz o sufocou. Como se seu coração estivesse sendo cortado em pedaços. Seus olhos trêmulos e tristeza estavam todos direcionados para um lugar.

    “Eu voltarei.”

    A mulher que falava com uma voz clara e nítida… era Renee no passado.

    E esta foi a última vez que ele a viu viva.

    Era uma situação confusa.

    Vera, cujo estado lembrava o de um bicho de pelúcia, observava Renee enquanto ela saía do barraco.

    Ranger-

    A porta se abriu.

    Baque-

    A porta que a engolia fechou-se como se estivesse quebrando.

    ***

    Depois do que pareceu uma eternidade, Vera, que estava olhando fixamente para a porta fechada atrás dele, abruptamente pulou de pé. Ele então abriu a porta e saiu. E assim, ele correu.

    Ele ainda parecia tão confuso quanto sempre. Sua mente ainda estava em transe.

    Nesse estado, Vera caminhava pelas favelas que não deveriam existir no mundo atual.

    O peito de Vera batia forte, e ele lutava para respirar como se uma lâmina o tivesse atravessado. Ele correu como um louco.

    A cabeça de Vera estava ocupada apenas com um pensamento enquanto ele corria freneticamente.

    ‘Por favor, não.’

    Tudo o que ele pensava era que nunca deveria deixá-la ir.

    Agora, apenas a morte a esperava no fim da estrada que ela percorreu sozinha, onde uma sombra escura e fria pairava no ar, então ele só pensava em encontrá-la e tirá-la dali.

    Suas ações não tinham sentido algum. Ele perdeu todo o raciocínio. Ele foi movido apenas pelo instinto.

    Foi por isso que Vera não percebeu.

    O caminho que ele tomou agora era estranhamente longo.

    Que ele estava correndo pela mesma paisagem repetidamente.

    Ou que ele estava no dormitório da Academia até pouco tempo atrás.

    Vera só pensava em proteger Renee naquele momento, então todo o resto lhe escapou da mente.

    “Cough!”

    Vera tossiu de repente, cuspindo sangue também.

    Baque-!

    Vera caiu no chão.

    Vera sentiu dor no peito. Até mesmo um leve movimento fazia a dor no peito se espalhar por todo o corpo.

    Mas isso nem o incomodou.

    Então, mesmo nesse estado, ele engatinhou.

    Sangrando e ficando cada vez mais magro com o tempo.

    Vera rastejou por sua vida decadente, deixando rastros de sangue por onde passava, até que finalmente enfrentou seu desespero enraizado profundamente.

    Plop—

    Vera parou de se mover. Ele não estava mais respirando. Ele não conseguia nem mais arregalar os olhos.

    “…Renee.”

    Vera chamou seu nome.

    Ele a chamou, em direção àquele rosto terrivelmente deformado, cujos lábios se curvaram em um sorriso enquanto ela caía na poça escura.

    Não houve resposta.

    No momento em que Vera estendeu a mão para ela, respirando pesadamente.

    [— –.]

    O mundo começou a girar junto com um zumbido ensurdecedor.

    Não, seria mais correto dizer que o mundo foi rebobinado.

    O corpo de Vera rastejou para trás incontrolavelmente, enquanto Renee se afastava da linha de visão de Vera.

    Quando Renee não estava mais visível aos olhos de Vera, ela já estava de pé novamente, e sua pele melhorou.

    Mas seu corpo ainda estava se movendo para trás.

    O templo fluiu para trás junto com ele. Depois de passar pelo mesmo cenário que viu inúmeras vezes, Vera retornou ao barraco e teve seus quadris amarrados ao pano que seria apropriado chamar de trapo.

    Só então Vera recuperou o controle de seu corpo.

    Foi o momento em que Vera finalmente questionou o que estava acontecendo.

    ‘…Não.’

    Então ele percebeu que não era a realidade.

    Baque-

    A porta se abriu no momento em que ele percebeu.

    Ela voltou, com os cabelos grisalhos sujos.

    Ranger-

    A porta se fechou.

    “Eu voltarei.”

    Ela disse.

    Ranger-

    A porta se abriu novamente.

    O rosto de Vera estava cheio de choque.

    ‘Tenho que agarrá-la.’

    Ele pensou isso enquanto estendia as mãos.

    Baque-

    Seu corpo não se moveu. Enquanto isso, Renee já havia deixado o barraco, caminhando direto para a morte.

    Enquanto Vera olhava para a porta com seus olhos trêmulos, ele percebeu novamente.

    ‘Ah…’

    Que ele estava vivendo um pesadelo terrível agora.

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