Índice de Capítulo

    O corpo do Felroz jazia inerte, exalando um cheiro pútrido que se misturava ao ar gelado, mas Juno não parecia notar. Seus passos apressados a levaram até Marcus, que estava recostado contra a base de uma antiga estátua. O rosto dele estava pálido, e a respiração, irregular.

    — Está ferido? Precisa de ajuda? — A voz dela soou urgente, os olhos varrendo o rosto e o peito dele, onde os golpes haviam atingido. — Tem alguma coisa que eu possa fazer?

    Marcus ergueu a mão, afastando-a com um gesto brusco.

    — Se afastar seria bom — murmurou ele, endireitando-se contra a estátua. Respirou fundo, a mão pressionada contra o peito, como se estivesse tentando conter algo dentro de si.

    Por um momento, apenas o som de sua respiração e do vento se fez ouvir. Então, uma voz cortou o silêncio, fria e analítica:

    — Não houve ferimentos graves ou internos. — A figura holográfica de Veronica materializou-se ao lado dele, a luz azulada projetando sombras inquietantes na neve. Seus olhos brilhavam com uma luz inumana, fixos em Marcus. — Você pode se levantar depois de um breve período de descanso.

    Ele ergueu os olhos para a IA, sem demonstrar medo ou surpresa, apenas uma indiferença cansada.

    — E por que eu deveria te ouvir? — rebateu ele, o tom seco.

    Veronica inclinou a cabeça, como se estivesse calculando a resposta mais eficiente.

    — Porque sou mais inteligente, mais forte e, francamente, melhor do que você nesse corpo frágil feito de carne e sangue.

    A resposta afiada arrancou uma risada breve e amarga de Marcus.

    — Só que você não está aqui fisicamente, está? — Ele levantou o rosto para encará-la diretamente, os olhos semicerrados. — Não me dê opiniões que eu não pedi. Confiar em você foi uma escolha da Juno, não minha.

    Ele começou a se levantar, os braços tremendo sob o esforço, mas a determinação era inabalável.

    — Guarde essas suas merdas pra você, e eu guardo as minhas pra mim. Entendeu?

    Juno olhou para Veronica, esperando uma resposta mordaz, uma réplica cheia de sarcasmo ou desprezo. Mas, pela primeira vez, a IA recuou. O brilho em seus olhos diminuiu, e sua forma se desfez em silêncio, deixando apenas o vazio no lugar.

    Foi a primeira vez que Juno viu Veronica recuar sem dizer nada.

    — Pegue o que sobrou da Pedra Lunar — ordenou Marcus, sua voz carregada de exaustão. — E vamos voltar.

    Ela obedeceu, caminhando até o corpo retorcido do Felroz. O cheiro era insuportável, uma mistura de mofo e carne apodrecida, e o sangue que se espalhava pelo chão tinha uma consistência grotesca, quase como lama de esgoto. Juno sentiu o estômago revirar, mas não hesitou. Usando o pé, afastou a carne e encontrou a Pedra Lunar, enterrada profundamente nos músculos da criatura.

    Ao pegar o objeto, um calor percorreu seu corpo. Era como se a pedra estivesse viva, pulsando com Energia Cósmica. A dormência que antes afetava suas mãos desapareceu quase que instantaneamente. Ela abriu e fechou os dedos, surpresa com a força renovada que sentia.

    Os olhos de Juno se fixaram na pedra dourada. Pequenos fragmentos se soltavam dela, brilhando como estrelas caindo de um céu dourado. Sem pensar, ela separou um desses fragmentos e o colocou discretamente no bolso. O poder que emanava do fragmento era intoxicante, e por um instante, ela se perguntou se aquilo era o que Dante havia sentido ao tocar a pedra pela primeira vez.

    — Juno! — chamou Marcus à distância, sua voz cortando seus pensamentos. — O que foi?

    Ela fechou a mão em torno da pedra maior, escondendo sua expressão.

    — Nada. — Caminhou de volta até ele, entregando o objeto.

    Marcus tirou um pequeno mecanismo metálico do casaco, um dispositivo projetado para conter o poder da pedra. Ele a selou cuidadosamente, o brilho dourado desaparecendo sob a superfície metálica.

    — Dante disse que essas coisas são perigosas em contato direto com a gente — avisou Marcus, os olhos cravados nos dela, sérios e intransigentes. — Caso você encontre outro Felroz desse tipo, não tente fazer nada sozinha.

    Juno desviou o olhar, a lembrança da batalha ainda vívida em sua mente. O preço que pagara por sua impulsividade era claro, mas a teimosia ainda estava lá, enterrada sob a exaustão.

    — Eu entendi muito bem — respondeu ela, sua voz mais baixa. — Não vou fazer isso de novo.

    Marcus continuou a encará-la, como se tentasse decifrar se havia verdade em suas palavras. Por fim, ele balançou a cabeça, satisfeito ou resignado, era difícil dizer.

    — Espero que não. — Ele se virou, começando a caminhar na direção do abrigo. — Vamos para casa.

    Juno olhou para o céu, onde a tempestade parecia finalmente começar a ceder. Mas dentro dela, outra tempestade começava a se formar. Ela ajustou a postura e seguiu Marcus, os passos lentos e firmes, enquanto a neve apagava os rastros do que havia acontecido ali.


    Marcus tinha um braço por cima dos ombros de Juno, carregado por apenas cinco minutos depois de ter sido arrastado pelo ar com as correntes. Quando girou a maçaneta e empurrou a porta, deu de cara com Dante vindo em sua direção, a expressão endurecida, mas era Clara quem falava, sua voz cortante.

    — Eu disse que não era o certo a se fazer, e você fez mesmo assim! — disparou ela, os olhos faiscando enquanto apontava para ele.

    Dante parou no meio do caminho e virou-se para encará-la, a mandíbula cerrada.

    — Por que você acha que tudo deve ser feito do seu jeito? — rebateu ele, a voz grave e tão alta quanto a dela. — Eu não estou procurando problemas lá fora. Estou tentando mantê-los lá, longe daqui.

    Clara deu um passo à frente, a respiração pesada, como se cada palavra fosse um esforço.

    — E o que você faz, exatamente? Fica lá em cima, esperando um problema aparecer para poder se jogar no meio dele, enquanto tem gente aqui dentro fazendo o impossível para manter isso funcionando. — Ela fez um gesto amplo, indicando o abrigo ao redor. — Eu quero dar o melhor para essas pessoas, não só afastar um perigo que talvez nem exista.

    Dante cruzou os braços, o olhar implacável.

    — Resolver os problemas antes que eles cheguem até você é o que eu faço. Não está satisfeita com o meu trabalho porque não fico aqui dentro organizando suprimentos?

    Ao redor deles, um público se formava. Marcus e Juno pararam no canto, e outros rostos começaram a aparecer nas escadas e corredores: Degol, Meliah, Jix, Cerberus, Arsena, Magrot, Duna e, pelo menos, mais vinte moradores. Todos assistiam, os olhos indo de Clara para Dante, como espectadores de um duelo verbal.

    — O seu trabalho coloca todos em perigo! — Clara disparou de volta, sua voz carregada de emoção. — Não só porque você arrisca sua vida, mas porque precisamos proteger aqueles que estão aqui antes de sair procurando problemas. É assim que sobrevivemos. É assim que eu quero que isso funcione.

    O tom de Dante diminuiu, mas a presença dele ainda era esmagadora. Mesmo em silêncio, ele parecia dominar o espaço, uma força impossível de ignorar.

    — Se quer tanto fazer sua casa prosperar — começou ele, cada palavra carregada de peso —, por que não escuta alguém que sabe o que está fazendo?

    Clara não hesitou. A resposta dela veio como um golpe brutal, uma lâmina certeira que cortou o ar entre eles.

    — Se você soubesse o que está fazendo, não teria parado aqui, não é?

    A sala inteira pareceu congelar. Marcus fechou a cara, desviando o olhar, e puxou Juno para trás, como se quisesse protegê-la daquela tensão. Era uma resposta impensada, mas suas palavras atingiram Dante com força. Ele ficou imóvel por um momento, os olhos fixos em Clara. Para muitos ali, Dante era um pilar, uma força que mantinha o abrigo de pé. E Clara acabara de atingi-lo onde mais doía.

    — Se você soubesse o que está fazendo, Clara… — A voz de Dante saiu mais baixa, mas ainda assim afiada. — Não precisaria de mim para colocar o abrigo nos eixos.

    Ele deu um passo para trás, depois outro, os olhos varrendo a multidão que assistia em silêncio.

    — Quer ser a pessoa que comanda este lugar? Ótimo. — Ele abriu os braços, o tom carregado de sarcasmo e frustração. — Eu te dei o pessoal. Lutei suas batalhas. Fiz as pessoas se sentirem seguras aqui dentro. Mas, se eu realmente não sei o que estou fazendo… — Ele inclinou a cabeça, o olhar agora gelado. — Por que eu deveria estar aqui para começo de conversa?

    Ele passou pela porta, dando um olhar que Marcus sabia que era tristeza e dúvidas. Quando observou Clara parada no mesmo lugar, reconheceu a mesma expressão em seu rosto. Os dois tinham ditos coisas demais em um curto espaço de tempo.

    Marcus entrou, quebrando o clima de todos eles, por mancar e estar sendo arrastado. Assim que passou por Clara, ele parou.

    — Ficar parada ai não vai adiantar nada. E você sabe disso.

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