Capítulo 201: Limpando o Metrô (II)
— Essa é a chance – disse Jix em seu ouvido, a voz cortante como uma lâmina afiada. – Leonardo e Heian estão começando a diminuir o ritmo. Troque com eles. Precisa visualizar o campo como um todo.
Dante correu para frente, seu casaco ondulando ao vento, saltando entre as garras de três a quatro Felroz. Com um soco no ar, rasgou um disparo invisível que os lançou para trás como folhas ao vento. Eles tombaram, as três criaturas, e outras mais emergiam da escuridão do metrô, exalando um cheiro pútrido e quente de carne em decomposição.
— Os dois, comigo. – Dante avançou, forçando os Felroz de volta para a entrada. Leonardo saltou sobre um carro destruído, sua lâmina brilhando ao luar, cortando a cabeça de um deles em dois com a precisão de um mestre. Heian, em contraste, sequer precisou se mover; ergueu um braço, e um dos monstros congelou instantaneamente, os olhos mortos presos no terror do último momento.
Essa é a vanguarda mais forte que tenho, pensou Dante, absorvendo a cena. Juno e Arsena eram ágeis, ferozes como lobas, mas Leonardo e Heian traziam uma destruição impiedosa. Em silêncio, sem trocarem um olhar sequer, desmantelavam seus inimigos como ceifadores em um campo de trigo seco.
A lâmina de Leonardo riscou o solo, e ele ergueu a cabeça, sua expressão impenetrável. O sangue negro sujava-lhe parte das vestes, e seus olhos se moviam velozes, captando tudo. Saltou novamente, deslizando sobre o gelo, passando por baixo de uma fera que tentava atacá-lo, decepando suas patas dianteiras num único golpe. O monstro caiu com um baque surdo, e o corte final veio antes mesmo que percebesse a própria derrota.
— O que vamos fazer agora? – perguntou ele, sua voz tão firme quanto a lâmina que empunhava. – Se continuarem a vir, teremos de forçá-los para dentro da entrada. Qual é o plano?
Dante ergueu a cabeça, os olhos avaliando o caos. Os raios de Juno cortavam a escuridão, atingindo articulações e nervos, paralisando os Felroz por tempo suficiente para que Arsena os dilacerasse sem piedade. Algo, no entanto, parecia diferente. Juno não atacava como antes, suas ações eram mais contidas, mais calculadas.
— Ela mudou depois que lutou contra um dos mutantes – murmurou Jix, observando o mesmo que Dante. – Parece que Marcus e ela tiveram uma conversa.
— Soube disso, mas por que parece tão… enjaulada?
— Pelo que me disse, quer aprender a lutar de maneira apropriada.
Dante estreitou os olhos. Marcus nunca fora um homem de contenção. Ele acreditava que a luta contra os Felroz não permitia amarras. No Reservatório, ele testemunhara horrores que moldavam suas convicções. Poupar inimigos não fazia parte de sua doutrina.
— Precisamos tomar cuidado com Veronica – disse Dante, sua voz carregada de preocupação. – Não quero que ela interfira no treinamento da garota. Se ela se segurar numa luta, pode acabar sendo dominada pela quantidade.
— Deixe comigo.
O pensamento foi deixado de lado quando Dante agarrou uma das criaturas pelo pescoço, puxando-a para baixo e esmagando-a contra o concreto. O estalo seco ecoou pelo ambiente, e, com um giro, ele lançou o cadáver contra a entrada do metrô, derrubando os inimigos como pinos em um jogo mortal.
A ordem foi dada sem palavras, apenas um aceno de Dante, e Heian avançou. Seu caminhar era tão lento quanto implacável, cada passo ressoando com um estalo gélido no concreto quebrado. O gelo serpenteava pelo chão como dedos invisíveis, tocando as patas deformadas dos Felroz e os congelando instantaneamente. Um a um, tombavam com estalos secos, suas formas grotescas partindo-se como vidro sob a lâmina impiedosa do frio. Os gritos ecoaram pela noite, misturando-se ao vento cortante, um lamento fúnebre entre as ruínas da cidade devastada.
A indiferença de Heian era quase mais aterrorizante que sua habilidade. Se houvesse alguém na Capital que possuísse tamanho controle sobre a destruição, certamente teria sido elevado à posição de Oficial. Dante ponderou isso enquanto caminhava em passos curtos, mantendo os olhos atentos às sombras do metrô.
— Consegue forçar uma queimada para dentro do túnel? — perguntou, a voz baixa, porém firme.
— Sim. — Heian ergueu um único dedo, e o vento obedeceu. O turbilhão soprou como um chicote invisível, empurrando os Felroz para trás. O concreto estalou ao se erguer subitamente, estilhaços disparando como projéteis que atingiram o peito de uma das criaturas, arremessando-a para dentro da escuridão.
Dante observou enquanto Heian continuava sua marcha impassível até a entrada do túnel. As criaturas se empilhavam umas sobre as outras, desesperadas, suas garras arranhando os corpos mutilados na tentativa de fugir.
— Quer ajuda para lidar com isso? — Dante inquiriu, os olhos estreitados.
— Está tudo bem. — A Energia Cósmica de Heian fluiu ao redor de seu corpo, como uma segunda pele. Seu semblante permanecia inalterado. — Contanto que me dê a ordem, posso fazer isso sozinho.
Dante sorriu de canto.
— Pode queimar.
O brilho escarlate surgiu primeiro na ponta de seus dedos, depois se expandiu, furioso. Uma tempestade de fogo desceu sobre o túnel, engolindo-o como um monstro faminto. As sombras se contorceram, gritos agonizantes ecoaram, e a escuridão foi iluminada pelo inferno. O Lagmorato — o ninho de Felroz — tornou-se cinzas em instantes.
Leonardo aproximou-se, o olhar atento varrendo o cenário.
— Eles estão lidando com os Felroz sem precisar de apoio — murmurou. Seus olhos então encontraram Magrot, que segurava uma das criaturas e a queimava a queima-roupa como se esmagasse um inseto. — Mas aquele ali parece estar descontando a raiva. O que há com ele?
— Como você mesmo disse, ele tem raiva. — Dante cruzou os braços.
Magrot nunca fora de recuar, mas desde que chegara, havia sido mantido longe da linha de frente. Segundo Duna, carregava algo mais do que frustração: arrependimento.
— Ter confiado na pessoa errada o deixou assim — Jix interveio, os olhos fixos na dança das chamas. — Ele e Arsena foram discípulos de um homem chamado Havok. Esse sujeito desapareceu e os deixou para morrer ao lado de Duna.
Leonardo franziu o cenho.
— Isso é nojento.
— De acordo com Duna, Magrot se jogou de cabeça nas missões de Havok. A cada retorno, uma nova parte do corpo dele era substituída por metal. — Jix não olhava para Magrot. Observava apenas as labaredas devorando os restos dos Felroz. — O homem que voltou não era mais aquele que partiu.
Leonardo crispou os lábios, a mão apertando o cabo da espada.
— Dá para entender por que ele está puto com a vida. Só de ouvir, já me deu raiva.
Heian soltou um riso seco, mas não acrescentou nada. Dante também se manteve calado. Havia cicatrizes que nem tempo nem vingança poderiam curar. E entre Heian e Leonardo, existia uma lacuna, um abismo que nenhum dos dois parecia disposto a cruzar. Não cabia a ele pedir que se entendessem. Algumas batalhas precisavam ser resolvidas sem interferência.
— Use o vento para alimentar as chamas — sugeriu Leonardo, apontando a espada para a entrada do metrô. — Ainda há movimento lá dentro. Você acha que isso é um Lagmorato?
Dante não respondeu de imediato. Os gritos haviam diminuído, mas não cessado.
As Energias Cósmicas se misturaram. O fogo ganhou corpo, sua intensidade dobrando, e as labaredas que desciam pelo túnel explodiram, consumindo tudo em uma fúria ainda mais intensa.
— Lagmorato ou não, duvido que algo sobreviva depois disso. — Heian fechou a mão, e o vermelho das chamas foi tomado por um azul feroz. O calor tornou-se tão intenso que Leonardo e Dante recuaram instintivamente. O ar vibrou, e por um instante, tudo foi silêncio.
Apenas Cerberus permaneceu imóvel, seus olhos impassíveis fitando a luz espectral das chamas, como se julgasse os mortos sem proferir uma única palavra.
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