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    Leonardo mergulhou o braço na água escura, tateando o interior do buraco onde Heian havia deixado o escoamento. Os dedos tocaram a estrutura metálica da tubulação, fria e lisa, sentindo o fluxo suave da corrente. Ele ergueu a cabeça, piscando para ajustar os olhos à luz que vinha de cima e acenou para Duna, que observava do alto.

    — Tudo certo. Pode ativar.

    Duna, com um sorriso torto, riu baixinho antes de abaixar a pequena alavanca ao seu lado. O estalo seco ressoou pelas tubulações, seguido por um ruído metálico que reverberou pelo encanamento, descendo até Leonardo. Dante, parado um pouco atrás, franziu o cenho ao ouvir o som ecoar dentro do buraco, acompanhando atentamente a reação do espadachim.

    Mas Leonardo permaneceu imóvel. Apenas observou, impassível, enquanto a estrutura se mantinha intacta.

    — Beleza. — Ele agarrou a corda ao seu lado, e Dante firmou os pés para puxá-lo de volta à superfície. A água escorreu de suas roupas quando subiu, pingando no chão de pedra desgastado. — Sem perdas. A água está sendo transmitida corretamente. Agora já pode ser usada nas casas.

    Duna resmungou algo e cruzou os braços.

    — Dois dias… — O velho balançou a cabeça com um olhar de puro deboche. — Vocês podiam ter me perguntado isso há dois dias! O sistema já estava esquematizado faz meses, talvez anos! Mas não, quiseram resolver sozinhos. Eu faço projetos, não vocês!

    Sem esperar resposta, virou-se e caminhou em passos pesados, ainda murmurando para si mesmo.

    Leonardo suspirou, passando as mãos nos ombros molhados para se livrar da água.

    — Ele é meio excêntrico, mas tem boas ideias.

    Dante concordou com um breve aceno. Ele havia notado como Duna parecia mais envolvido com os projetos, fazendo alguns por conta própria, mas sem perder o controle. Ele sempre avisava Clara antes de formalizar qualquer coisa, e quando terminava, voltava com os papéis para validar os detalhes.

    — Homens como ele são difíceis de achar.

    — Eu conheci alguns.

    Dante arqueou a sobrancelha, pegando Leonardo de surpresa.

    — Em GreamHachi?

    — Também. — Leonardo fez um gesto discreto para que Dante o acompanhasse pelo pátio, seus passos firmes ecoando pelo chão de pedra. — Vi homens ainda mais excêntricos do que Duna tentando ir além… e sendo barrados antes de conseguirem. Acredite, nem sempre as pessoas aceitam novas ideias com facilidade.

    Dante refletiu sobre isso.

    — Ideias só são perigosas quando são barradas.

    Era uma frase de Render, e Leonardo a reconheceu de imediato. Ele soltou um riso breve, sem humor.

    — O problema é que o poder, quando diluído em muitos, enfraquece o centro.

    Enquanto falava, seus olhos não deixavam o pátio à frente. O espaço era preenchido pelo burburinho baixo das conversas, misturado ao som de pratos sendo raspados por talheres improvisados. Homens e mulheres se aglomeravam nas mesas, compartilhando refeições simples, a sombra das dificuldades ainda presente em cada rosto.

    Leonardo parou. Dante fez o mesmo.

    — Sabe por que as pessoas gostam tanto de você, Dante?

    Dante abriu um sorriso enviesado.

    — Por que eu sou bonito?

    Leonardo riu, balançando a cabeça.

    — Porque você é diferente. Não é como os que nasceram aqui. Clara me contou como você veio parar em Kappz. — Seus olhos brilharam de leve enquanto falava. — Você caiu do céu, como uma estrela cadente, e bateu na cidade. Depois disso… tudo mudou.

    O vento soprou de leve entre os dois.

    Leonardo inspirou fundo antes de concluir:

    — Um homem pode mudar o mundo da mesma forma que o mundo muda um homem.

    O mundo pode continuar mudando, sempre. — Dante disse, observando o movimento no pátio. — Mas é o que fazemos que define essa mudança… até nas menores escolhas. Nos detalhes mais insignificantes.

    Ele viu um pequeno grupo sentado em um canto mais afastado, trocando palavras em sussurros. Mais adiante, um trio ria baixinho, compartilhando um pedaço de pão. Havia menos tensão no ar. As pessoas começavam a acreditar que esse mundo ainda podia oferecer algo além de medo e sobrevivência.

    Um toque firme em seu ombro o tirou do devaneio. Quando virou o rosto, viu Leonardo com um sorriso honesto, algo raro de se ver nele.

    — É por isso que as pessoas gostam de você. — Leonardo afirmou. — Você ainda acredita no amanhã. E, por isso, elas querem te seguir. Você tem mostrado que até mesmo as criaturas mais estranhas podem ser aliadas.

    Seus olhos brilharam por um instante, carregando uma nostalgia difícil de definir.

    — Um homem que faz o impossível parecer possível é um homem forte.

    Dante soltou um riso breve e bateu de leve no ombro do outro.

    — Somos todos fortes.

    Por um momento, apenas o som do pátio preenchia o silêncio entre eles. Depois, Dante ergueu o olhar, convicto:

    — E vai melhorar. Vamos fazer Cuba se erguer. E depois disso, vamos além. Precisamos fortalecer nossa relação com o que está lá fora.

    Leonardo estreitou os olhos, confuso.

    — Está falando de tentar conversar com os vilarejos e as cidades vizinhas? Quer dizer que vamos até eles?

    Dante soltou uma risada baixa e negou com a cabeça.

    — Irmos até lá? — Ele ergueu as sobrancelhas, um brilho de confiança surgindo em seu olhar. — Nós somos a cidade de Kappz. Eles virão até nós.

    A resposta fez Leonardo arquear a sobrancelha, intrigado.

    — Sua confiança sempre me deixa curioso. Mas… como acha que isso vai acontecer?

    Dante então sorriu de canto, e sem dizer nada, apontou para cima.

    Leonardo seguiu o movimento, seu olhar se erguendo para o céu. A cidade ainda estava longe de ser o que já fora um dia, mas havia algo diferente ali. Um avanço que ninguém mais possuía.

    Dante quebrou o silêncio:

    — Temos algo que ninguém mais tem: comunicação.

    O som de estática rompeu o ar, vindo do bolso de Dante. O ruído era irregular, oscilando entre chiados fracos e a tentativa de uma voz que logo se fortaleceu.

    — Está me ouvindo, velhote? — A voz de Marcus veio firme, mas havia um leve traço de frustração. — Estou no ponto que o Rupestre indicou, onde o Felroz deveria estar. Mas não encontrei nada.

    Dante já puxava o pequeno dispositivo do bolso antes mesmo de responder. O Cubo brilhava com sua luz azulada, pulsando levemente ao toque de seus dedos.

    — Use o Cubo. Eles sentem a frequência.

    — Positivo.

    A comunicação foi cortada logo depois, deixando apenas o ruído breve de interferência antes do silêncio.

    Leonardo observava tudo sem desviar o olhar, mas Dante percebeu que ele deslocava o peso do corpo, trocando a perna de apoio — um pequeno detalhe que denunciava sua inquietação. Não era surpresa. Ele conhecia bem a preocupação das pessoas lá fora.

    Os Felroz que ingeriram fragmentos das Pedras Lunares haviam se tornado algo muito mais difícil de prever e combater. Mas Dante confiava naqueles ao seu redor. Confiava que Marcus e os outros saberiam lidar com qualquer situação.

    Aguardou um instante, apenas para garantir que o Cubo não chiaria de novo, e então ergueu os olhos para Leonardo, que ainda parecia refletir sobre a situação.

    Dante sorriu de canto e apontou com a cabeça para a mesa mais próxima.

    — Vamos almoçar?

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