Capítulo 38 - Retorno a Cyoria (1/3)
Capítulo 038
Retorno a Cyoria
As experiências anteriores de Zorian viajando de trem para Cyoria ao lado de Kirielle não foram muito encorajadoras. Ela sempre começava animada e curiosa, olhando atentamente para a paisagem que passava e comentando sobre qualquer coisa que chamasse seu interesse, mas isso não durava muito. Simplesmente não havia muito o que ver na rota para Cyoria, então ela rapidamente se cansava de olhar pela janela do compartimento e se voltava para a única outra fonte de entretenimento que lhe restava — ele. E ele teve dificuldade em entretê-la durante toda a viagem.
Isso foi quando ele não estava disposto a usar suas crescentes habilidades de modelagem para fazer mágica no trem, no entanto. Desta vez, ele decidiu que simplesmente não se importava com o risco de ser descoberto. Ele não conseguiu encontrar nenhuma barreira de detecção no compartimento em que estavam, e mesmo que o pegassem em flagrante de alguma forma, provavelmente apenas o puniriam com uma pequena multa e um sermão. Isso seria irritante, mas melhor do que ouvir Kirielle choramingar sobre estar entediada por várias horas. E mais, dessa forma ele conseguia praticar sua conjuração enquanto era inibido por uma barreira de pertubação de modelagem — algo que ele já estava planejando tentar.
Foi assim que Zorian se viu levitando uma esfera de água na sua frente, um anel de canetas e borrachas orbitando ao redor dela em um anel difuso e em lenta rotação. Foi difícil, apesar da aparente trivialidade de tudo. Não era apenas ele fazendo uma pilha de feitiços iniciantes fáceis para obter um efeito legal — ele estava performando um ato de magia não estruturada, tratando a coisa toda como um exercício de modelagem muito complicado. Entre a complexidade da estrutura flutuante e a barreira de pertubação prejudicando suas habilidades de modelagem, ele estava realmente lutando para manter o controle sobre a esfera e seus satélites. Ele tinha quase certeza de que esse era seu limite absoluto em termos de habilidades de modelagem de mana, então ele provavelmente deveria-
“Faça um sapo!” Kirielle desafiou.
Zorian lançou um olhar irritado para Kirielle. Ela sorriu para ele, confiante de que havia vencido o joguinho deles. Que ela finalmente havia encontrado seu limite. Afinal, ele não se dispôs deliberadamente a criar aquela coisa complexa flutuando diante dele — tudo começou como uma esfera muito menor com apenas duas canetas circulando ao redor dela, e Zorian tinha a intenção total de que continuasse assim até Kirielle começar a desafiá-lo a torná-la mais difícil. Depois que ele esvaziou todo o conteúdo de sua garrafa de água e usou todas as canetas e borrachas que ambos tinham em suas posses, ele tinha certeza de que ela teria que admitir sua vitória…
Ele quebrou o contato visual com ela e se concentrou na construção flutuante na sua frente. Tentar moldar a água flutuante em algo diferente da esfera que era agora seria insanamente difícil. Controlar a água telecineticamente era muito, muito mais difícil do que fazer o mesmo com objetos sólidos, e ele teria dificuldade em esculpi-la em formas complexas, mesmo se estivesse fora de uma barreira de pertubação e não tivesse um anel de pequenos objetos para servir como uma distração adicional.
Mas ele seria amaldiçoado se simplesmente se rendesse e admitisse a derrota para sua irmãzinha só por causa disso. Nos quinze minutos seguintes, ele lentamente moldou a bolha de água em uma escultura de um sapo, tão detalhada e convincente quanto conseguiu… em outras palavras, não muito. Ele teve um surto de inspiração no meio do caminho, no entanto, e decidiu retratar o monstro sapo do qual ele salvou os Guardiões da Caverna Amarela no reinício anterior, em vez de um normal. Infelizmente, Kirielle não pensou muito de seus esforços.
“Esse é um sapo bem estranho”, ela declarou.
“É um sapo diabo da caverna amarela”, disse Zorian, inventando coisas descaradamente. Ele não tinha ideia de como aquele monstro era chamado, ou se ele sequer tinha um nome oficial para começar. “São criaturas enormes e brutais, com uma propensão a devorar garotinhas.”
“Isso é estúpido. Você está apenas inventando coisas”, ela acusou. “Apenas admita que você perdeu.”
“Bah, você pediu um sapo e eu fiz um. Não é minha culpa que você não tenha conhecimento suficiente sobre o mundo diverso e fascinante dos anfíbios mágicos. Deixe-me guardar isso e então eu te conto sobre Sumrak, o mago, e a história de como ele salvou uma sociedade secreta de magos de um dos sapos diabos mencionados anteriormente…”
Antes que Kirielle pudesse reclamar muito, Zorian rapidamente começou a desmantelar a estrutura à sua frente antes que seu controle rapidamente degradado se desfizesse completamente, deixando as canetas e borrachas pousarem no assento vazio ao seu lado e despejando a água de volta em sua garrafa. Feito isso, ele começou um relato um tanto modificado de sua batalha contra o monstro sapo.
Bem, ok, bastante modificado. Na história de Zorian, os Guardiões da Caverna Amarela eram um grupo de magos humanos reclusos que viviam no extremo norte, praticando ‘magia das aranhas’, e o aventureiro Sumrak confrontou o monstro sapo de frente com seu incrível poder mágico em vez de recorrer a armadilhas e subterfúgios. Isso tornou a história mais impressionante dessa forma. Kirielle parecia cética em relação à história no início, mas quando Zorian começou a usar ilusões detalhadas para demonstrar os eventos de que falava, sua desconfiança desapareceu e ela prestou atenção completa à história.
Zorian não sabia se ficava entretido ou indignado que ela estivesse tão fascinada pelas ilusões. Elas eram… bem, não eram tão fáceis, mas também não tinham nada de especial. A bola flutuante de água e os materiais escolares que ele havia controlado antes, a pedido dela, exigiram muito mais habilidade e esforço para serem criados. Ele ficou tentado a atribuir isso à ignorância dela sobre o que uma verdadeira demonstração de maestria mágica parecia, mas ele suspeitava que mesmo que ela soubesse como julgar a dificuldade corretamente, ela provavelmente não se importaria. Ele havia notado durante reinícios anteriores que ela amava o ilusionismo mais do quaisquer outras disciplinas mágicas que ele havia lhe mostrado. Talvez isso tenha atraído o artista interior dela?
O locutor do trem declarou que eles estavam chegando a Korsa, forçando Zorian a interromper a história pouco antes de Sumrak conseguir abrir caminho através das inúmeras crias do sapo diabo e confrontar o monstro na morada cavernosa para onde ele havia fugido covardemente quando perdeu sua última luta contra o mago aventureiro…
… e é claro que Kirielle não aceitou isso. Ela estava bem em esperar enquanto as pessoas entravam no trem e olhavam para os compartimentos para encontrar um assento, mas com todos agora acomodados e o trem se movendo novamente, ela exigiu que ele continuasse a história. O problema era que Ibery tinha decidido se juntar a eles no compartimento nesse meio-tempo, e Zorian se sentia um pouco apreensivo sobre mostrar suas habilidades na frente dela. Uma apreensão com a qual Kirielle não compartilhava nem um pouco.
“Você não pode parar agora, não quando a história está tão perto do fim”, ela reclamou.
“Bem, contanto que eu me abstenha de usar meus, err, recursos visuais…” tentou Zorian.
“Nããão!” Kirielle implorou. “Essa foi a melhor parte da história!”
Zorian lançou um olhar significativo para Ibery, esperando que Kirielle entendesse a mensagem. Ela entendeu, mais ou menos, embora não tenha reagido à informação da maneira que ele esperava.
“Ah, qual é, a moça legal não vai dedurar você por fazer mágica no trem”, Kirielle declarou em voz alta. Ela então se virou para a assustada Ibery e lançou a ela o olhar mais pidão de cachorrinho que conseguiu reunir. “Você não faria isso, faria?”
“Umm…” Ibery murmurou, remexendo-se desconfortavelmente em seu assento. “O quê? Eu pensei que o trem tinha contramedidas para impedir a conjuração de feitiços?”
“Tem?” perguntou Kirielle, surpresa.
“Tem”, confirmou Zorian. Não adianta bancar o idiota agora. “Elas apenas perturbam a conjuração de feitiços, não a tornam impossível. Você pode contornar isso se for bom o suficiente.”
“E… você é tão bom assim?” Ibery perguntou incerta.
Zorian deu de ombros, sem oferecer outra resposta. Para a alegria de Kirielle, ele então começou a terminar a história que estava contando, incluindo belas ilusões. Ele percebeu que Ibery havia deixado seu livro de lado para ouvir também.
Ela também tentou discretamente conjurar alguns feitiços simples quando pensou que ela pensou que ele não estava olhando, e então franziu a testa quando ela falhou em superar a barreira de pertubação mágica. Ela provavelmente estava apenas curiosa sobre o nível de habilidade necessário para superar a barreira. Ele pensou em escanear seus pensamentos superficiais para descobrir o que ela estava pensando, mas decidiu não fazer isso depois de pensar um pouco. O risco de ser pego em flagrante era mínimo, já que Mente Em Chamas o havia ensinado a testar furtivamente a presença de defesas mentais, mas adquirir o hábito de invadir casualmente as mentes de todos ao seu redor lhe pareceu uma má ideia. Ele deixou Ibery com seu experimento e voltou a se concentrar em Kirielle e na história que estava contando.
Assim que terminou a história, Ibery imediatamente começou uma conversa com os dois. Ela admitiu que não se importava muito com a história em si, especialmente porque só pegou o final dela, mas ficou muito impressionada com sua capacidade de superar as barreiras do trem. Especialmente depois que soube que ele estava apenas começando seu terceiro ano na academia.
Eventualmente eles chegaram em Cyoria, no entanto, e seguiram caminhos separados. Antes de se despedirem, no entanto, Ibery nervosamente disse a ele para passar na biblioteca em algum momento na próxima semana para discutir… algo. Bem, tanto faz — ele pretendia invadir a biblioteca para mais feitiços neste reinício de qualquer maneira, ele poderia muito bem ver o que ela queria dele enquanto estivesse lá.
“Eu acho que ela gosta de você”, Kirielle disse quando eles estavam sozinhos.
“Nah, ela está perdidamente apaixonada por Fortov”, disse Zorian.
“O quê?” Kirielle perguntou, perplexa. “Ela e Fortov? De jeito nenhum!”
“Bem, eu não disse que eles estão juntos“, esclareceu Zorian. “Apenas que ela tem uma queda por ele.”
“Como você sabe disso?” Kirielle perguntou desconfiada.
“Segredos mágicos ancestrais?” tentou Zorian. Kirielle lançou-lhe um olhar inexpressivo. “Tudo bem, tudo bem… Eu te conto mais tarde, quando chegarmos ao nosso novo alojamento. Não é algo que devemos discutir abertamente.”
Mesmo enquanto conversava com sua irmãzinha, Zorian prestava atenção ao que seu sentido mental estava lhe dizendo enquanto eles se moviam pela multidão. Mesmo que estivesse sendo alvo de alguém protegido da detecção mental, a ausência de uma mente em alguém seria um grande sinal de alerta por si só. No entanto, ele não detectou nenhuma intenção hostil direcionada a nenhum deles, e nenhuma das pessoas suspeitas que encontrou era invisível ao seu sentido mental. Depois de dez minutos, ele deu um suspiro de alívio — seus medos de cair em uma armadilha enquanto carregava sua irmãzinha pareciam infundados.
Hmm, ele sabia que choveria mais tarde, mas ele poderia se proteger da chuva facilmente… talvez um pequeno passeio turístico pela cidade para saciar um pouco a curiosidade de Kirielle?
“Ei”, disse Zorian, atraindo a atenção de Kirielle. “Você quer visitar a praça principal da cidade? Eles têm uma fonte bem bonita lá que eu gosto de observar às vezes…”
Ela disse que sim, é claro. Ele nem precisava ter perguntado.
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