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    Heian Cerberus. Kalish não havia percebido antes, mas agora estava claro. Aquele homem era o carrasco de Kappz, uma figura envolta em mistério e temor. A Hidrelétrica que mantinha a cidade de GreamHachi funcionando — até certo ponto — era dominada por ele. Um fantasma que decretava a vida e a morte de quem se aproximava do local. Um enigma até mesmo para a Zona Cega, que o mantinha no centro de uma lenda: Heian era considerado impenetrável.

    Muitos dos mais habilidosos lutadores da Zona Cega sonhavam em enfrentar Heian, mas Kalish nunca esperaria que o homem vivesse sob o teto da Cuba, usando sua habilidade não para destruir, mas para construir.

    E que habilidade.

    Kalish observou, impressionado, enquanto Heian conjurava a criação de algo produzido em perfeito estado, sem se importar se havia algo ou não no lugar. Um espaço vazio, que antes era apenas um canto abandonado, transformou-se em um quarto completo após um dia de trabalho. Paredes sólidas, um teto robusto, até mesmo detalhes como janelas e uma porta funcional. Tudo surgiu como se fosse magia, mas Kalish sabia que era pura maestria da Energia Cósmica.

    Heian, o homem das lendas, encarou Kalish de lado, apontando para o quarto recém-criado.
    — Esse é o de vocês. Aproveitem a estadia.

    No dia anterior, Kalish havia dormido no quarto de Dante, já que não havia mais espaços disponíveis. Agora, porém, era como testemunhar a própria criação ganhando forma diante de seus olhos. E não era só Kalish que sentia uma pontada de curiosidade; seus homens também estavam maravilhados.

    — Ele é perigoso, senhor — sussurrou Fred, ainda encarando o quarto que havia sido montado em poucos minutos. — A Energia Cósmica dele nem sequer ondulou. Ele tem controle absoluto do que faz.

    — Não só controle… — Kalish moveu os olhos um pouco para a esquerda, onde Dante estava sentado em um dos barris, observando-os com um olhar tranquilo, mas penetrante. — Ele tem o apoio do Demônio de Kappz.

    Heian saiu em passos curtos, dirigindo-se a outro canto da Cuba, puxando a manga do casaco como se estivesse se preparando para iniciar outra construção. Um homem com essa capacidade poderia ser endeusado em qualquer parte da cidade. Na Zona Cega, ele seria um dos mais ricos e influentes, cercado de luxo e adoração. Mas ali, na Cuba, ele estava apenas construindo, como se fosse realmente seu trabalho.

    A Cuba era um lugar pequeno demais para algumas das pessoas que ali habitavam. E, paradoxalmente, era justamente isso que a tornava tão grande. O poder daquelas pessoas, unido ao otimismo de buscar uma melhoria constante, era o que fazia a Cuba ser tão especial.

    — Não quero ter que admitir — murmurou Kalish, mais para si mesmo do que para os outros —, mas tenho medo do que esse lugar vai se tornar.

    Ele entrou no quarto que Heian havia criado, deixando seus subordinados para trás. O silêncio do espaço recém-construído era quase palpável, e Kalish sentiu o peso daquela realidade sobre seus ombros. A Cuba não era apenas um refúgio; era um projeto ambicioso, uma semente que prometia crescer e mudar tudo ao seu redor.

    Kalish afundou-se no colchão improvisado e deixou que o cansaço o envolvesse. O corpo inteiro pedia por descanso, e as duas horas de sono foram suficientes para aliviar a tensão acumulada. Quando despertou, sentiu-se renovado. Nenhuma dor nas costas, nenhuma sensação de exaustão o acompanhava. Inspirou profundamente antes de se levantar, os músculos respondendo sem resistência.

    Ao puxar a porta e sair do aposento, encontrou Fred e Jodrick parados diante do pátio, os braços cruzados, a postura rígida. Seus olhares estavam fixos em algo à frente, uma cena que os deixava imersos o suficiente para esquecerem sua vigília. No centro do pátio, pequenas luzes recém-instaladas espalhavam reflexos peculiares sobre o solo limpo. As pessoas, antes dispersas, agora se sentavam ao redor, afastadas do centro, onde o espaço havia sido transformado em um verdadeiro campo de treino.

    Kalish se aproximou, pousando uma das mãos sobre o ombro de Jodrick.

    — Parece que estão bem focados aqui, em vez de protegerem a porta do quarto.

    Os dois recuaram no mesmo instante, abaixando a cabeça.

    — Desculpe, senhor — respondeu Jodrick, sem hesitar. — Foi um erro nosso.

    Kalish abanou a mão, dispensando qualquer justificativa. Seu olhar pousou no pátio, e a cena à sua frente logo o capturou. Dante segurava uma espada, o fio da lâmina refletindo as luzes acima. Diante dele, Leonardo mantinha sua arma apontada, imóvel como um predador antes do bote. Seus corpos pareciam congelados no tempo, mas havia algo na tensão de seus braços que sugeria um embate iminente.

    E então, como um disparo, eles se encontraram. O choque das lâminas iluminou o ambiente com um festim de faíscas. Leonardo avançou sem hesitação, a espada tornando-se um turbilhão de golpes. Ele criava espaço, usava o terreno com precisão, saltava para diferentes ângulos, estocava como se manejasse uma lança. Seu domínio da espada não era apenas habilidoso, era absoluto. Cada golpe desferido parecia uma extensão natural de seu corpo, a lâmina respondendo a seus movimentos com uma fluidez impressionante.

    Mas, ironicamente, nenhum golpe encontrava seu alvo.

    Dante movia-se com precisão cirúrgica. Seus pés contornavam os ataques, desviando-se com pequenos ajustes de postura. Ele inclinava o tronco, abaixava-se no instante certo, sem perder Leonardo de vista. O ritmo frenético não parecia incomodá-lo. Seu gingado, quase dançante, frustrava os avanços do adversário.

    — O Comandante não atacou desde que começaram — murmurou Jodrick, sem tirar os olhos do combate. — Eles estão em um nível acima de qualquer coisa que já vi, senhor.

    — A espada dos dois é mais rápida do que consigo acompanhar — acrescentou Fred, impressionado.

    Dante esperou o momento certo. Quando as lâminas se encontraram novamente, ele aplicou força para cima, desestabilizando a postura de Leonardo. O Mestre Espadachim recuou um passo, mas girou o pulso habilmente, transferindo a espada para a outra mão. Antes que alguém pudesse piscar, ele contra-atacou, sua lâmina cortando o ar em um golpe certeiro.

    Era rápido demais.

    Kalish reprimiu um murmúrio de espanto. A diferença de força tornou-se evidente quando Dante, com um único avanço, empurrou Leonardo para trás. Os pés do espadachim deslizaram pelo chão por, pelo menos, cinco metros antes de conseguir se estabilizar.

    Nenhum dos dois atacou de imediato.

    — Foi um bom treino — disse Leonardo, enfim abaixando sua arma. Ele a brandiu para o lado antes de guardá-la. — Creio que ninguém vai reparar se você for como espadachim.

    A sobrancelha de Kalish se ergueu. Eles estavam treinando para a Zona Cega.

    Dante observou sua espada, passando os dedos pelo fio do metal.

    — Ainda não gosto tanto de espadas — admitiu. — Sempre fui melhor com lanças. Heian, consegue fazer uma pra mim?

    Marcus, o atirador, foi quem se aproximou.

    — Deixa eu ver o que posso fazer.

    Ele pegou a espada, deslizando a mão pelo cabo e depois pela lâmina. Então, com um gesto quase casual, pressionou a palma nos dois pontos e, com um simples giro dos dedos, retorceu o metal como se fosse barro. O ferro e a madeira se moldaram sob seu toque, alongando-se, assumindo uma nova forma. Em questão de segundos, a arma havia se transformado em uma lança.

    Kalish piscou, incrédulo. O atirador tinha a capacidade de moldar objetos dessa forma?

    — Eu detesto esse lugar — murmurou Jodrick, a voz carregada de frustração. — É como ver… que não sou nada.

    — Tenho o mesmo sentimento — Fred respirou fundo. — Esse lugar é estranho, senhor.

    Mais do que estranho. Kalish sabia que estava diante de algo valioso, um verdadeiro celeiro de talentos. Mas nada disso importava tanto quanto sua verdadeira missão.

    A joia mais preciosa daquela mina de diamantes estava prestes a retornar com ele para a Zona Cega.

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