Índice de Capítulo

    Dante abriu os olhos lentamente, piscando algumas vezes para se acostumar com a penumbra do quarto. O teto, sem o brilho de uma lamparina acesa ou a claridade da janela aberta, parecia mais escuro, mas havia uma estranha serenidade naquela escuridão. Ele respirou fundo e fechou os olhos novamente, absorvendo o silêncio ao seu redor.

    Seu braço, esticado para o lado, foi levemente puxado, e ele virou o rosto. Clara Silver estava ali, deitada sobre o travesseiro, segurando delicadamente seu pulso. Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios ao vê-la tão próxima. Sem hesitar, deslizou para mais perto, envolvendo-a em um abraço quente e protetor. Sentiu o calor de seu corpo contra o dele, e o conforto que isso trazia era inigualável.

    Ela soltou um murmúrio baixo, mas em vez de afastá-lo, apertou ainda mais suas mãos ao redor da dele, puxando-o para mais perto. Dante fechou os olhos, permitindo-se afundar novamente no sono, sem sonhos, sem devaneios, apenas o descanso profundo que o envolveu por completo.

    Quando despertou outra vez, encontrou Clara ainda deitada ao seu lado, mas agora segurava um pequeno livro acima da cabeça, os olhos percorrendo as linhas com atenção.

    — Dormiu bastante hoje — disse ela sem desviar o olhar das páginas. — Estava tão cansado assim depois da última noite?

    E que noite. Aconteceram tantas coisas que ele sequer saberia por onde começar. Um sorriso brincou em seus lábios.

    — Não estou cansado — respondeu, rolando ligeiramente para o lado. — Apenas queria ficar mais tempo na cama.

    Clara concordou em silêncio, virando a página do livro. Seus olhos continuavam fixos nas palavras, mas Dante conhecia bem aquele olhar. Pensativa. Questionadora. Sempre procurando alternativas, sempre preocupada. Era o jeito dela, o que a tornava única.

    — Sabe o que dizem sobre quem não fala o que pensa? — perguntou ele, afastando-se um pouco para observá-la melhor.

    — Deve ser um ditado bem ruim da sua terra, aposto — retrucou ela, sem desviar os olhos das páginas.

    Dante soltou uma risada baixa.

    — Bom, ele é ruim só pra quem passa por isso.

    Clara finalmente abaixou o livro e o encarou. Nos olhos dela, além da beleza cativante, havia a preocupação de sempre, aquela que nunca a abandonava.

    — Não quero que fique longe da gente. Precisamos de você aqui.

    Dante segurou sua mão com firmeza, entrelaçando os dedos aos dela.

    — Mas você precisa das sementes, dos projetos. — Ele acariciou levemente sua pele, tentando tranquilizá-la. — Eu vou, mas volto. E farei isso mais rápido do que imagina. Nada lá me assusta mais do que ficar longe daqui.

    A outra mão de Clara deslizou pelo livro, deixando-o de lado, antes de tocar suavemente o rosto de Dante. Ela se inclinou para frente, os olhos se fechando devagar, e seus lábios encontraram os dele. O toque começou calmo, um roçar delicado de lábios, mas rapidamente se intensificou, tornando-se um beijo mais profundo,


    Dante surgiu no pátio ao lado de Clara, vestindo seu casaco vermelho. Abotoou-o até a metade, ajustando a gola com cuidado, protegendo-se do frio que começava a se instalar. Clara, sem perder tempo, acelerou o passo e seguiu em direção a Simone e Gerhman, deixando-o para trás. O pátio estava movimentado: alguns moradores organizavam caixas, empilhando-as com precisão, enquanto outros se sentavam em pequenos grupos, compartilhando conversas e refeições modestas.

    Atraído por um cheiro peculiar, Dante caminhou até a carroça de Silas. Os potes de vidro alinhados sobre a madeira envelhecida chamaram sua atenção. Um deles continha um pó amarelado de aroma adocicado, enquanto outros exalavam um odor mais forte, quase podre. Curioso, pegou um dos frascos menores e removeu a tampa, levando-o ao nariz para sentir o cheiro mais de perto. Sem pensar muito, tocou o dedo na substância e se preparou para levá-lo à boca.

    — Melhor não fazer isso — advertiu uma voz atrás dele.

    Dante parou no mesmo instante, a boca entreaberta. Virou-se devagar e encontrou Kalish, que o observava com um meio sorriso divertido. Sem jeito, fechou o frasco e limpou discretamente o dedo na roupa.

    — Eu não ia fazer nada — respondeu, tentando soar convincente.

    Kalish cruzou os braços, inclinando a cabeça levemente.

    — Certo, certo. Vamos fingir que sim.

    Dante bufou de leve e devolveu o pote à carroça. Kalish se aproximou, recostando-se na lateral do veículo e observando os arredores com um olhar atento.

    — Esse lugar é incrível. Passei apenas uma semana aqui, mas vocês realmente transformaram isso em um armazém de respeito. Eu daria tudo para ter mãos tão habilidosas e mentes tão engenhosas como as deles na Zona Cega.

    Era verdade. Heian havia iniciado a fortificação de uma sala reservada, e Marcus e Clerk ajudaram a remodelar as prateleiras, criando um espaço adequado para armazenar alimentos e remédios. Mas não era só isso. Heian e Clerk também estavam reformando parte do terceiro andar. Quando terminassem essa etapa, poderiam começar a expandir ainda mais suas melhorias.

    Dante sabia que muito disso vinha da parceria entre Heian e Marcus. Desde que Marcus perdera seu rifle, parecia mais disposto a interagir e assumir novas responsabilidades. Os dois passavam mais tempo debatendo ideias entre si do que com o restante do grupo, e isso fortalecia o desenvolvimento da Cuba.

    Os sentinelas agora estavam sob a liderança de Juno e Arsena, e Dante se surpreendera com a eficiência delas. Rápidas, estratégicas, ambas mostravam habilidade para interceptar problemas e neutralizar Felroz solitários antes que se tornassem ameaças. Além disso, contavam com o apoio de Rupestre, que monitorava os túneis subterrâneos da cidade, garantindo uma segurança quase invisível, mas essencial.

    Dante podia partir para a Zona Cega porque tinha todos eles ao seu lado. Eles eram sua proteção, a fundação da Cuba. Confiava neles.

    — Vamos partir em duas horas — avisou Kalish, observando-o com seriedade. — Está pronto para encarar um lugar novo? Vai ser mais puxado do que viver aqui. A Zona Cega não é tão estática quanto a Cuba. E, olha, eu adoraria ter esse clima de família que vocês criaram.

    Dante soltou um riso baixo, ajeitando o casaco nos ombros.

    — Sou acostumado com os dois jeitos — respondeu. A Capital sempre fora agitada, enquanto Kappz parecia parada no tempo. — Vou me despedir deles e te encontro.

    Kalish assentiu, afastando-se com um último olhar.

    — Estarei te esperando.

    Dante passou cerca de uma hora conversando com Leonardo, Gerhman, Juno e Arsena. O tempo escorria rápido, mas cada despedida parecia estender-se em pequenos gestos e palavras carregadas de significado. Ele encontrou Magrot e Duna mais afastados, trabalhando na ala de pesquisa, cujas paredes improvisadas mal continham a bagunça de ferramentas espalhadas e esquemas rabiscados. Eles mexiam em um protótipo de arma de fogo, e Dante se aproximou, trocando algumas palavras antes de se despedir.

    Continuou sua caminhada pelos corredores familiares, até avistar Heian parado diante de um espaço em branco, concentrado em uma conversa silenciosa com Ceci, sua IA. Dante se aproximou sem fazer barulho e, ao perceber sua presença, Heian lhe ofereceu um olhar de cumplicidade. Dante apertou sua mão com firmeza, um sorriso discreto no canto dos lábios, e seguiu adiante.

    Procurou por Jix e o encontrou ajudando Clerk a entreter algumas crianças, suas risadas preenchendo o ambiente. Em outro canto, Simone dobrava uma pilha interminável de roupas em um dos quartos maiores. Dante trocou algumas palavras com ambos, acenando com pesar ao se despedir.

    Quando finalmente saiu da ala, foi surpreendido pela presença de Clara e Marcus, que pareciam já esperar por ele. Dessa vez, ele realmente parou.

    — Odiamos despedidas — disse Marcus, cruzando os braços. — É pior quando é alguém que gostamos e admiramos.

    — E detestamos quando essa pessoa fica fora por muito tempo — completou Clara. A expressão de preocupação que ela carregava desde a manhã ainda não tinha se dissipado. — Você disse que voltaria. Então prometa.

    Dante respirou fundo e ergueu o dedo mindinho para eles.

    — Eu prometo, pela minha vida.

    Clara não hesitou. Seu dedo se enroscou no dele, apertando-o com força. Marcus, por outro lado, permaneceu imóvel, olhando de relance para o gesto antes de resmungar:

    — Não vou fazer isso. Isso é estranho.

    Dante soltou uma risada e estendeu a outra mão para ele, em um cumprimento mais tradicional.

    — Vou voltar. E vou trazer as sementes e comida. Vai ser rápido.

    Antes que pudesse reagir, Clara se lançou em um abraço apertado, os braços envolvendo seu pescoço. Dante a segurou com força, fechando os olhos por um instante. A sensação era familiar. No vilarejo, ele fizera a mesma promessa. Mas dessa vez, seria diferente.

    Ele a apertou mais ainda, absorvendo o calor do momento, a urgência daquele pedido silencioso.

    — Volta pra mim, entendeu? — murmurou Clara, a voz baixa e carregada de emoção. — Volta pra casa sem se machucar.


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