Capítulo 1 - O Começo do Caos
Os primeiros raios de sol infiltravam-se pelas amplas janelas da mansão Fae, derramando uma luz dourada que parecia dançar pelas paredes iluminando runas quase apagadas nas molduras dos quadros — vestígios de magia caótica deixados pelo antigo dono da mansão, um arquiteto de sonhos proscrito. A luz dançava sobre tapeçarias que retratavam batalhas navais, onde criaturas de pesadelo se misturavam a nobres de Spades. A arquitetura, uma combinação de opulência refinada e impecável, era o reflexo da personalidade da marquesa Andréa Fae: prática, eficiente e com um gosto indiscutivelmente caro. Até o silêncio parecia disciplinado naquele ambiente.
No escritório principal, Andréa ocupava sua cadeira ornamentada com a mesma autoridade com que comandava seus exércitos. Os cabelos escuros estavam presos em um coque elegante, enquanto suas asas de borboleta, translúcidas e com reflexos de arco-íris, moviam-se levemente com cada gesto. Usava um traje azul-escuro impecável, com detalhes dourados que reforçavam sua postura imponente. Os olhos carmesim deslizavam rapidamente pelas linhas dos papéis, enquanto a pena em sua mão voava de uma assinatura para outra.
— Um país de piratas precisa de ordem, não de sonhos rebeldes — murmurou para si mesma, franzindo o cenho enquanto assinava outro documento.
O silêncio foi abruptamente quebrado por um estrondo vindo do corredor. A porta do salão escancarou-se, e Nixoria entrou como uma tempestade, seus cabelos negros trançados balançando atrás dela, quase alcançando o chão. Seu rosto, delicado e jovem, estava iluminado por um sorriso travesso, e os olhos turquesa brilhavam com uma energia contagiante. As orelhas de gato moviam-se inquietas, assim como a cauda longa e fina que parecia um ponteiro de relógio, oscilando com a empolgação.
— Bom dia, tia Andréa! — exclamou Nix, saltando para o centro do salão como se fosse um palco. Logo atrás, Morfeus apareceu, sua presença preenchendo o ambiente. Ele era um homem alto e imponente, negro retinto, com olhos azuis salpicados de estrelas que pareciam conter o próprio céu. Vestia sua habitual armadura negra, adornada com runas em forma de constelações, e a cauda felina balançava lentamente atrás dele, contrastando com a energia de sua filha.
— Nix, quantas vezes eu já disse para não correr pela casa? — ralhou Andréa, levantando o olhar dos papéis com um ar exasperado. — E você, Morfeus, não acha que deveria controlar sua filha?
— Controlar essa tempestade? — respondeu Morfeus, rindo baixo. — Nem em meus melhores dias.
— Eu estou entediada! Já li todos os livros da biblioteca, e não tenho aula pelos próximos 2 meses! — justificou-se Nix, os olhos brilhando de excitação. — Mas talvez se você me devolvesse o meu rifle…
— Não e você sabe exatamente o porquê — Andréa largou a pena sobre a mesa, massageando as têmporas. — já está na hora de pensar no futuro, Nix, não em… brinquedos perigosos.
Nix bufou, cruzando os braços.
— Já disse que não quero me casar!
Andréa abriu uma pasta repleta de fichas de pretendentes.
— Você pode não querer agora, mas é importante para nossa família. Olhe essas opções.
Morfeus pegou a pasta e começou a folhear, os olhos estreitando ao ver a primeira ficha, um homem com orelha de raposa e olhos âmbar, cabelos vermelho fogo e um terno verde.
— Lafaiete Saphire? Conselheiro mais jovem do reino? Ele tem 25 anos, Andréa. Dez anos mais velho que Nix. Isso é absurdo.
— Ele é sobrinho do rei e um gênio em estratégia. É um bom partido — respondeu Andréa, indiferente à objeção do irmão.
— Também é o líder da guilda dos assassinos. — retrucou o mais novo. — Não.
Andréa suspirou e pegou outra ficha, dessa vez um homem com assas de corvo, pele retinta e lembrava muito as fotos de Morfeus mais jovem, trajava uma armadura pesada com a insígnia do reino.
— Solon, o segundo príncipe, está liderando as tropas desde o início da guerra contra hearts, ótimo em combate, recebeu o título de matador de dragões. Ele tem 20 anos e…
— Boa ideia! — interrompeu Nix, balançando a cabeça. — vamos nos casar no campo de batalha e talvez morrer como heróis de guerra! Nem pensar.
— Vocês são impossíveis — murmurou Andréa, antes de puxar a próxima ficha. — Muito bem, que tal Zadkiel, o príncipe herdeiro? Ele tem 15 anos, como você. E, devo admitir, é bastante promissor.
Nix inclinou a cabeça, o garoto na foto possuía um semblante abatido, a pele num tom desbotado como se não visse sol a séculos, olhos âmbar, característico da família real, sem brilho e os longos cabelos azuis mal cuidados, muito diferente dos anteriores que exalavam uma nobreza que Nix detestava.
— Ele parece… interessante.
Andréa arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.
— Interessante? Conheci-o uma vez. Ele é mais decorativo do que útil. Eu, como marquesa, tenho mais influência que ele dentro do castelo. Mas, se você se casar com ele, poderia ter o reino em suas mãos.
Nix fez uma careta de desdém, empurrando a ficha de volta.
— Ter o reino? E pra quê? Não quero ser rainha e não precisamos de mais poder político.
Antes que Andréa pudesse retrucar, Zander entrou no salão, carregando um dispositivo metálico semelhante a um relógio. Vestia roupas práticas em tons de azul, que destacavam seus cabelos escuros e os olhos de um vermelho profundo como os da mãe. Ele tinha um sorriso tranquilo, mas o brilho em seus olhos indicava que algo o intrigava.
— Por que não segue o conselho da tia Panacéia e vira pirata? É uma tradição da família, afinal. — Zander colocou o objeto estranho sobre a mesa, voltando-se para sua mãe. — O pedido do templo está aqui.
— Parece suspeito. — Morfeus aproximou-se, os olhos estrelados estreitando-se enquanto examinava o dispositivo.
— Suspeito ou não, o templo pediu. — Andréa empurrou um documento na direção de Zander. — Eles alegam que é para fins religiosos, mas quero que descubra o que realmente pretendem fazer com isso, filho.
Morfeus ergueu o objeto, analisando-o com atenção.
— O material é raro e caro, cheio de runas de invocação e purificação complexas, se elas colidirem pode explodir. Algo assim não combina com um templo, com a torre mágica? Talvez, mas o templo …. Zander ignorou o comentário e virou-se para Nix, que ainda fazia caretas olhando as fichas de pretendentes.
— Então, pirata? Ou vai continuar reclamando de casamento?
Nix estreitou os olhos, irritada.
— Que preguiça.
Zander deu de ombros, um sorriso provocador no rosto.
— Que pena. Estava ansioso para uma aventura com minha prima favorita.
Nix revirou os olhos, mas antes que pudesse responder, voltou-se para o dispositivo.
— Posso ir com você, Zander? Para o templo. Quero aproveitar para ver minha irmã!
— Absolutamente não. Essa missão é séria, Nix. Não é um passeio. — vociferou Andréa.
Morfeus interveio, cruzando os braços.
— Deixe-a ir, irmã. Ela tem o direito de ver a Fallon. E, além disso, Zander está indo. Vai ficar tudo bem. Andréa estreitou os olhos, visivelmente contrariada, mas acabou cedendo.
— Muito bem, mas ouça com atenção, Nix. Quero que você obedeça Zander. Nada de impulsividade.
— Claro, tia. Vou ser um exemplo de comportamento. — respondeu antes de sair correndo da sala.
— Vou aproveitar e sair também, até mais tarde mãe, tio. — Zander avisou e saiu fechando a porta atrás de si.
— Você sente, não sente? — Andréa perguntou, a voz baixa e séria. — Algo está para acontecer.
— Sempre acontece, Andréa. Especialmente quando o caos está envolvido.
A manhã estava clara em Karnor, a Cidade do Ferro. As ruas eram pavimentadas com pedras cinzentas e ladeadas por edifícios industriais que exalavam o cheiro de metal e óleo. O céu, ainda marcado por uma fina camada de fumaça das forjas, abria-se em tons azulados conforme o sol subia. Apesar do ambiente robusto, a mansão Fae destacava-se como um oásis de elegância no coração da cidade. Suas torres esculpidas e jardins bem cuidados contrastavam com a paisagem industrial ao redor, lembrando a todos que os Fae eram mais do que marqueses: era uma família de líderes que unia aquele lugar.
No pátio principal, Zander e Nix preparavam-se para partir. Ele verificava uma última vez a bolsa reforçada que continha o dispositivo, enquanto Nix, inquieta, olhava ao redor com um misto de curiosidade e empolgação.
— O Cais das Lágrimas, hein? Faz tempo que não vou até lá — comentou Nix, ajustando a mochila. — Será que ainda tem aquele cheiro de peixe podre? Zander sorriu de canto, acostumado às piadas da prima.
— Com certeza. E, considerando que é na periferia de Drakensberg, provavelmente o cheiro ficou ainda pior.
O destino dos dois era o templo do Cais das Lágrimas, uma região humilde e esquecida pela nobreza, localizada nos arredores da capital Drakensberg. A entrega do dispositivo era uma ordem direta de Andréa, mas a viagem era longa, e Nix não escondia sua excitação pela oportunidade de explorar algo novo.
Do alto da escadaria da mansão, Andréa e Morfeus observavam os dois com atenção. A marquesa, apesar da expressão séria, não conseguia esconder a preocupação em seus olhos.
— Zander, venha aqui — chamou ela, sua voz carregada de autoridade, mas com um tom mais suave do que o habitual.
Ele subiu os degraus rapidamente e parou diante da mãe. Andréa ajeitou a gola de sua camisa com um gesto automático, como fazia desde que ele era criança.
— Quero que cuide de sua prima. Não deixe que nada aconteça a ela, entendeu?
— Sempre, mãe. Ela pousou a mão delicadamente em seu rosto, os olhos carmesim buscando os dele.
— Eu confio em você. E estou orgulhosa.
Zander esboçou um sorriso pequeno, mas sincero, antes de abraçá-la.
Enquanto isso, Nix, inquieta, subiu correndo os degraus e jogou-se nos braços de Morfeus.
— Pai, eu volto logo! Prometo não causar muitos problemas! — disse ela, com um sorriso travesso.
Morfeus riu baixo, envolvendo-a em um abraço firme.
— Problemas? Você? — brincou ele, os olhos estrelados brilhando com um carinho profundo. — Só… tome cuidado, minha pequena tempestade.
Nix revirou os olhos, mas o sorriso em seu rosto não diminuiu.
— Eu sempre tomo cuidado!
— É isso que me preocupa — respondeu ele, acariciando os cabelos dela antes de soltá-la. Quando finalmente estavam prontos, Nix e Zander começaram a descer a trilha que levava ao porto da cidade, onde um pequeno barco os aguardava.
— Ei, Nix! — chamou Morfeus de repente. Ela parou e olhou para trás.
— Lembre-se de que, não importa o que aconteça, você sempre terá um lar aqui.
Nix sorriu largamente, os olhos brilhando com emoção.
— Eu sei, pai.
Os dois embarcaram no barco, acenando enquanto ele zarpava. Do alto da escadaria, Andréa e Morfeus permaneceram lado a lado, observando a embarcação afastar-se pelas águas que conectavam Karnor ao restante do reino.
Quando o barco desapareceu na curva do rio, Andréa soltou um suspiro longo.
— Eles são tão teimosos quanto nós éramos…
— E vão se sair bem, assim como nós — respondeu Morfeus, embora houvesse uma nota de preocupação em seu tom que não passou despercebida por Andréa.
— Quero que os siga, Morfeus.
Ele virou-se para ela, erguendo uma sobrancelha.
— Isso foi uma ordem ou um pedido?
— Chame do que quiser, Cheshire. Apenas faça. Morfeus riu, balançando a cabeça.
— Como quiser, minha marquesa.
Ele começou a desaparecer, sua cauda se dissolvendo primeiro em uma onda de estrelas cintilantes. Aos poucos, as pernas e o torso seguiram o mesmo destino, até restar apenas seu rosto.
— Até breve. — A voz ecoou suavemente, seu sorriso sendo o último a desaparecer.
Andréa ficou ali por mais alguns segundos, encarando o vazio deixado por ele. Por fim, virou-se e entrou na mansão, o som de seus passos ecoando pelos corredores silenciosos.
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