Índice de Capítulo


    O som da explosão mágica ecoa como o bramido de um titã ferido, suas reverberações se espalhando pelos corredores e sacudindo até mesmo as estruturas mais antigas da tumba. 

    O impacto contra a comporta de aço ressoa como um trovão metálico, seguido pelo chiado cortante do ar sendo forçado através da brecha recém-aberta.

    — Argh…! Harhh…! — O peito de Evangeline se contrai violentamente, cada respiração um espasmo de dor e exaustão. 

    O suor escorre em grossas trilhas por sua pele, encharcando suas vestes e misturando-se ao pó e fuligem do ambiente. 

    Seu corpo treme, músculos exauridos protestando contra o esforço desumano ao qual foram submetidos.

    A névoa espessa de poeira e magia dissipa-se lentamente, revelando a fresta na comporta. Pequena, mas suficiente para que a esperança se infiltre como um fôlego renovado. 

    Seus olhos rubros brilham com um lampejo de triunfo, mesmo que o peso da exaustão ameace dobrá-la.

    “Isso…! Agora será mais fácil…” O pensamento se desfaz antes mesmo de se consolidar. Seus olhos varrem o cenário ao redor, os destroços espalhados, as paredes tingidas de um pálido tom de morte. 

    Entre as pedras e fragmentos metálicos, pedaços grotescos de esqueletos ainda se contorcem, crânios trincados rangendo os dentes, mãos descarnadas arranhando o chão em uma ânsia profana de continuar existindo. 

    Uma luta sem fim, alimentada pelo desespero.

    “Eu consegui… apesar da desordem, eu consegui.”

    Seu olhar encontra Vívika, escorada contra a parede, os traços endurecidos pela exaustão, mas ainda consciente. 

    A guerreira cumpriu sua palavra.

    “Ela disse que ajudaria… e ajudou. Talvez… talvez eu possa tentar confiar nela de novo.”

    Apesar da exaustão que consome sua essência, um pequeno sorriso surge nos lábios de Evangeline. Uma centelha de alívio em meio ao inferno

    Todavia, algo tende a estragar esse momento.

    Passos ecoam pelo corredor como os tambores de um exército avançando, pesados e inexoráveis, carregados com o peso da morte em cada batida. 

    O impacto contra o solo ressoa como um trovão abafado, reverberando pelas paredes de pedra, e a poeira se ergue em pequenas ondulações a cada nova passada. 

    Evangeline sente um calafrio percorrer sua espinha, seus músculos, já castigados pela exaustão, enrijecem com a inevitabilidade daquilo que se aproxima.

    Seus olhos rubros se arregalam, o sangue lateja furiosamente em suas têmporas quando a compreensão a atinge como uma lâmina fria: o Golem de Ossos a ouviu. 

    Ele está vindo.

    A cada segundo que passa, a presença da criatura se torna mais opressiva, como se o próprio ar na tumba fosse engolido pela morte que ela carrega. 

    Sua mente gira em desespero, procurando alternativas, mas a realidade é cruel. Ela não pode lutar, não assim, não enquanto protege Vívika.

    — Merda…! — sussurra, engolindo seco, o gosto amargo da impotência queimando sua garganta.

    Então, a fresta da porta brilha com um intenso fulgor escarlate. Um olho. Vazio, sem alma, mas repleto de uma fúria ancestral.

    O impacto seguinte é devastador. 

    A porta explode em uma tempestade de destroços, lançando farpas de metal e pedra para todos os lados.

    — Merda! Agora tô fodida de verdade! — O grito escapa antes que possa sequer reagir.

    A sombra colossal engole seu campo de visão. O Golem de Ossos avança sem hesitação, sua monstruosa forma feita de incontáveis cadáveres movendo-se em uma dança macabra de terror.

    Não há tempo. Não há escapatória.

    Evangeline fecha os olhos e…


    — Não, minha mestra! — O grito escapa dos lábios da garota antes que ela possa contê-lo, afiado como um lamento rasgando a madrugada. 

    Seu corpo se ergue bruscamente do leito improvisado, o coração martelando com fúria contra suas costelas, os pulmões em desespero por ar.

    O pavor ainda a mantém presa, garras invisíveis apertando seu peito. 

    Seus olhos, límpidos como a luz da lua, vagam pelo ambiente, frenéticos, até que a realidade começa a se acomodar sobre sua mente. 

    Tecido. Madeira. O cheiro terroso de grama úmida. Uma barraca.

    — Não… pode ser… — A voz, antes aflita, sai agora como um sopro. 

    Os dedos trêmulos deslizam até sua têmpora, onde uma gota de suor desliza lentamente, escorrendo até a pele rosada de sua bochecha.

    Ela engole em seco. O terror do sonho se desfaz como névoa ao sol, mas a sensação inquietante permanece, uma sombra que se recusa a partir.

    “Eu pensei que minha mestra…” Isabel inspira fundo, buscando controle sobre o caos interno.

    “Harh… preciso me acalmar. Minha mestra não cairia tão facilmente. Mas… parecia que ela protegia alguém… Será que havia alguém com ela?”

    Chacoalha a cabeça, afastando o peso das dúvidas.

    — Foi só um pesadelo ruim. — Murmura, cerrando os punhos, buscando força na certeza de que Evangeline sobreviveria.

    Ela se levanta, determinada. Agora era hora de agir.


                              9º dia do mês, Grande Inverno. Grande Floresta de Arrow  [Periferia] – 05:10 AM.

    A caravana segue sua marcha lenta e resiliente, deixando um rastro de pegadas na terra endurecida pelo frio. 

    O inverno estende seus dedos invisíveis, deslizando entre as barracas e dançando sobre a pele exposta dos viajantes. 

    Isabel, ao emergir de seu abrigo, é recebida pelo beijo cortante da brisa matinal, uma carícia gelada que eriça sua pele e faz seus longos cabelos brancos se agitarem, como fios de seda sendo colhidos pelo vento.

    O sol, ainda um mero espectro no horizonte, pinta o céu com delicados tons dourados, banhando a vegetação em um brilho quase etéreo. 

    A relva alta brilha sob a névoa, pérolas de orvalho reluzindo como joias esquecidas. 

    O cheiro da terra fria se mistura ao aroma amadeirado das fogueiras dispersas pelo acampamento.

    O burburinho de vozes e o entrechoque metálico das armaduras chamam sua atenção. 

    Olhando ao redor, Isabel observa os soldados de Ivetya, já imersos em seus exercícios brutais. 

    Homens e mulheres dobram os corpos em flexões exaustivas, carregam toras sobre os ombros e levantam pedras colossais, o esforço esculpindo sulcos de dor e dedicação em seus rostos. 

    O suor escorre de suas testas, misturando-se ao frio cortante, mas ninguém hesita.

    “Eles não são diferentes de mim…” pensa, seus olhos percorrendo os guerreiros. “Todos têm histórias, dificuldades, e ainda assim avançam, sempre em busca de algo maior.”

    — Eu diria que… — A frase morre em sua garganta. 

    O vento, agora mais intenso, se lança contra ela, erguendo seus cabelos ao céu. 

    Isabel os prende com os dedos, rindo suavemente antes de completar: 

    — Essa viagem… foi algo que eu jamais imaginei viver.

    As memórias da batalha contra o lobo da noite invadem sua mente, a adrenalina de cada golpe, o peso da responsabilidade, a certeza cruel de sua própria fraqueza.

    Ela encara as mãos, pequenas, frágeis, mas fecha os punhos com determinação.

    — Preciso ficar mais forte…

    A determinação se solidifica no peito de Isabel como ferro incandescente sendo moldado na bigorna. 

    Ela cerra os punhos, sentindo o pulsar quente do sangue sob sua pele. 

    “Preciso me fortalecer. Não quero ser um fardo. Quero ser alguém cuja força seja uma chave para ajudar os outros em tempos difíceis.”

    A lembrança das palavras de Lukas ressoa em sua mente. 

    Ele lhe contara como Ivetya, com uma destreza sobre-humana, abatera o monstro mutante sem esforço, como quem parte um bloco de queijo derretido ao sol. 

    A facilidade com que a mulher destruiu aquela ameaça a faz se perguntar: 

    “Como minha mestra Evangeline reagiria ao sentir a força de Ivetya? Seria um duelo de titãs ou uma troca de olhares carregada de respeito mútuo?”

    Sem perceber, um sorriso desenha-se em seus lábios, um toque de diversão mesclado à admiração.

    Ao redor, o acampamento ganha ainda mais vida. 

    Soldados correm, preparando-se para a jornada, enquanto outros desmontam as barracas com movimentos ágeis e disciplinados. 

    O vigor deles contagia o ambiente com uma energia vibrante e otimista, fazendo Isabel desejar contribuir de alguma forma antes da partida.

    Adiante, seus olhos safira pousam sobre Lukas e Kamila, imersos em uma conversa. 

    O conteúdo do diálogo escapa a seus ouvidos, mas os gestos e expressões falam por si. 

    Kamila ri, seus olhos brilhando de um jeito diferente, como se cada palavra de Lukas fosse uma melodia única tocada somente para ela.

    Isabel inclina a cabeça, cruzando os braços e mordendo de leve o lábio inferior. A tentação de usar magia para escutar a conversa passa por sua mente, mas logo a descarta.

    “Depois daquele incidente… Kamila se aproximou ainda mais do professor. Será que ela…?”

    A compreensão lhe atinge como um estalo, e um sorriso travesso surge em seu rosto.

    — Heh… será que ela está gostando do professor Lukas? — murmura para si mesma, enquanto observa a troca de olhares entre os dois.

    A expressão de Kamila não deixa dúvidas. Seu rosto está iluminado, sua postura relaxada, os risos fluindo como um riacho cristalino.

    Isabel solta um suspiro leve, divertindo-se com a cena. O mundo pode ser cruel e violento, mas ali, entre batalhas e sangue derramado, um novo sentimento floresce silencioso.

    Lukas sente o sutil tremor na frequência de mana, como um fio invisível vibrando no ar. 

    Seus olhos percorrem o acampamento até encontrarem Isabel, e, com um gesto casual, ele a convida para se juntar à conversa, algo que ela assente e se dirige até ambos. 

    No entanto, ao notar a interação, Kamila hesita. Sua alegria, que brilhava como brasas ao vento, vacila. É uma sombra passageira, um instante em que a expressão se desfaz em um quase nada, mas perceptível o suficiente para que Isabel o note.

    “Eita…” Ela para no meio do caminho. 

    Seus instintos lhe dizem que talvez sua presença ali não seja bem-vinda, ou pior: talvez esteja prestes a interromper algo importante. 

    O olhar de Kamila, um misto de surpresa e relutância, diz mais do que palavras jamais poderiam.

    “Eu acho que não é bom eu ir até lá… talvez, só talvez eu atrapalhe um progresso importante…”

    Com um breve aceno, Isabel recusa silenciosamente o convite e se afasta, os passos leves carregando-a para a borda do acampamento, em direção à floresta.

    Lukas franze a testa, o aceno recusado deixando um rastro de dúvida. 

    Seus olhos a seguem por alguns instantes, tentando decifrar a repentina mudança de rumo.

    Kamila, por outro lado, respira fundo. Seu sorriso, antes hesitante, aflora novamente, como se a ausência de Isabel lhe devolvesse algo que temia perder.

    — Então… Lukas… podemos continuar de onde paramos…? — Sua voz é doce, mas carrega um peso oculto, algo que Lukas, distraído, não percebe.

    Ele coça a nuca, ainda olhando na direção onde Isabel desapareceu.

    — A-ah… certo, claro…

    “Que estranho… será que fiz algo para chatear a Isabel sem saber?”

    A dúvida o assombra, mas ele não tem respostas. Não ainda.

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