Capítulo 0132: Amarga derrota
Foi uma manhã fria e cinzenta.
Siegfried aguardava montado em seu palafrém. O cabelo encharcado da chuva e os dedos tornados dormentes do vento frio que soprava. Era apenas uma leve garoa, mal se notava, mas havia passado muito tempo desde que a baronesa Whitefield se foi.
Isso não era bom.
O barão Lawgard e seus homens haviam tomado duas casas próximas ao Salão Branco. Podia ver a fumaça saindo de uma velha chaminé de pedra e o seu interior iluminado. De vez em quando, um soldado saía segurando uma lamparina e dava a volta na casa.
“De quinze em quinze minutos”, notou.
Mas sempre que entrava no seu campo de visão, o guarda fazia uma pausa, levantava a lamparina e analisava o Salão Branco de longe.
“Acha que isso muda alguma coisa?”, perguntou Lili. “Que ainda dá tempo de voltar atrás? Só que não muda. E não dá. Pode seguir em frente com o seu pequeno teatrinho se quiser, mas nós dois sabemos a verdade: você não tem honra. Nunca teve. Não passa de um covarde… Igualzinho ao seu pai.”
Siegfried agarrou firme o punho da espada, mas não fez nada. Sabia que era isso que ela queria. Que perdesse o controle. Então a ignorou.
Ainda tinha as suas dúvidas quanto à veracidade da carta do barão Kessel, mas o que a baronesa Whitefield disse fazia sentido. Se as casas Coyle e Lawgard foram em auxílio ao cerco do Castelo Silvergraft, o conde Essel poderia muito bem ter sido derrotado.
Isso explicaria o porquê de não ter marchado até o Salão Branco. Se ele tivesse derrotado o barão Kessel, por que não viria atrás deles?
Não tinha escolha, senão acreditar.
Não tinha escolha, senão entregar o Salão Branco ao barão Lawgard. Era o seu dever.
Mas como poderia voltar atrás da sua decisão?
O que deveria dizer?
“Olá! Eu sei que deixei vocês dormirem ao relento essa noite, mas agora acredito no que disseram e decidi deixá-los entrar. Sem ressentimentos, tá?”
A baronesa Whitefield apresentou a solução:
— Deixe-me falar com ele.
— E por que eu faria isso!?
— Porque você não tem escolha. A menos que o seu plano seja se trancar atrás desses muros até o barão Kessel aparecer e expulsá-lo.
— …
— Foi o que eu pensei. Deixe-me falar com o lorde Lawgard e posso resolver isso. Vou lhe explicar a situação e tentar acalmá-lo. Conheço ele. É cheio de orgulho, tal como todos os homens, mas não é insensato. Sabe que temos questões muito mais importantes a tratar.
— E o que exatamente vai dizer?
— A verdade. Que você é um rapaz confiável que estava apenas tentando proteger minha filha e as outras, tal como o barão Kessel ordenou. Por isso não podia permitir que estranhos entrassem sem antes confirmar que eram quem diziam ser. O que me diz?
E o que mais poderia dizer?
Deixou que ela fosse.
E isso já fazia quase duas horas.
“Está cometendo um erro”, disse Lili. “Não pode confiar nela.”
De repente, dois guardas saíram de dentro da casa às pressas e começaram a selar três cavalos; a égua castanha que a baronesa Whitefield levou, um garanhão de pelo colorado e um pônei amarronzado.
O barão Lawgard saiu com a baronesa Whitefield e seu filho, dez minutos depois, subindo cada um em sua respectiva montaria. Os guardas também saíram, logo atrás dos fidalgos. Uma comitiva que vinha direto para o Salão Branco.
Isso não fazia parte do acordo.
Siegfried abriu e fechou a mão direita, fazendo o sangue voltar a circular.
“Se eu trair, que seja a quem nunca mereceu a minha lealdade”, repetiu para si mesmo.
E o barão Kessel merecia…
O barão Lawgard liderou a marcha. Os dezenove soldados logo atrás dele. Lanças, espadas curtas e maças. Um ou outro carregava também um arco-e-flecha curto, mas seria de pouca utilidade na chuva.
Cinco minutos depois, a tropa parou em frente aos portões do Salão Branco.
Siegfried abriu e fechou a mão da espada. Sentia como se estivesse nu. Exposto. Sozinho ali fora e cercado por inimigos. O lorde Lawgard parecia ter notado o seu desconforto e, se o seu sorriso era o indicativo de algo, estava satisfeito com isso.
E por que não estaria? Ele venceu.
“E ainda me deixou esperando na chuva.”
— Lorde Lawgard.
— Sigrid, não é?
— Na verdade–
— A baronesa Whitefield me explicou a situação. Fez bem em ser cauteloso, especialmente com a segurança das mulheres em suas mãos. Mas que isso não se repita! A nobreza tem honra. E nunca se esqueça disso! Nós não recorremos a truques baixos para conseguir o que queremos. Apenas o mais covarde e patético dos homens se passaria por um aliado para tomar uma fortaleza. Quando eu quiser subjugá-lo, você saberá.
— Me lembrarei disso.
— Bom, então vamos.
Siegfried deu uma última olhada na tropa, então virou as rédeas do cavalo e voltou para o Salão Branco, mas desta vez, acompanhado do barão Lawgard e seus homens.
Os cavalos foram levados ao estábulo, enquanto Siegfried conduzia os fidalgos até o salão.
Lá dentro, encontraram a mesa preparada para o banquete de desjejum, com os guardas em forma à esquerda da porta e as servas de cabeça baixa à direita, formando um pequeno corredor até os anfitriões na ponta mais distante. Tal como era ditado pelas normas de etiqueta e cortesia.
Astrid Whitefield estava à frente do grupo, em seu vestido cotehardie dourado e branco; o decote de canoa lhe desnudando o pescoço e os ombros; o cabelo negro solto com pequenas tranças presas por fitas brancas aqui e ali, e uma pequena tiara de prata na cabeça.
Mesmo Siegfried ficou impressionado. Raramente via a garota — e nunca daquele jeito.
Apesar de ainda não ter completado os dezesseis anos, os homens do barão Lawgard a devoravam com os olhos sem o menor pudor. Alguns, velhos o bastante para serem seus pais. Mas se a garota notou, não lhes deu atenção.
Ao seu lado, estava a condessa Alethra Gaelor e, ao contrário de Astrid, tinha um visual muito mais recatado. O seu vestido cotehardie era vermelho, com um decote mais alto que lhe desnudava não mais do que o pescoço; o cabelo dourado preso em um coque atrás da cabeça. Já era mãe, mas mesmo assim se comportava feito uma donzela.
Salazar Gaelor, de três anos, estava agarrado às saias de Alethra. A sua túnica, vermelha e verde, com uma capa negra para completar o visual.
— Vossa graça — disse Astrid. E até aquele exato momento, Siegfried não tinha ideia de que ela fosse capaz de sorrir… Nem que pudesse ser tão feminina e delicada. — Seja bem-vindo.
— E você deve ser Astrid — o barão Lawgard se aproximou e beijou a mão da garota. — Vejo que a beleza é de família.
— O senhor é muito gentil.
Então se virou para Alethra e beijou sua mão. As cortesias seguiram por quase cinco minutos, sem descanso. O barão Lawgard elogiou a beleza das garotas, lamentou as mortes dos lordes Gaelor e Whitefield, e prometeu vingá-los.
Não foi até àquela noite que revelou sua verdadeira face.

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