Índice de Capítulo

    Anayê se sentiu leve. Por um instante, teve a impressão de flutuar acima das colunas, depois além do templo, até quase tocar as nuvens. Dali, contemplou o continente inteiro em sua vastidão. Então, seu olhar se voltou para as pessoas — vidas em movimento, apressadas, buscando propósitos, cruzando caminhos. Mas o que realmente prendeu sua atenção foram as cores dentro delas.  Cada indivíduo era entrelaçado por linhas coloridas e irregulares, percorrendo seus corpos como fios de um tecido invisível. Da sua posição era como ver uma incrível tapeçaria – complexa, multicolorida e extraordinária.

    Então olhou para si mesma e também pôde ver. Linhas coloridas em seus braços, pernas e abdômen. Era maravilhoso!

    E, de repente, estava de volta ao templo.

    — Aquilo foi… — ela balbuciou sem palavras para descrever.

    Chokhmáh sorriu e falou de forma tranquila:

    — Essa é a sua energia espiritual, o sopro divino do fogo primordial. E, como pode perceber, ele está em todos, embora a maioria não tenha noção disso.

    Agora Anayê sentia algo fluindo em seu corpo. Se ela conhecesse o mar pessoalmente, compararia a sensação com um mergulho enquanto as ondas passam por seu corpo.

    — Quando você bebe o fluido de oração, torna possível a manipulação dessa energia — Chokhmáh explicou e se sentou nas escadas do púlpito. — Está sentindo?

    Anayê balançou a cabeça.

    — É como se eu pudesse tocá-la dentro de mim.

    — Tente movê-la.

    A garota ficou um pouco confusa.

    — Vamos lá, não tenha medo.

    Em sua mente, ordenou o fluxo de energia se mover. Foi como se estivesse empurrando água num lago e, para sua surpresa, percebeu o fluxo se mover inteiramente para sua mão.

    Seu braço inteiro começou a ficar iluminado.

    — Meu Deus! — Anayê gritou, assustada.

    — Calma, menina, com calma.

    As palavras de Chokhmáh a acalmaram um pouco e ela soltou um risinho nervoso.

    Então apreciou o brilho cintilar em suas mãos e notou todos os pelos do braço arrepiados.

    — Mova para o outro braço.

    Anayê obedeceu. Imaginou mover o fluxo e ele realmente atendeu ao comando.

    Ela abriu um sorriso e fez o fluxo se mover novamente.

    — Muito bem — Chokhmáh parabenizou. — Esse fluxo de energia somado ao fluido de oração é a energia capaz de ferir e derrotar as aberrações. Existem ceifadores que transformam imbuem essa energia em uma parte do corpo para executar seus ataques, mas outros conseguem imbuir uma lâmina.

    Então, Chokhmáh balançou suas mãos e uma adaga apareceu. Anayê ficou chocada por um momento e se perguntou como a mulher conseguia fazer aquilo.

    — Essa aqui foi forjada para você pelo próprio Guerreiro, um dos Três Que São Um.

    — Para mim? — a garota franziu o cenho, incrédula.

    — Claro — Chokhmáh estendeu a arma.

    Anayê percebeu uma empunhadura branca e elegante adornada com detalhes em vermelho. A lâmina tinha um prateado reluzente e exibia pequenos dentes dispostos em um ângulo curvo, conferindo-lhe uma aparência tão bela quanto letal.

    — Ela é incrível — Anayê disse enquanto sacudia a arma.

    Chokhmáh riu do jeito desajeitado da garota. Anayê parou de mexer e ficou um pouco vermelha.

    — Errr… Não levo muito jeito com armas… — disse, baixinho.

    — Não fique tão envergonhada. Logo, você saberá manejar essa adaga tão bem quanto move seu braço.

    — Espero que sim. Não seria legal ganhar um presente e não saber usar.

    — Tem toda razão.

    — Você estava dizendo que alguns ceifadores colocam a energia espiritual em seu próprio corpo.

    — Exatamente.

    — Ouvi dizer que o Boyak consegue fazer isso.

    — Sim, ele é o ceifador conhecido pelo Punho de Deus, um poderoso soco totalmente imbuído de energia espiritual.

    — Mas a Thayala conseguia criar adagas com o vento. Como é isso?

    — Ela é o que chamamos de ceifador controlador de elementos da natureza. Ela conecta sua energia com algum elemento para conseguir controlá-lo ou fazê-lo tomar forma. Quando o elemento se mistura com o fluido de oração contido na energia espiritual, ele se torna um poderoso aliado.

    — Agora entendo — Anayê afirmou, relembrando como Thayala havia lutado na floresta para se livrar das aberrações invocadas por Rom. — E eu?

    Chokhmáh apontou para a adaga.

    — Imagine o que uma lâmina pode fazer se for revestida com energia espiritual.

    — Tá dizendo que posso direcionar aquela energia no meu braço para essa adaga?

    Chokhmáh assentiu.

    — Não apenas a adaga, mas para muitos objetos.

    Anayê fitou a lâmina. Em parte duvidava, em parte acreditava. Já havia visto tanto para duvidar.

    — Aqui, especificamente, vou te ensinar uma técnica especial com a adaga.

    — Técnica… especial?

    — Sim, algo para ser usado caso o corte comum não seja suficiente.

    Anayê assentiu.

    — Mas, por enquanto… — Chokhmáh abriu os braços. — Vamos nos atentar aos princípios do combate e do uso mais sábio do fluido de oração.

    — Certo!

    E assim, Chokhmáh ensinou os golpes básicos do combate, passou exercícios e entregou um novo frasco de fluido de oração para Anayê.

    Durante os três dias seguintes, Anayê ficou no templo em companhia de Chokhmáh, aprendendo sobre o Deus sem Face e os ceifadores.

    No quarto dia, entretanto, a mulher disse:

    — Agora que você despertou para a compreensão da sua energia espiritual, use isso ao seu favor. Quando vier para o templo da montanha de fogo, direcione a energia para suas pernas.

    E então Anayê precisou descer a montanha e retornar a cabana. Era quase o fim do dia quando ela chegou e encontrou o mestre deitado na rede. Ela estreitou os olhos.

    — Você ficou aqui esse tempo todo?

    — Menina boba, eu te disse que o tempo passa de forma diferente no quarto.

    Anayê ainda não compreendia essa frase totalmente, mas resolveu deixar para lá. Notou cinco postes de madeira perto do lago.

    — Soube que ganhou uma adaga de presente — o mestre falou.

    Ela mostrou-lhe a arma.

    — Muito, muito elegante. Algo me diz que várias aberrações irão morrer de medo dessa adaga.

    Anayê sorriu.

    O mestre caminhou bem devagar e apontou para os postes de madeira.

    — Mas até isso acontecer, que tal testar a sua pontaria?

    O velho revelou uma porção de adagas que possuíam um peso e diâmetro semelhantes aos da lâmina sagrada.

    Anayê aceitou o treinamento. E errou os cinco postes por dez vezes. Ora faltava força, ora faltava delicadeza.

    Quando a lua ascendeu aos céus, o mestre a chamou para jantar. Havia carne, suco de uva e manteiga.

    — Boyak também passou por esse treinamento para acertar as adagas? — ela questionou.

    — Não, mas Thayala sim.

    — De quanto tempo ela precisou para…

    — É melhor não fazer isso. A comparação só é boa quando estamos em busca de motivação para melhorar.

    Anayê ponderou um momento e disse:

    — Espera, ela acertou tudo de primeira?

    O mestre não respondeu.

    — Ela acertou mesmo na primeira vez?!

    Anayê o fitou com os olhos arregalados. Como alguém conseguia acertar de primeira?

    — E foram dez postes… — o mestre revelou.

    O prato da moça quase caiu no chão.

    — Você não é a Thayala — o idoso falou de modo incisivo. — Tome o exemplo dela se for para ser melhor, mas não pense que os caminhos de todos são iguais.

    — Está bem, mestre.

    — Agora, coma.

    Anayê continuou seu jantar.

    — Eu menti — o mestre disse. — Foram vinte postes.

    — O QUÊ?!!

    — É brincadeira.

    E o velho começou a rir.

    É muito bom ter você aqui!
    Espero que esteja curtindo o treinamento de Anayê.

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