Capítulo 54 - Energia Espiritual
Anayê se sentiu leve. Por um instante, teve a impressão de flutuar acima das colunas, depois além do templo, até quase tocar as nuvens. Dali, contemplou o continente inteiro em sua vastidão. Então, seu olhar se voltou para as pessoas — vidas em movimento, apressadas, buscando propósitos, cruzando caminhos. Mas o que realmente prendeu sua atenção foram as cores dentro delas. Cada indivíduo era entrelaçado por linhas coloridas e irregulares, percorrendo seus corpos como fios de um tecido invisível. Da sua posição era como ver uma incrível tapeçaria – complexa, multicolorida e extraordinária.
Então olhou para si mesma e também pôde ver. Linhas coloridas em seus braços, pernas e abdômen. Era maravilhoso!
E, de repente, estava de volta ao templo.
— Aquilo foi… — ela balbuciou sem palavras para descrever.
Chokhmáh sorriu e falou de forma tranquila:
— Essa é a sua energia espiritual, o sopro divino do fogo primordial. E, como pode perceber, ele está em todos, embora a maioria não tenha noção disso.
Agora Anayê sentia algo fluindo em seu corpo. Se ela conhecesse o mar pessoalmente, compararia a sensação com um mergulho enquanto as ondas passam por seu corpo.
— Quando você bebe o fluido de oração, torna possível a manipulação dessa energia — Chokhmáh explicou e se sentou nas escadas do púlpito. — Está sentindo?
Anayê balançou a cabeça.
— É como se eu pudesse tocá-la dentro de mim.
— Tente movê-la.
A garota ficou um pouco confusa.
— Vamos lá, não tenha medo.
Em sua mente, ordenou o fluxo de energia se mover. Foi como se estivesse empurrando água num lago e, para sua surpresa, percebeu o fluxo se mover inteiramente para sua mão.
Seu braço inteiro começou a ficar iluminado.
— Meu Deus! — Anayê gritou, assustada.
— Calma, menina, com calma.
As palavras de Chokhmáh a acalmaram um pouco e ela soltou um risinho nervoso.
Então apreciou o brilho cintilar em suas mãos e notou todos os pelos do braço arrepiados.
— Mova para o outro braço.
Anayê obedeceu. Imaginou mover o fluxo e ele realmente atendeu ao comando.
Ela abriu um sorriso e fez o fluxo se mover novamente.
— Muito bem — Chokhmáh parabenizou. — Esse fluxo de energia somado ao fluido de oração é a energia capaz de ferir e derrotar as aberrações. Existem ceifadores que transformam imbuem essa energia em uma parte do corpo para executar seus ataques, mas outros conseguem imbuir uma lâmina.
Então, Chokhmáh balançou suas mãos e uma adaga apareceu. Anayê ficou chocada por um momento e se perguntou como a mulher conseguia fazer aquilo.
— Essa aqui foi forjada para você pelo próprio Guerreiro, um dos Três Que São Um.
— Para mim? — a garota franziu o cenho, incrédula.
— Claro — Chokhmáh estendeu a arma.
Anayê percebeu uma empunhadura branca e elegante adornada com detalhes em vermelho. A lâmina tinha um prateado reluzente e exibia pequenos dentes dispostos em um ângulo curvo, conferindo-lhe uma aparência tão bela quanto letal.
— Ela é incrível — Anayê disse enquanto sacudia a arma.
Chokhmáh riu do jeito desajeitado da garota. Anayê parou de mexer e ficou um pouco vermelha.
— Errr… Não levo muito jeito com armas… — disse, baixinho.
— Não fique tão envergonhada. Logo, você saberá manejar essa adaga tão bem quanto move seu braço.
— Espero que sim. Não seria legal ganhar um presente e não saber usar.
— Tem toda razão.
— Você estava dizendo que alguns ceifadores colocam a energia espiritual em seu próprio corpo.
— Exatamente.
— Ouvi dizer que o Boyak consegue fazer isso.
— Sim, ele é o ceifador conhecido pelo Punho de Deus, um poderoso soco totalmente imbuído de energia espiritual.
— Mas a Thayala conseguia criar adagas com o vento. Como é isso?
— Ela é o que chamamos de ceifador controlador de elementos da natureza. Ela conecta sua energia com algum elemento para conseguir controlá-lo ou fazê-lo tomar forma. Quando o elemento se mistura com o fluido de oração contido na energia espiritual, ele se torna um poderoso aliado.
— Agora entendo — Anayê afirmou, relembrando como Thayala havia lutado na floresta para se livrar das aberrações invocadas por Rom. — E eu?
Chokhmáh apontou para a adaga.
— Imagine o que uma lâmina pode fazer se for revestida com energia espiritual.
— Tá dizendo que posso direcionar aquela energia no meu braço para essa adaga?
Chokhmáh assentiu.
— Não apenas a adaga, mas para muitos objetos.
Anayê fitou a lâmina. Em parte duvidava, em parte acreditava. Já havia visto tanto para duvidar.
— Aqui, especificamente, vou te ensinar uma técnica especial com a adaga.
— Técnica… especial?
— Sim, algo para ser usado caso o corte comum não seja suficiente.
Anayê assentiu.
— Mas, por enquanto… — Chokhmáh abriu os braços. — Vamos nos atentar aos princípios do combate e do uso mais sábio do fluido de oração.
— Certo!
E assim, Chokhmáh ensinou os golpes básicos do combate, passou exercícios e entregou um novo frasco de fluido de oração para Anayê.
Durante os três dias seguintes, Anayê ficou no templo em companhia de Chokhmáh, aprendendo sobre o Deus sem Face e os ceifadores.
No quarto dia, entretanto, a mulher disse:
— Agora que você despertou para a compreensão da sua energia espiritual, use isso ao seu favor. Quando vier para o templo da montanha de fogo, direcione a energia para suas pernas.
E então Anayê precisou descer a montanha e retornar a cabana. Era quase o fim do dia quando ela chegou e encontrou o mestre deitado na rede. Ela estreitou os olhos.
— Você ficou aqui esse tempo todo?
— Menina boba, eu te disse que o tempo passa de forma diferente no quarto.
Anayê ainda não compreendia essa frase totalmente, mas resolveu deixar para lá. Notou cinco postes de madeira perto do lago.
— Soube que ganhou uma adaga de presente — o mestre falou.
Ela mostrou-lhe a arma.
— Muito, muito elegante. Algo me diz que várias aberrações irão morrer de medo dessa adaga.
Anayê sorriu.
O mestre caminhou bem devagar e apontou para os postes de madeira.
— Mas até isso acontecer, que tal testar a sua pontaria?
O velho revelou uma porção de adagas que possuíam um peso e diâmetro semelhantes aos da lâmina sagrada.
Anayê aceitou o treinamento. E errou os cinco postes por dez vezes. Ora faltava força, ora faltava delicadeza.
Quando a lua ascendeu aos céus, o mestre a chamou para jantar. Havia carne, suco de uva e manteiga.
— Boyak também passou por esse treinamento para acertar as adagas? — ela questionou.
— Não, mas Thayala sim.
— De quanto tempo ela precisou para…
— É melhor não fazer isso. A comparação só é boa quando estamos em busca de motivação para melhorar.
Anayê ponderou um momento e disse:
— Espera, ela acertou tudo de primeira?
O mestre não respondeu.
— Ela acertou mesmo na primeira vez?!
Anayê o fitou com os olhos arregalados. Como alguém conseguia acertar de primeira?
— E foram dez postes… — o mestre revelou.
O prato da moça quase caiu no chão.
— Você não é a Thayala — o idoso falou de modo incisivo. — Tome o exemplo dela se for para ser melhor, mas não pense que os caminhos de todos são iguais.
— Está bem, mestre.
— Agora, coma.
Anayê continuou seu jantar.
— Eu menti — o mestre disse. — Foram vinte postes.
— O QUÊ?!!
— É brincadeira.
E o velho começou a rir.
É muito bom ter você aqui!
Espero que esteja curtindo o treinamento de Anayê.
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