Índice de Capítulo

    O mestre retornou cedo ao quarto do ceifador e se impressionou quando encontrou Anayê treinando seu ataque aos postes com as adagas. A garota estava com o cabelo preso num coque e usava uma camisa branca de mangas curtas, calças dobradas até o joelho e pés descalços. Ela estava há cinco metros de distância dos postes.

    Anayê abriu um sorriso generoso mostrando sua testa suada.

    — Eu trouxe a refeição da manhã — o mestre ergueu uma jarra com leite e um cesto com pães e queijos.

    — Bem na hora.

    Ela comeu rapidamente e com um brilho de alegria nos olhos grandes.

    — Então — o mestre perguntou. — Conseguiu acertar um dos postes?

    Anayê assentiu movendo os ombros enquanto fazia uma careta. Seu corpo estava muito dolorido, tanto do treinamento com Chokhmáh quanto de lançar as adagas nos postes.

    — Mas foi apenas uma vez — ela afirmou. — Quase todas passam de raspão.

    — Já é uma evolução. Você vai chegar lá.

    — Espero que sim.

    O mestre esperou até ela terminar o leite em seu copo.

    — Hoje você deve retornar ao templo do pergaminho sagrado.

    Anayê o fitou por um momento. Não gostava de lembrar que precisaria subir a escadaria outra vez.

    O mestre retirou um frasco com fluido de oração e entregou para ela.

    — Use o que você aprendeu, menina.

    Anayê tomou o conteúdo do frasco e, imediatamente, voltou a sentir aquela energia fluindo dentro de seu corpo.

    — Agora vá, o pergaminho sagrado te espera.

    Ela meneou a cabeça, calçou seu sapato, trocou sua camisa e guardou a sua adaga recebida de presente no cinto. Quando parou em frente a escadaria, lembrou-se da energia se movendo em seu corpo e então, obedecendo aos conselhos, levou a energia para suas pernas.

    De início, não sentiu nada diferente. Porém, quando deu o primeiro passo, percebeu o quão leve parecia seu caminhar. Olhou para o chão para ter a certeza de estar com os pés no chão. E confirmou que estava pisando nas escadas como antes, apenas seus sentidos pareciam estar diferentes.

    — Então que tal se eu…

    Anayê abriu um sorriso audacioso e aumentou sua velocidade. Ficou impressionada com a sua notável rapidez. Seus pés avançavam uma dúzia de escadas em um segundo e seu cérebro estava trabalhando tão veloz quanto.

    Era uma sensação deslumbrante para Anayê. Percebia tudo ao seu redor ao mesmo tempo em que se movimentava como o vento.

    — E se eu tentar ir mais além — balbuciou para si mesma.

    Tomou impulso e deu um salto. E, instantes depois, viu a escadaria se distanciando abaixo de si enquanto alçava as alturas. Um frio subiu sua barriga quando percebeu que estava ficando alto demais. Porém, ao mesmo tempo, começou a diminuir a distância até a escada num ponto mais elevado.

    Quando seus pés tocaram o chão, ela parou por um momento. Seus braços estavam arrepiados com a adrenalina e suas pernas tremiam um pouco.

    Ela olhou para trás e notou que saltara por quase vinte degraus.

    E então começou a rir de si mesma por conta da loucura e magia de toda a situação.

    “Meu Deus, isso é mesmo possível?”, pensou.

    Lá embaixo, enxergou o mestre e, mesmo distante, viu o dedo polegar erguido para ela como um sinal de aprovação.

    Retribuiu o sinal e seu rosto adquiriu uma expressão de auto confiança com um sorriso de lábios fechados e os grandes olhos roxos acentuados – muito embora ela não tenha entendido de fato o quanto estava envolvida por tal confiança.

     Se virou e continuou a jornada pela escadaria.

    Anayê chegou ao topo quando o sol estava no meio do céu. Respirava com mais velocidade e seu corpo estava mais pesado, embora não se comparasse com a subida da primeira vez.

    Vislumbrou o caminho atrás de si por um momento antes de ver que Chokhmáh a esperava do lado de fora.

    A mulher ainda tinha a aura mágica e bela, e trajava um vestido vermelho e longo com vários pendentes pequenos no ombro, na cintura e no busto.

     — Seja bem vinda outra vez, Anayê.

    — É bom te ver.

    — Colocando seus ensinos em prática?

    — É, eu tive algumas dicas.

    — Imagino.

    Anayê caminhou para perto de Chokhmáh.

    — Essa sensação foi… incrível — a garota revelou.

    — É muito bom ver que gostou. Alguns acham a primeira vez um tanto desconfortável.

    — Eu consegui saltar de dez em dez degraus! — Anayê tomou um pouco de fôlego. — Aquilo foi a coisa mais estranha e maravilhosa da minha vida até agora.

    — Ótimo, pois vai contrastar diretamente com o que a seguir.

    Anayê sentiu suas pernas um pouco lentas.

    — O que vem a seguir? – ela perguntou sentindo a visão um pouco embaçada.

    — Um efeito colateral do mau uso do fluido de oração.

    Agora Anayê foi obrigada a parar, pois não estava sentindo suas pernas e nenhum comando de seu cérebro surtia efeito.

    — Mau uso? — indagou coçando os olhos com as costas das mãos.

    — Não fique preocupada. Essa situação é perfeitamente normal com os iniciantes.

    Anayê se viu perdendo o equilíbrio e caindo no chão, mas Chokhmáh a segurou antes de atingir as pedras.

    — Não sinto minhas pernas e minha visão…

    — Essa é uma reação comum do seu corpo. Ao esgotar o fluido sem estar acostumada a usar certa quantidade de oração durante um período prolongado, seu corpo retornará ao estado natural e sofrerá as consequências de levá-lo ao esforço máximo.

    Anayê já não enxergava um palmo à sua frente e agarrou o vestido da mulher com todas as suas forças.

    — Eu não quero ficar cega!

    — Calma, garota púrpura, esses efeitos não são permanentes. Não deixamos os alunos usarem fluido de oração para perderem os movimentos — essa última frase soou com certo sarcasmo.

    — Ah! Me desculpe. — Anayê largou o vestido, devagar. — Devia ter pensado nisso antes.

    — Não faz mal. Essa parte do treinamento é um bom aviso para o uso irresponsável do fluido, sem entendimento do seu conhecimento sobre seu corpo e sua mente, buscando apenas o poder. Esse caminho é muito perigoso.

    Anayê se lembrou de que Thayala havia falado a mesma coisa sobre Boyak. E, depois das ruínas da lamentação, ele ficara dias sem usar o fluido.

    “Será que eu também ficarei dias assim?”, ela ponderou.

    — Em alguns minutos, você estará bem novamente — Chokhmáh disse como se lesse sua mente.

    Anayê soltou um risinho sem graça.

    — Ainda bem — ela falou. — Ficar no escuro não é bem o que imaginei quando quis me tornar uma ceifadora.

    — Creio que não — Chokhmáh respondeu.

    E tal o pergaminho sagrado havia explicado, assim aconteceu. Aos poucos a visão e o movimento das pernas retornou para Anayê, ainda que uma dormência temporária se abatesse sobre seus pés.

    Quando conseguiu se colocar em pé, Chokhmáh lhe trouxe uma refeição com carne bovina e sopa de legumes.

    Anayê notou o quanto estava faminta e soube que o custo do fluido de oração ia mais além do que desgaste físico. Era realmente um fator importante a se ponderar.

    De acordo com Chokhmáh, seu esgotamento fora por causa da falta de costume, então Anayê precisava se acostumar com o uso constante do fluido de oração, ou assim ela imaginava.

    — Você tem mais? — ela perguntou.

    — Mais o que?

    — Frascos com fluido.

    Chokhmáh assentiu e então girou os braços como um passe de mágica e três frascos apareceram.

    Anayê agradeceu. Guardou dois frascos e ingeriu o líquido azul de um deles.

    — Muito bem, vejo que já está recuperada para treinar.

    — Com certeza.

    — Então vamos ver o que acontece quando você utiliza fluido de oração com os golpes de combate que te mostrei.

    — Tá certo.

    — Para isso, trouxe um novo companheiro para você.

    Chokhmáh bateu as mãos e a porta do templo se abriu revelando um boneco feito de palha e madeira. Seus braços e pernas faziam som de porta rangendo e seus olhos, nariz e boca eram desenhados na cara feita de pau.

    Anayê franziu o cenho.

    É muito bom ter você aqui!
    Espero que esteja curtindo a jornada de Anayê para se tornar uma ceifadora.

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