Olá, segue a Central de Ajuda ao Leitor Lendário, também conhecida como C.A.L.L! Aqui, deixarei registradas dicas para melhor entendimento da leitura:
Travessão ( — ), é a indicação de diálogos entre os personagens ou eles mesmos;
Aspas com itálico ( “” ), indicam pensamentos do personagem central em seu POV;
Aspas finas ( ‘’ ), servem para o entendimento de falas internas dentro da mente do personagem central do POV, mas não significa que é um pensamento dele mesmo;
Itálico no texto, indica onomatopeias, palavras-chave para subverter um conceito, dentre outras possíveis utilidades;
Colchetes ( [] ), serão utilizados para as mais diversas finalidades, seja no telefone, televisão, etc;
Por fim, não esqueça, se divirta, seja feliz e que os mistérios lhe acompanhem!
Capítulo 84 — Quartinho dos Brinquedos Proibidos
O copo de uísque de Víctor girou lentamente entre seus dedos, o líquido âmbar capturando a luz de maneira quase sobrenatural, como se um olho antigo os observasse através do reflexo distorcido no cristal.
Calli sentiu o gosto metálico da adrenalina em sua língua, misturado com o sabor do ar carregado de pó e mistério que permeava a sala. Nos últimos dias, aquele espaço lhe parecera quase acolhedor, mas agora a atmosfera pesava como um animal agachado, pronto para atacar.
— Sente-se — ordenou Víctor, indicando com um gesto preciso a cadeira vazia à sua frente.
O assento, quando Calli se aproximou, revelou-se mais pesado do que aparentava. Ao tocar os braços da cadeira, ele notou pequenos símbolos entalhados na madeira escura — runas? — que pareciam pulsar levemente sob seus dedos, como se respondessem ao contato.
Do canto da sala, Alice finalmente fechou seu livro com um estalo seco que ecoou como um tiro no silêncio tenso. O título, escrito em letras desbotadas e quase ilegíveis, parecia dizer “Tratado Sobre os Vazios”, mas as palavras se contorciam quando ele tentava focar, como se resistissem a serem lidas.
— Você já percebeu — começou Víctor, inclinando-se para frente com os cotovelos apoiados na mesa — que certos lugares nesta cidade… “respiram de forma errada”?
Thalya, que se preparava em silêncio perto da porta, congelou por um instante. Seus dedos, envoltos nas luvas de couro gasto, apertaram o tecido com uma força irregular — um gesto que Calli já aprendera a reconhecer como nervosismo.
— Lugares onde o ar fica pesado sem motivo — continuou Víctor, ignorando ou talvez desconsiderando intencionalmente a reação dela. — Onde sombras se movem um segundo depois que você vira a cabeça. Onde crianças desaparecem sem deixar rastro, exceto por… manchas.
A última palavra saiu como veneno escorrendo de seus lábios, carregada de um significado que fez o ambiente parecer gelar por um instante. Aurora, até então imóvel em seu canto habitual, levou a mão à boca e começou a roer as unhas em um gesto abrupto e ansioso, antes de se encolher ainda mais, envolvendo os braços em volta das pernas como se tentasse se tornar menor, menos visível.
— Nós limpamos esses lugares — Víctor encostou-se na cadeira, que rangeu sob seu peso como um aviso. — Ou, mais precisamente, nós fechamos as “portas” que não deveriam ter sido abertas.
Calli sentiu Asharoth agitar-se em suas veias, uma sensação repugnante de larva rastejando sob sua pele, como se a mera menção desses lugares despertasse algo adormecido dentro dele. Ele sabia exatamente do que Víctor falava.
Lembrava-se perfeitamente daquele verão abafado, anos atrás, quando os noticiários locais haviam falado sobre três crianças que entraram em uma casa abandonada na periferia da cidade e apenas duas saíram. Os repórteres nunca deram explicações satisfatórias, e o caso desapareceu das manchetes em uma semana.
“Isso faz sentido…” pensou Calli, com os dedos contraindo involuntariamente.
— Certo… Mas como fazemos isso? — perguntou, cruzando os braços. Apesar de tudo o que vira, ainda se sentia como um intruso ali, uma pessoa comum diante de indivíduos que claramente operavam em um nível diferente.
— Ah, certo — Víctor esboçou um sorriso que não chegou aos olhos. — Eu me esqueci disso. Você ainda não recebeu nenhum artefato. Venha comigo.
Ele se levantou com movimentos deliberados e caminhou até uma parede aparentemente comum, sem nenhuma característica distintiva. Calli observou, intrigado, enquanto seu pensamento se formava:
“Nunca pensei que aqui dentro poderia ter outra daquelas portas ilusóri—”
Antes que sequer concluísse o pensamento, Víctor cerrou o punho e desferiu um soco seco contra a parede. O impacto soou como um trovão abafado, e para surpresa de Calli, a parede cedeu como se fosse feita de papelão, despedaçando-se em uma explosão de gesso e poeira. Víctor pareceu ter usado pouca força, como se a parede já estivesse prestes a desmoronar. Ele sacudiu as mangas do paletó, limpando o pó com pequenos tapas precisos, e seguiu adiante, pisando sobre os escombros sem hesitar.
Calli ficou paralisado por um instante, os olhos arregalados.
“Que porra foi essa…”
A poeira ainda pairando no ar e fez com que ele tapasse as narinas instintivamente antes de seguir Víctor, hesitante, através da abertura recém-criada. O que quer que estivesse do outro lado, estava prestes a descobrir — e algo lhe dizia que nada naquela sala seria tão simples quanto uma parede que se despedaçava com um soco.
A parede não havia sido apenas destruída — ela desmoronara sobre uma espécie de vazio.
O que se estendia à frente não era um cômodo escondido, mas um corredor estreito e infinito, suas paredes revestidas por um material que parecia absorver a luz, um negro tão profundo que doía aos olhos.
O chão, entretanto, brilhava com um padrão intrincado de linhas fosforescentes, desenhando símbolos que se contorciam como serpentes quando Calli tentava focar neles. O ar era frio e carregado de um cheiro metálico, como sangue seco em lâmina de ferro.
Víctor já estava alguns passos à frente, sua silhueta distorcida pela escuridão que parecia respirar ao seu redor.
— Não fique para trás — disse ele, sem se virar. A voz dele ecoou de maneira estranha, como se saísse de várias direções ao mesmo tempo.
Calli engoliu seco. Cada fibra do seu corpo gritava para voltar, mas Asharoth puxava ele para frente, uma corrente quente e repugnante enrolada em suas entranhas. Ele deu o primeiro passo.
O corredor reagiu.
As linhas no chão pulsaram, e de repente, as paredes se revelaram cobertas de armas. Não armas comuns — não facas, pistolas ou espadas que ele reconhecesse. Havia adagas com lâminas feitas de sombra sólida, revólveres cujos canos pareciam entalhados com dentes minúsculos, chicotes que se moviam levemente, como se fossem tentáculos adormecidos. E acima de tudo, uma aura de fome emanava delas, como se cada objeto estivesse apenas esperando para ser usado, para morder.
— O Arsenal — anunciou Víctor, abrindo os braços. — Ou, como Alice gosta de chamar, o “Quarto dos Brinquedos Proibidos”.
Calli não conseguia tirar os olhos de uma máscara pendurada em um gancho baixo. Ela era branca, lisa demais, sem orifícios para os olhos ou boca — mas ele sabia, de algum modo, que se a colocasse, ela se adaptaria.
— Isso tudo é… — ele começou, mas as palavras morreram em sua garganta quando seus olhos encontraram a coisa no final do corredor.
Era uma espada.
Ou pelo menos parecia uma espada.
Ela estava cravada em um bloco de pedra negra, sua lâmina feita de um material que não refletia luz, apenas a devorava. O cabo, entretanto, era envolto por uma substância que lembrava carne mumificada, veias secas entrelaçadas como raízes. E mesmo a metros de distância, Calli podia ouvir — não com seus ouvidos, mas dentro da sua cabeça — um murmúrio constante, como se a arma estivesse falando em uma língua esquecida.
Víctor seguiu seu olhar e sorriu, desta vez com genuíno prazer.
— Ah. Você tem olhos bons. — Ele caminhou até a espada e passou os dedos a centímetros do cabo, sem o tocar. — Ela é um pouco… difícil de manusear. A última pessoa que tentou a hospedar, se perdeu nas estranhezas do mundo. Literalmente.
Calli sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
— E você quer que eu… pegue uma dessas coisas?
Víctor riu, um som áspero que ecoou como um rasgo no silêncio do corredor.
— Garoto, você não pega nada aqui. — Ele se virou, e pela primeira vez, seus olhos pareciam realmente focar em Calli, invés de o analisá-lo, com uma intensidade que doía. — Os artefatos escolhem, com quem irão assimilar. E pelo jeito… — Ele olhou para a espada, depois de volta para Calli, com o sorriso se alargando. — Algo já está interessado em você.
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