Índice de Capítulo

    Olá, segue a Central de Ajuda ao Leitor Lendário, também conhecida como C.A.L.L! Aqui, deixarei registradas dicas para melhor entendimento da leitura: 

    Travessão ( — ), é a indicação de diálogos entre os personagens ou eles mesmos;
    Aspas com itálico ( “” ), indicam pensamentos do personagem central em seu POV;
    Aspas finas ( ‘’ ), servem para o entendimento de falas internas dentro da mente do personagem central do POV, mas não significa que é um pensamento dele mesmo;
    Itálico no texto, indica onomatopeias, palavras-chave para subverter um conceito, dentre outras possíveis utilidades;
    Colchetes ( [] ), serão utilizados para as mais diversas finalidades, seja no telefone, televisão, etc;
    Por fim, não esqueça, se divirta, seja feliz e que os mistérios lhe acompanhem!

    Calli segurava o cinto de segurança com uma força que faria um lutador de judô corar. Seus dedos estavam brancos de tanto pressionar o tecido, as articulações travadas em um aperto mortal, como se aquele pedaço de náilon fosse o único elo entre ele e a sobrevivência. Seus olhos, arregalados como pratos, refletiam cada movimento brusco do carro, cada solavanco, cada curva feita com uma precisão que beirava o suicida.  

    O motor rugia como um animal enjaulado, as rodas cantando no asfalto sempre que Thalya decidia que as leis da física eram meras sugestões. O cheiro de borracha queimada e gasolina barata enchia o interior do carro, misturando-se ao perfume adocicado que Thalya insistia em usar — algo com notas de frutas tropicais e, inexplicavelmente, pólvora.  

    E a música.

    Deus, a música.

    Algo estridente, pulsante, com batidas que pareciam martelar diretamente no crânio de Calli. Ele não tinha certeza do idioma — crioulo haitiano, talvez? —, mas as vozes gritavam em um frenesi que combinava perfeitamente com a direção de Thalya. Os graves faziam os vidros tremerem, os agudos cortavam como facas, e no meio daquela cacofonia, Thalya cantarolava, desafinada e sem pudor, como se estivesse em um karaokê e não no meio de uma via movimentada.  

    — Dança também, Calli! Aproveita que isso é só uma vez! — ela gritou, soltando o volante por um segundo terrível para bater palmas no ritmo da música, os quadris se mexendo no banco como se estivesse em uma balada, não em um carro a cento e vinte por hora.  

    Calli engoliu em seco.

    — O carro, Thalya, o carro! — Sua voz saiu mais aguda do que ele gostaria, quase um guincho. Seus olhos esbugalharam quando o veículo ao lado buzinou furioso, quase raspando na lateral do Destruidor de Demônios. Ele apertou o cinto ainda mais, como se pudesse se fundir com o assento, seus músculos travados em um estado de puro terror.  

    Thalya riu, uma risada livre e despreocupada, como se não houvesse nada de errado em quase causar um acidente a cada três segundos.

    — Relaxa, eu tenho reflexos sobrenaturais! — anunciou Thalya, como se isso fosse um consolo.  

    Calli não estava relaxado.

    Ele estava contemplando seriamente a ideia de pular do carro em movimento.

    O cenário lá fora era um borrão — postes, placas, outros carros, tudo se misturava em uma mancha de cores que passava rápido demais para seu cérebro processar. Seu estômago fazia acrobacias, subindo até a garganta a cada freada brusca, e ele jurou que sentiu o carro levantar levemente em uma curva especialmente perigosa.  

    — Você vai matar a gente antes de chegarmos lá! — gritou, agora agarrando não só o cinto, mas também a alça de apoio no teto, seus nós dos dedos brancos.  

    Thalya só deu de ombros, girando o volante com uma mão enquanto a outra ajustava o rádio para aumentar o volume.  

    — Morrer num acidente de carro não seria tão ruim! Pelo menos seria rápido! — respondeu, como se estivesse falando do clima.  

    Calli fechou os olhos e rezou para qualquer divindade que estivesse ouvindo.

    Ele não sobreviveria a essa viagem.

    O carro mal havia parado completamente quando Calli se arremessou pela porta aberta e se projetou para fora, seus pés encontrando o solo irregular do estacionamento abandonado com um impacto que ecoou por todo seu corpo ainda tenso. Ele mal conseguiu dar três passos antes de se dobrar ao meio, as mãos pressionando contra os joelhos enquanto seu estômago se contraía violentamente. 

    Uma onda ácida subiu por sua garganta, e antes que pudesse sequer tentar se controlar, todo o conteúdo de seu estômago jorrou em um arco desesperado, espalhando-se sobre as ervas daninhas e pedras que cresciam à base de um muro rachado.

    O líquido espumoso respingou contra uma velha lata de refrigerante enferrujada, produzindo um som úmido e metálico que parecia ecoar no silêncio do local abandonado. Gotas penduravam nas folhas de um arbusto moribundo, brilhando fracamente à luz do pôr-do-sol como pequenos diamantes de miséria. 

    Calli cuspiu repetidamente, tentando limpar o gosto amargo e metálico que cobria sua língua, enquanto pensamentos caóticos giravam em sua mente.

    “Eu quase morri… Não, eu tenho certeza que eu morreria… Aquela curva no viaduto… Quando ela quase bateu naquele caminhão… Meu Deus, o caminhão… Como diabos passamos por baixo daquela barreira levantando só dois centímetros…?”

    Seus dedos tremiam enquanto se apoiavam no muro frio, as unhas arranhando levemente a superfície áspera do concreto. A respiração vinha em pausas curtas e irregulares, seu peito subindo e descendo como um fole descontrolado. O suor frio escorria por suas têmporas, misturando-se às lágrimas involuntárias que acessos de náusea haviam trazido aos seus olhos.

    Thalya apareceu ao seu lado com passos despreocupados, suas botas esmagando gravetos secos com estalidos satisfatórios. Ela deu alguns tapinhas nas costas de Calli com uma força que fazia seus dentes baterem, cada impacto ecoando através de seu corpo exausto.

    — Vamos, isso não foi nada ainda — disse ela, sua voz carregada de uma energia que contrastava brutalmente com o estado lastimável de Calli. Seus olhos brilhavam com antecipação, como se tivessem acabado de sair de um passeio no parque e não de uma tentativa de homicídio veicular.

    Calli engoliu com dificuldade, limpando os vestígios de vômito na boca com um pedaço de papel arrancado de seu bloco de notas. O papel áspero arranhou seus lábios sensíveis, deixando um leve ardência. 

    Ele jogou o papel manchado longe, observando-o cair em um pequeno poço de água parada onde flutuavam folhas mortas e insetos afogados.

    — Óbvio que isso não foi nada para você! — Sua voz saiu rouca e quebrada, mas ganhando volume conforme a raiva substituía o enjoo. — Não era a sua vida que estava em perigo até agora! — Seus olhos, ainda vermelhos e lacrimejantes, encontraram os dela com uma intensidade que ele nem sabia ser capaz naquele estado.

    Mas então viu o sorriso dela. Aquele sorriso torto, quase predatório, que revelava os caninos ligeiramente mais afiados que o normal. 

    Uma expressão que dizia claramente que ela não apenas sabia exatamente o que havia feito, mas que tinha se divertido com cada segundo. Seu ânimo murchou instantaneamente, e ele desviou o olhar, fixando-o novamente no chão sujo.

    — Foi nada não, vamos — continuou Thalya, como se ele não tivesse falado nada. Ela se espreguiçou com um movimento fluido, seus braços se estendendo para cima enquanto a coluna se arqueava como a de um gato. — Temos que investigar isso logo, quero perder tanto tempo nisso não.

    Em um movimento hábil, ela tirou uma lanterna do bolso traseiro e a acendeu. O feixe de luz cortou a penumbra crescente, revelando partículas de poeira que dançavam no ar pesado. 

    O sol, agora um disco vermelho-sangue no horizonte, lançava suas últimas luzes fracas através das árvores esqueléticas que cercavam o prédio abandonado. Sombras alongadas se esticavam pelo chão, como dedos ossudos tentando agarrar seus tornozelos.

    Calli respirou fundo, sentindo o ar frio da noite que se aproximava queimar seus pulmões. O cheiro de mofo, urina de animal e algo mais doce e podre — talvez carne em decomposição — enchia suas narinas. 

    Ele olhou para o prédio à frente, suas janelas quebradas parecendo olhos vazios observando-os, e sentiu um novo tipo de náusea, desta vez não causada pela condução assassina de Thalya, mas pelo que sabia que os aguardava lá dentro.

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