Índice de Capítulo

    Olá, segue a Central de Ajuda ao Leitor Lendário, também conhecida como C.A.L.L! Aqui, deixarei registradas dicas para melhor entendimento da leitura: 

    Travessão ( — ), é a indicação de diálogos entre os personagens ou eles mesmos;
    Aspas com itálico ( “” ), indicam pensamentos do personagem central em seu POV;
    Aspas finas ( ‘’ ), servem para o entendimento de falas internas dentro da mente do personagem central do POV, mas não significa que é um pensamento dele mesmo;
    Itálico no texto, indica onomatopeias, palavras-chave para subverter um conceito, dentre outras possíveis utilidades;
    Colchetes ( [] ), serão utilizados para as mais diversas finalidades, seja no telefone, televisão, etc;
    Por fim, não esqueça, se divirta, seja feliz e que os mistérios lhe acompanhem!

    O ar esfriou subitamente, fazendo Calli estremecer quando o ar frio atingiu sua pele úmida de suor. Ele notou então que conseguia ver cada gotícula de condensação no copo que Víctor segurava, podia ouvir o zumbido quase imperceptível da lâmpada fluorescente acima dele, sentir o cheiro distinto de cada pessoa na sala — o amadeirado do uísque, o doce infantil de Aurora, o metal e pólvora que cercavam Kyan.

    — Os sentidos são os primeiros a mudar — continuou Víctor, como se tivesse lido seus pensamentos. — Depois vem a força. A resistência. A capacidade de se curar. — Ele apontou para a cicatriz no pescoço de Calli. — Isso aí deveria ter levado semanas para fechar. Você sarou em três horas.

    Calli fechou os olhos, tentando processar as informações. Parte dele queria negar tudo, acreditar que era apenas um pesadelo febril. Mas a dor era muito real, as memórias muito vívidas. E havia algo mais — uma pulsação estranha em suas veias, como se seu sangue agora carregasse uma segunda corrente, algo escuro e antigo que sussurrava em uma língua que ele quase conseguia entender.

    — E agora? — Ele finalmente perguntou, abrindo os olhos e encarando Víctor diretamente. — O que acontece quando e se isso sair de controle?

    Víctor trocou olhares com Kyan antes de responder, seu rosto sério. 

    — Aí nós vamos descobrir juntos. Porque você não é o único que teve um encontro ruim com a Vesúvia. — Ele ergueu a manga esquerda, revelando uma rede de veias negras semelhantes às de Calli, embora muito mais esparsas. — A diferença é que eu só respinguei na minha pele por pouco. Mas você… você tem isso correndo nas suas veias agora.

    Aurora, aparentemente cansada da conversa séria, puxou a mão de Calli com suas pequenas mãos ainda brilhando fracamente. 

    — Não fica triste, titio — disse com um sorriso que mostrava uma falta de dente na frente. — Agora você é especial, igual eu e o tio Víctor!

    Calli olhou para a criança, depois para Víctor, e finalmente para Kyan, que apenas levantou as sobrancelhas como quem diz: bem-vindo ao clube. Uma risada inesperada escapou de seus lábios, começando como um leve suspiro e crescendo até se tornar uma gargalhada rouca e sem humor.

    — Ótimo — disse entre uma risada e outra, ignorando a dor que ainda latejava em seu corpo. — Só o que faltava virar um experimento de laboratório sobrenatural.

    Víctor sorriu, desta vez com genuíno humor. — Pelo lado bom, agora você provavelmente pode beber tanto quanto eu e ainda ficar de pé. — Ele ergueu a garrafa de uísque em uma saudação irônica. — Quer testar?

    Kyan finalmente riu, o som quebrando a tensão na sala. Aurora pulou animada, seu cabelo prateado brilhando sob a luz.

    Calli observou o grupo à sua frente — Víctor com seu uísque e cicatrizes que contavam histórias nunca verbalizadas, Kyan com seu ar despretensioso que escondia uma mente afiada como navalha, e a pequena Aurora, cujos olhos brilhavam com uma luz que não pertencia a este mundo. Um sorriso genuíno surgiu em seus lábios, aliviando por um momento as linhas de tensão em seu rosto. 

    “Talvez nem todos eles sejam tão estranhos mesmo…”, pensou, sentindo um peso que não sabia que carregava começar a se dissipar.

    Mas a realidade prática logo se impôs. Calli ergueu o braço, estudando as veias negras que agora marcavam sua pele como rios de tinta em pergaminho. 

    — Certo… — começou, franzindo a testa, — mas como vou explicar isso em casa? “Oi James, seu irmão voltou de uma saída repentina de casa com um upgrade sobrenatural” não vai colar muito bem. — O tom era de brincadeira, mas a preocupação por trás era genuína.

    Enquanto falava, uma nova onda de dor latejante percorreu seu crânio, fazendo-o cerrar os dentes por um instante. Mas desta vez, diferente das anteriores, a dor trouxe clareza em seu rastro. Como se seu cérebro finalmente tivesse se ajustado à nova realidade, os sentidos aguçados que antes o sobrecarregavam agora se organizavam em uma percepção mais nítida do mundo ao redor. 

    Ele podia distinguir cada nuance do ambiente – o cheiro de desinfectante misturado com o aroma amadeirado do uísque, o zumbido quase imperceptível da fiação elétrica nas paredes, até mesmo o leve tremor nas mãos de Víctor que ninguém mais parecia notar.

    Com um movimento fluido que surpreendeu até a si mesmo, Calli se espreguiçou na cama, alongando músculos que minutos antes pareciam feitos de vidro. Ossos estalaram em satisfação enquanto ele se levantava, testando seu equilíbrio recém-descoberto. 

    — Uahhh! — O alongamento foi quase animal, seu corpo se contorcendo de um lado para o outro como um gato ao acordar. Cada movimento era uma descoberta – a facilidade com que seus músculos respondiam, a ausência da dor crônica no joelho que o acompanhava desde a adolescência.

    Ao se aproximar do grupo, seu olhar foi atraído para o canto mais escuro da sala. Thalya estava ali, praticamente fundida com as sombras, seus dedos longos enroscados em torno de um copo de líquido âmbar que tremeluzia fracamente na luz baixa. Seus olhos — normalmente cheios de loucura e animosidade — agora pareciam diferentes, carregando um peso que Calli nunca vira antes. A garota que sempre se mostrava implacável, inabalável, agora estava ali, escondida no canto como uma criança envergonhada.

    “Pelo visto, até ela consegue sentir tristeza em algum momento…” 

    A realização trouxe uma estranha satisfação a Calli, seguida imediatamente por uma pontada de culpa. Ele conhecia os riscos desse tipo de coisa tão bem quanto qualquer um deles. As decisões difíceis, os cálculos impossíveis onde qualquer escolha significava perdas. O sorriso que surgiu em seus lábios então era diferente — mais compreensivo, mais humano.

    Mais tarde, Calli se encontrou diante da porta de sua casa. As veias negras haviam recuado, pelo menos superficialmente, embora ele ainda pudesse sentir a presença estranha circulando em seu sangue, como um segundo pulso sob a pele. A chave girou na fechadura com uma suavidade que antes lhe escaparia.

    Dentro, a casa estava silenciosa, exceto pelo ronco suave que vinha do sofá. James, seu irmão mais novo, havia adormecido novamente esperando por ele, um livro de anatomia aberto no colo e a televisão ainda ligada em algum programa de culinária. Calli sorriu, pegando cuidadosamente um cobertor dobrado sobre a poltrona e cobrindo o irmão com movimentos suaves.

    Naquela noite, enquanto observava James dormir e ouvia o ruído familiar da cidade lá fora, Calli percebeu que sua vida agora existia em dois mundos. Um de monstros sem rosto e líquidos do pecado, outro de livros didáticos espalhados1 pela mesa com café e contas por pagar na geladeira. E de alguma forma, contra todas as probabilidades, ele ainda pertencia a ambos.

    Sentindo os olhos pesarem, Calli se deixou cair em sua própria cama, seu corpo ainda dolorido, mas incrivelmente vivo. Amanhã traria novas perguntas, novos desafios. Mas por agora, na quietude do apartamento que dividia com seu irmão, tudo que importava era o simples milagre de ainda estar ali — respirando, existindo, vivendo sua vida comum em meio ao extraordinário.

    1. Menino Calli estuda também viu![]
    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (4 votos)

    Nota