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    Capítulo 057 – A fé que nos une!

    A chama de todas aquelas fogueiras tremeluzia em uma onda de luz que deixou uma parte amarelada no meio da escuridão das terras mortas.

    Aquelas labaredas retorciam-se, projetando sombras inquietas no formato de todos os guerreiros que descansavam.

    Aaron pisoteou no solo sem vida e subiu uma poeira amarronzada, ele sentou em um tronco seco que havia sido tombado, a paladina passara na sua frente, andava cabisbaixa. Ele acenou.

    — Mariane, se sente melhor? — O loiro quebrou o silêncio, sua voz suave se dissipando no ar frio.

    — Aaron… Que faz aqui?

    A mulher desviou o olhar para ele, seu semblante parecia um pouco hesitante, ela parou de andar para a direção em que estava indo.

    — Percebi que você estava bem quieta… Bem mais que o comum. — Ele sorriu levemente, puxando seu manto claro para mais próximo do corpo.

    Ele bateu repetidas vezes no tronco seco, indicando que sua amiga poderia unir-se a ele. Em meio a um suspiro sem esperança, a paladina fez.

    Aaron estava próximo a uma das fogueiras, sua roupa encobria perfeitamente o seu corpo esguio. Seus cabelos amarelados estavam ligeiramente desgrenhados, balançando com o vento cortante.

    Assim que sua amiga sentara ele passou a encarar as chamas com um olhar perdido, ele estava cansado, tal como ela, tal como qualquer um ali.

    — Estou bem. — Ela respondeu.

    — Certeza? Digo… A paladina que conheci era tão energética e comunicativa, e te ver assim não é comum, mesmo te conhecendo há pouco tempo. — O nortenho sorriu.

    Em mais uma longa suspirada, a mulher o encarou com solenidade.

    — Ah… Na verdade, estou envergonhada. Eu não fui útil para o rei contra a batalha dos goblins, sinto-me um empecilho… Ele deve ter me contratado para o esquadrão por pena.

    A expressão dela suavizara um pouco, como se estivesse retirando um peso das costas. Mariane ajustava a placa da sua armadura, na qual recebia os reflexos alaranjados da fogueira. Seus longos cabelos castanhos balançavam levemente.

    O homem rapidamente torcera o nariz ao escutar, inclinando-se rapidamente para frente.

    — Não diga isso!

    Suas palavras não foram fortes, não impediram a mulher de abaixar o seu olhar e encarar as próprias mãos, apertando firmemente seus punhos, como uma raiva adormecida.

    — Eu sou uma decepção como paladina…

    A fogueira no qual esquentava ambos estalava com a lenha incandescente, era um som que acalmava, embora todos naquela planície estivesse completamente ansioso, estavam no colo do adversário, no berço inimigo.

    Mariane piscou surpresa, olhou para o lado e encarou Aaron, soltando uma risada baixa, balançando a cabeça negativamente.

    — Ora… Bom, se você, poderosa do jeito que é, considera-se uma decepção, eu seria um equívoco inteiro…

    — Como assim? — A mulher não parou de fitá-lo.

    O nortenho suspirou, fixou seus olhos no balançar caótico das chamas na madeira.

    — Sabe? De onde eu vim… Althavair, o reino branco. Lá é um local muito gélido, mas ainda assim… É um dos maiores berços do clero do mundo. Também é onde existe a Guilda dos Invocadores… O que eu sou.

    — Ah, verdade, Aaron, você é um invocador, não é isso? Eu nunca te vi invocar nada… Como funciona? — A paladina sorriu, divertindo-se um pouco com a sua curiosidade.

    E seu amigo riu.

    — Bom, as invocações vindas de nós invocadores são… Na verdade, réplicas de mana que criam um animal que age conforme a vontade do seu invocador. Há alguns invocadores tão poderosos que podem moldar a vida que querem recriar utilizando o mana, claro. Mas, acima de tudo, são criaturas ocas e sem alma. Não difere do mana gasto em uma bola de fogo, por exemplo… Mas seria um mana que teria focinho e pelos.

    — Que fofo! Isso seria… A grande semelhança entre os invocadores e nós, do clero. É a utilização do mana branco, entregue a nós pelo poder da fé.

    O mana branco é designado para magias que atuem em prol da vida. Quando um clérigo utiliza imposição de mãos em um corte, ele acelera o processo de cicatrização, que, o que levaria semanas ou meses para sarar completamente, leva apenas alguns minutos.

    Sacerdotes mais experientes conseguem aperfeiçoar a utilização do seu mana branco, abençoando não apenas as pessoas ao seu redor, como armas, plantações, animais. Enviando bons presságios e bondade onde passam.

    Já invocadores, não possuem o mesmo talento quando o assunto seria curar alguém, ou utilizar suas energias para magias voltadas para o suporte. Mas sim, canalizam o mana da vida para gerar uma réplica mágica de uma criatura.

    — A fé pela vida… Fomos agraciados com o mana branco por termos fé pela vida — concluiu Aaron.

    — Mas eu ainda não entendo por que você se considera um fracassado, amigo. — Ela assentiu, mas seu olhar continuava bastante curioso.

    O frio estava agindo como um predador invisível, ele procurava por brechas e dançava entre os corpos dos soldados acampados.

    Sussurrava como um demônio através do vento ingrato que arrastava consigo o cheiro de enxofre e terra infértil. O exército real, que era tão extenso quanto um oceano, estava espalhado em um mar de tendas de tecido áspero com estandartes do governo tribal. Todos sofriam igualmente com aquela sensação térmica do mais profundo gelo.

    O invocador abaixara a cabeça, suspirando em descontentamento.

    — Mariane… A arte da invocação é o caminho da magia mais ingrato que existe. Muitos estudam por mais de décadas para conseguir invocar um pequenino ser sequer. Muitos ainda passam a vida toda e morrem sem ter a conquista de invocar algo… É diferente de um mago, por exemplo, que estuda tanto, mas tanto, que a partir do conhecimento consegue conjurar algo… Invocadores estudam e praticam sem descanso algum, mas ainda assim, é um talento tão único e raro… Nem todos têm êxito. Por isso, eu estou usando essa espada. — Ele apontou para a bainha. — E é por isso que fui embora de Althavair.

    O silêncio que seguiu definiu a seriedade do assunto.

    A paladina repousou a mão dela sob o ombro do homem, sorriu com uma expressão de ternura.

    — Você foi embora… E veio para Sihêon por conta disso?

    — Sim, eu era uma vergonha… Não apenas para mim, mas para minha família, minha guilda… Enfim, por ano, acredito que apenas dois invocadores realmente capazes devem acabar se alistando. Eu, pelo visto, não fui um deles.

    Antes mesmo que Mariane pudesse responder, uma nova figura surgiu das sombras, aproximando-se da fogueira. Era a necromante de cabelos cobre. Kassandra olhou para ambos com um ar direto.

    — Estamos organizando quem vai ficar com as primeiras patrulhas de vigia esta noite. Vocês pretendem?

    Ela ajeitou o manto negro.

    — Podem dormir se desejarem, também, somos muitos.

    — Bom, estou sem sono no momento, então, por mim, tudo bem. Aaron, você me acompanharia?

    A paladina piscou para o homem, que ergueu o olhar e sorriu de leve.

    — É claro que sim!

    Kassandra encarou a interação, assentiu com a cabeça e se despediu, deixando-os sozinhos novamente.

    Os dois seriam os únicos do esquadrão que permaneceriam despertos naquela noite.

    Mariane retornou sua atenção para o invocador, com uma metade de um sorriso.

    — Está com medo, invocador? Dos zumbis que estão no centro desse lugar?

    E o homem soltou uma risada nervosa.

    — Muito! Muito medo mesmo, e você?

    A paladina se sentiu bem, o invocador não era como a maioria das pessoas que ela conheceu. Ele não tinha vergonha de dizer seus defeitos ou o que assustava. Ela trombou diversos membros do clero ou guerreiros que mentiam não temer nada. Aaron temia tudo!

    Ela permaneceu com o seu sorriso, que ficou mais sincero no momento em que passava.

    — Um pouco de medo também… Devo dizer. Mas nós somos usuários de mana branco, conseguimos repelir mortos-vivos com a nossa fé.

    — Eu… Eu não sei fazer isso, Mariane. — Aaron desviara o olhar, com um tom de voz cheio de incerteza.

    Ela riu, dando tapas amigáveis no ombro que ainda repousava a mão.

    — Então fique próximo de mim e eu cuidarei de você!

    Os olhos do invocador brilharam e ele se deixou relaxar, sorrindo com os olhos fechados.

    — Sim, senhora!

    — Ei… Não precisa me tratar assim, somos amigos, não é? — Dissera a paladina enquanto bagunçava o cabelo do nortenho com a sua mão esquerda.

    A expressão dele reluzia uma gratidão tão inocente, que acalentava muito mais o coração de ambos que a chama da fogueira que estava próxima.

    — Somos, somos sim.

    Ambos faziam parte da parcela de soldados que ficaria dormindo nesse primeiro turno, observavam tudo ao redor.

    Era difícil reconhecer o que poderia ser um perigo em potencial por conta do breu, isso deixava todos ansiosos.

    Pensavam que, se por um acaso não conseguissem ver além, só perceberiam o perigo quando fosse tarde demais: assim que ele atingisse a luz das tochas e fogueiras.

    Mas Aaron, acima de tudo, estava tranquilo, Mariane era uma mulher admirável e ele se sentia bem ao lado dela. Por mais que ele fosse um poço de medo, havia uma sensação de segurança por estar ao lado da paladina.

    A calma de que talvez ele precisasse há muito.

    Um pequeno lar dentro de Sihêon.


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