Capítulo 12: Santo da Verdade
Em cima de uma colina no meio de lugar nenhum, uma grande cabana de madeira de mogno, envelhecida, antiga, mofada, com as janelas com seus vidros rachados e telhas quebradas, mas cheia de traços que mostravam que ali residiam pessoas.
A grama em volta pisada, na forma de uma pequena trilha até as escadas que levavam a varanda, um pequeno jardim, que mesmo depois de anos de cuidados extensivos nunca brotou, ferramentas sujas e gastas pelos anos de uso, espadas, bonecos e brinquedos talhados em madeira para que uma criança brincasse.
Essa cabana estava muito além das fronteiras do Império da Verdade e da República de Malus. Estava além até mesmo do continente de Calicies, muitos mares depois dos portos de Noxfra. Muito além de onde os navios voadores de Merviki podem alcançar. Desconhecido até mesmo pelos estudiosos de Twr.
Estava em alguma parte do continente esquecido pelos deuses, e que agora, nunca será lembrado, já que eles estão mortos.
Longe da civilização, essa cabana estava escondida da maldade da humanidade, entretanto, em seu interior ainda residia um humano tão vil e astuto como os outros e seu filho, que ainda não tinha sido tocado pela maldade da sociedade.
— Me perdoe, meu filho, me perdoe por favor! — Disse aquele homem, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto — Tem que ser feito, o mundo precisa mudar… mas não é justo conosco, não é!
Alheio das lágrimas e lamúrias de seu pai, um menino brincava sozinho em seu quarto, com seus diversos bonecos, talhados de forma tão amadora, mas que carregavam todo o amor que seu pai tinha por ele.
— A culpa é deles! Como deuses podem se afogar?! Como ousam forçar nossas mãos a começar de novo, a acabar com tudo… milênios, eras. Valeu a pena para eles, apostar tudo dessa forma… Me responde!
Ele jogou o copo vazio que estava em sua mão na parede ao seu lado. Estilhaços de vidro se espalharam por todo quarto, alguns penetraram sua pele levemente, mas logo as feridas se fecharam, e o sangue, como uma cobra, rastejou de volta para o corpo, seu filho não conseguia ouvi-lo, apenas sentia pequenos tremores viajando pelo piso frágil abaixo dos seus pés.
— Me responde Dália… Me dê um motivo, porque sem um, eu não consigo fazer isso.
E mesmo sozinho naquele quarto, ele recebeu sua resposta. Vinha de algum lugar distante, longínquo. Vinha de muito além da sua alma, ressoava e vibrava através do seu corpo e as palavras que não queria ouvir e uma voz que queria esquecer saíram de sua boca.
— Você nasceu com um propósito. Todos o alertaram que caso você tenha um filho, seu propósito, seu fardo, seria colocado nos ombros da criança. Cumpra sua parte do acordo, o que você fizer com sua vida depois não nos importa. E tenha em mente que se você não fizer, nós faremos do nosso jeito.
O controle sobre seu corpo voltou, e junto, veio um arrepio que subiu por sua espinha, e atravessou todo seu corpo.
O homem, chorando inconsolável, se dirigiu a uma mesa, puxou uma cadeira e sentou. Encarou uma foto de sua família. Ele mesmo, alto, cabelos loiros e de pele clara, com os braços cobertos de tatuagens com desenhos impossíveis. Runas, linhas e curvas que insultavam a geometria, em seguida de dezenas palavras em línguas que nem ele se lembrava de como lê-las.
Abraçava a cintura de uma mulher de pele escura, amendoada e doce como mel. Que tinha longos cabelos lisos, prateados e metálicos, reluzentes. Como diversos fios de aço entrelaçados, presos em uma única trança.
Ela sorria de orelha a orelha, com o mais genuíno e alegre dos sorrisos , segurando em seus braços um recém nascido, que por sorte, e muitas orações silenciosas do pai, veio ao mundo igual à sua mãe.
O menino tinha os mesmos olhos cor esmeralda, pele banhada por mel e o cabelo metálico da mãe. A única coisa que o remetia ao homem loiro ao seu lado, eram as tatuagens em seus finos bracinhos, que eram idênticas a de seu pai.
O homem acariciava a foto com muito carinho. Ele sentia falta de sua esposa. Ele sentia falta de quando podia fingir ter uma família feliz. Mas agora a ilusão tinha acabado e a realidade o atingiu onde mais doía, tiraria dele seu bem mais precioso, seu próprio filho.
Abrindo uma gaveta em sua mesa, o homem tirou dela um revólver antigo, feito de mármore e ouro, com runas antigas cobrindo toda sua superfície e interior. Pegou também 2 balas, feitas de um material mais escuro que a noite, tão escuro parecia não existir, como um buraco na superfície em que fora colocado.
Ele abriu o tambor com calma, colocou as balas devagar, com cuidado, uma a uma, como se tivessem nomes, histórias e vontades. Elas não tinham, mas estavam destinadas a apagar nomes, finalizar histórias e destruir as vontades de quem acertar.
Com um click, fechou o tambor, tremendo como uma árvore em uma ventania, chorando mares inteiros de lágrimas salgadas, ranho escorria pelo seu rosto, seus soluços tão altos que assustava diversos animais próximos. Se levantou sem pressa, caminhou vagarosamente até a porta, com passos pesados que tremiam toda a casa, deixando um rastro de lágrimas onde passava, mal tinha força para rodar a maçaneta.
Chegou ao quarto do filho, onde a criança o recebeu com o sorriso mais lindo que já tinha visto, era o mesmo sorriso que sua esposa lhe dava. O menino correu para abraçar sua perna, levantando os braços pedindo colo para seu pai.
Segurando seu filho em seus braços, o homem acariciou sua cabeça, encheu seu rosto de beijos, e firmou sua testa contra de seu filho, sentindo seu calor pela última vez.
O menino agora preocupado, afastou um pouco o braço do seu pai, e com os braços soltos, perguntou em libras:
— Está tudo bem papai?
O homem o abraçou com força mais uma vez. E então, com sua mão livre, respondeu.
— Está sim filho, eu te amo muito. Mais do que qualquer outra pessoa amou.
A criança em resposta abraçou seu pai, devolvendo o aperto.
O homem deu-lhe um último beijo na testa, o segurou com todo amor, orgulho que um pai pode ter e então puxou o gatilho.
Nem um segundo depois, outro tiro ecoou pela floresta que os cercava.
Naquele dia o Santo da verdade morreu, e a verdadeira mentira, desilusão e enganação foi derramada sobre o mundo mundo.
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