Capítulo 09 - Luz e Gelo
THERMON AGOURO
Assustador!
O poder bruto que emanava de Alvo era sufocante.
Quando ele apareceu diante de mim, congelei toda a área por reflexo, tentando evitar a morte certa.
Todos num raio de cem metros foram mantidos no mesmo lugar pela minha magia, mas Alvo continuou se mexendo como se nada o impedisse. Ele mirava o pescoço de Altimanus, com a mão direita em formato de lança.
Gerei um pilar de gelo aos pés do elfo, o arremessando a mais de trinta metros de altura. O escolhido humano errou o golpe por pouco, acertando o pilar enquanto este emergia do chão. Um rasgo enorme foi feito no obelisco recém criado.
No ar, o rei elfo fechou os olhos e uniu ambas as mãos, criando um redemoinho em volta de seu corpo, que o fez pairar sobre nossas cabeças, longe do alcance de Alvo.
— SOLDADOS DA FLORESTA, ATAQUEM O ACAMPAMENTO DOS HUMANOS! THERMON, DAREI COBERTURA COM MINHA GUARDA PESSOAL!
Com as ordens do rei, centenas de elfos, escondidos no entorno da clareira, foram em direção ao acampamento dos humanos. Eles gritavam em uníssono.
Cerca de dez elfos com armaduras escuras saíram das árvores mais próximas de mim, com arcos levantados. Identifiquei este grupo como a guarda pessoal de Altimanus. Eram os mesmos que tentaram protegê-lo na minha primeira noite no castelo élfico.
Alvo observou tudo, desde a subida do pilar, até o começo do ataque dos soldados élficos, então deu apenas uma ordem, com um grito ensurdecedor:
— DEFENDAM O ACAMPAMENTO! NENHUM OPONENTE DEVE CHEGAR PERTO DOS REFÉNS!
No instante em que a primeira magia dos elfos iria colidir com o acampamento humano, paredes de terra subiram e protegeram as fileiras. Após a primeira investida élfica ter sido repelida pelas barreiras, os soldados humanos especializados em combate a curta distância se prepararam para proteger as trincheiras contra qualquer inimigo que chegasse perto do acampamento.
Diante do massacre iminente, ignorei Alvo e foquei toda minha atenção na área em volta dos humanos. Fechei meus olhos, me concentrando, e criei uma redoma enorme de gelo espesso, como um iglu gigante, protegendo ambos os lados da contenda.
Alvo focou em meus olhos quando me virei para ele. A expressão do humano demonstrava dúvida. Ele pendeu a cabeça para o lado direito e indagou:
— O que faz aqui, elfo-de-gelo? Não busca o enfrentamento direto e protege ambas as partes… Não entendo sua presença neste campo de batalha.
— Vejo que não sabe nada sobre nossa raça, “escolhido da energia”. Não aceitamos a morte tão bem a ponto de deixar vocês jogarem suas vidas no lixo sem motivos!
Ele ponderou por um segundo e falou:
— Em respeito ao que fez para proteger meus homens, volto com a minha proposta inicial. Quero a cabeça do Altimanus e isso tudo acaba!
— Vidas não serão moeda de troca em minha presença, humano!
Os pés dele estavam afundados na lama e usei isso ao meu favor. Congelei tudo à sua volta, usando ainda mais da umidade direcionada ao redor de suas pernas, tentando ganhar algum tempo.
Dessa vez o ataque pareceu fazer mais efeito. Alvo ficou completamente imobilizado. Gelo cobria até o topo de sua cabeça num caixão sólido, com temperaturas centenas de graus negativos. Os guardas do rei formavam um círculo ao redor do bloco de gelo, a cerca de quinze metros de distância. Todos com arcos mirando o coração do humano.
O vapor d’água começou a sair do bloco de gelo com a força da aura do nosso oponente. A prisão gelada derreteu em poucos segundos, expondo Alvo para os ataques dos guardas do rei.
Flechas precisas seguiram em direção ao tórax de Alvo, que aumentou a intensidade de sua defesa, vaporizando os projéteis muito antes de se aproximarem de sua pele.
Foi a vez dele atacar. Toda sua atenção estava em mim. Eu precisava agir.
Criei outro pilar de gelo, dessa vez para que eu fosse arremessado para trás, num ângulo de trinta graus. O golpe de Alvo mirou a base do pilar recém criado, que despedaçou a menos de dois metros do solo.
Com o pilar destruído não fui arremessado longe o suficiente. Alvo se aproximou com facilidade. Precisei mudar de estratégia. Gelo não era tão bom para me defender dele, pois demorava um pouco para ser gerado.
Criei cinco esferas de água giratória, com o dobro do meu tamanho, e arremessei uma após a outra na direção dele. Apenas a terceira o acertou, jogando-o dezenas de metros para trás. Obviamente fiz isso para ganhar tempo, pois este ataque não seria suficiente para machucá-lo.
Alvo parou cerca de quarenta metros de distância de mim, ajoelhado. Os guardas do rei, novamente, usaram a janela de oportunidade que criei, e atiraram mais uma saraivada de flechas. Mas, dessa vez, algo estranho aconteceu… Uma flecha. Uma pequena flecha perfurou as defesas do humano, atravessando sua panturrilha esquerda. Percebi que havia sido a única flecha que não fora atirada contra o peito de Alvo.
— Como isso é possível? — Indagou o humano, olhando para a flecha enfiada em sua carne.
O ar ficou ainda mais pesado com a raiva de Alvo. Ele continuou:
— Todos aqueles elfos que enviou para morte foram para isso, Altimanus? Uma flechada? — Neste momento, Alvo olhou diretamente para o rei que tentava fugir. — Não pense que tem como escapar, velhote! Eu sentiria sua aura nojenta a quilômetros daqui!
Eu não tinha prestado atenção em Altimanus até aquele instante. Ele havia descido de seu redemoinho e corria em direção à floresta.
Meu oponente abaixou, quebrou a flecha, deixando parte dela ainda dentro de sua perna. Ele não parecia se importar com isso.
— Infelizmente, para vocês, machucados como este não acontecerão novamente… — Declarou Alvo, olhando para os dez guardas-reais a sua volta.
— Thermon, por favor, não fique apenas na defensiva. Ataque-o! — Suplicou o rei enquanto continuava a correr em direção à floresta, pateticamente.
Eu só estava tentando evitar mortes; não queria fazer parte daquilo. Infelizmente, não seria simples convencer a todos a viverem em paz apenas com discursos motivacionais. Pelo menos Alvo precisava ser parado.
— Humano, posso não ser tão forte quanto você, mas não estou sozinho! Pare com suas investidas ou terei que mudar minha postura nesse embate!
Enquanto eu dizia isso, cobri meu corpo com camadas e mais camadas de gelo, que brilhavam com uma coloração esbranquiçada fantasmagórica. Pouco tempo depois, uma armadura gélida cobria meu corpo, deixando apenas articulações livres, para que eu pudesse me mover.
— Oh, então você vai ficar sério? Farei o mesmo! Segunda forma da aura protetora! — A voz que saiu de sua garganta parecia ecoar dentro da minha cabeça, vibrando.
O escolhido humano reativou sua aura, mas estava muito mais densa e ofuscante que anteriormente. Seus olhos brilhavam ainda mais, dando um ar divino à sua aparência atual. Eu não conseguia olhá-lo diretamente por muito tempo. Era parecido com tentar encarar o sol, após sair de uma caverna escura.
A armadura que criei não foi feita para um embate direto, mas sim para me proteger de ataques repentinos. Se ela me concedesse apenas um instante de proteção contra os ataques de Alvo, já seria o suficiente para que eu pudesse escapar.
A guarda do rei percebeu que não tinha o que fazer naquela situação e começaram a recuar, se afastando o máximo que podiam.
Minha redoma de gelo ainda mantinha humanos e elfos separados. A quantidade de gelo e mana que usei para sustentar essa estrutura era tão grande que nenhum dos lados conseguiria transpô-la em menos de dois ciclos — mais do que o tempo necessário para resolvermos essa disputa.
— Última chance, azulzinho. Me deixe acabar com o rei medroso e terminamos com esta luta por aqui — a aura dele não vacilou em momento algum, mostrando que poderia manter este estado pelo tempo que precisasse. Eu estava em terrível desvantagem.
— Darei um jeito em você, nem que use minha vida para isso!
Tomei a iniciativa. Saltei para o lado, usando um pilar recém criado como apoio. Durante o meu movimento criei estacas de gelo condensado que saiam do chão e miravam o peito de Alvo. Ele preferiu desviar ao tentar a sorte de bloqueá-los. Foi uma sábia escolha. Mostrou o quão experiente era.
Mantive a distância e a ofensiva. Cada movimento que eu fazia começava e terminava com mais estacas emergindo do chão, mirando as partes vitais de meu oponente.
Cerca de três espaços de tempo depois, enquanto ele desviava e eu criava novas estacas, Alvo percebeu meu plano. Cada estaca, cada finta, era para colocá-lo dentro de um labirinto estreito e cheio de protuberâncias, dificultando o seu movimento e facilitando meus próximos ataques.
Antes que ele pudesse reagir ao meu plano, o executei.
De cada estaca que o rodeava, do ar e do chão, fiz emergir novas estacas, mais finas, rápidas e resistentes que as outras. Era um ataque que drenava quase toda minha mana, portanto eu estaria em maus lençóis se falhasse.
Mesmo com sua esquiva sobre-humana, ele só conseguiu evitar que os órgãos vitais fossem perfurados. Quinze estacas de gelo, de mais de vinte centímetros cada, o perfuraram em vários pontos de seus braços, pernas e costas.
Ele saltou para trás, saindo de meu labirinto.
Todo ensanguentado, ele aumentou o poder de sua aura, ainda mais, e o gelo que o perfurou vaporizou depois de chiar por um tempo. Sua aura voltou a um nível inicial e ele disse:
— Impressionante, Thermon. Não me machuco em uma batalha real há quase uma década… Parte disso deve ser porque nunca tive a sorte de enfrentar outro escolhido. Mesmo com a situação ruim em que me encontro, estou animado!
“Você não está em uma situação ruim, mentiroso!”, pensei. Para ele aqueles machucados eram como arranhões. Nenhum dos pontos feridos pingavam sangue, mostrando que ele conseguiu evitar até mesmo artérias enquanto se defendia. Parte de mim acredita que ele se deixou ser acertado.
— Posso continuar com isso por dias, Alvo — menti. — Esqueça essa vingança e nem você, nem seus soldados, se machucam!
— Será mesmo que pode continuar..? Minha vez!
A aura que ele havia enfraquecido voltou a ser cegante e poderosa. Alvo imediatamente avançou em minha direção.
Como eu poderia continuar enfrentando ele, se tudo o que consigo fazer é me manter afastado, arremessando gelo e água que mal o machucam?” pensei, enquanto começava a ofegar. Nessa batalha de resistência, eu certamente estava perdendo.
“Preciso seguir com o plano do Alti, não tenho escolha!”, decidi, irritado.
Quando Alvo estava prestes a me alcançar, fiz o que combinei com o rei Elfo e criei uma parede de gelo com cinquenta metros de largura, cinquenta de altura e pelo menos cinco de espessura, entre eu e meu oponente.
Isso apenas o atrasou, ele rapidamente deu a volta e já estava avançando em minha direção novamente.
Continuei com o plano. Após tomar mais distância, criei outra muralha, idêntica à primeira. Segui com esta estratégia mais duas vezes, quando Alvo percebeu o que estava acontecendo.
Ele estava preso, dentro de uma caixa de gelo alta e espessa. A ideia não era contê-lo, e sim nos proteger do que estava por vir.
Executar este plano era cansativo e minhas reservas de mana estavam no limite. Eu só conseguiria executar um último movimento forte o suficiente para causar algum efeito em Alvo, então eu precisava ter cuidado com qual seria.
De dentro da enorme caixa, Alvo não parecia impressionado. Ele disse:
— Me atraiu para este forte de gelo, interessante… E depois, vai fazer chover de novo? Eu posso sair daqui em um simples salt-
Ele se calou, visivelmente espantado com o que via.
Uma cópia, idêntica a ele, estava em sua frente. Tão nítida quanto um espelho. A diferença é que a cópia não tinha machucados ou suor.
— O que caralhos é isso? É algum tipo de magia para mudar a aparência? E como você pode ter tanta mana assim? Do nada, ficou duas vezes mais forte que antes!?
Subi no topo de uma das muralhas usando minha armadura para direcionar meu salto. De lá de cima eu falei:
— Não sou eu que está na sua frente, e sim seu maior inimigo!
Percebendo que eu estava, na verdade, na parte de cima da caixa de gelo, e não a sua frente, Alvo olhou para sua cópia e disse com a voz trêmula:
— O mi-mímico… Pensei que era um mito! Como conseguiram isso?
— Pelo o que me falaram é uma das bestas que protegem a floresta. É a carta na manga dos elfos. Agora, quer ouvir ou prefere enfrentar uma versão sua, mais descansada, e sem machucados?
— Ouvir? Não acredito que uma besta de mana consiga mimetizar até meu nível de mana. Prefiro lidar com ela!
— Alvo, basta! Por que continua com isso? VOCÊ NÃO PODE VENCER! Seus subordinados estão presos dentro da minha magia. Se eu quisesse, poderia acabar com todos com um estalar de ded-
— HIPÓCRITA! VOCÊ FALA QUE NÃO USA VIDAS COMO MOEDA DE TROCA, MAS ACABA DE AMEAÇAR MAIS DE MIL PESSOAS! COMO PODE SER TÃO HIPÓCRITA? — Fúria palpável saia de suas palavras.
Eu não sabia o que responder. Ele tinha razão… Como eu poderia me rebaixar a tanto? Poderia ser o medo de morrer nesta luta, ou o peso de proteger tantas pessoas, mas algo dentro de mim havia mudado.
— Que seja, Thermon. Vou lidar com este mímico, você será o próximo! Descanse, pois consigo sentir o quão enfraquecido está…
Então ele sabia que eu estava blefando… Quando ele disse que conseguiria sentir a aura de Altimanus, não era exagero. Ele foi abençoado com diversas habilidades que, sozinhas, tornam qualquer pessoa especial.
Não senti inveja de sua força, mas sim uma certa admiração.
O mímico, percebendo que teria que lutar, ativou a mesma aura de Alvo e foi em sua direção.
Descrever o que foi essa luta é uma tarefa complexa. Depois de alguns encontros de aura, chutes e socos, já não era possível saber quem era quem.
Cada choque de golpes tremia as proximidades e minha muralha começou a criar rachaduras. Nenhum dos dois parecia ter a vantagem.
Após mais algumas trocas de golpes, ambos se distanciaram e estava óbvio quem era quem. O Verdadeiro Alvo estava ofegante, com um fio de sangue descendo pelo canto da sua boca. O mímico estava impassível, como uma estátua de cera.
Ao meu lado, no topo da muralha, Altimanus apareceu, descendo de um redemoinho.
— Está dando certo, eu sabia que podia contar com o Mizinho!
— “Mizinho”, essa coisa tem nome? — Perguntei depois do espanto.
— Claro que tem nome! Bem, ele nem deve saber que tem um, em todo o caso… Alvo está ficando mais lento, pelo o que vejo. Nem mesmo ele pode enfrentar uma das sete Calamidades!
— Alvo parece uma calamidade! Como é possível alguém tão forte ser apenas um humano? Quase morri várias vezes nessa luta… E agora, ficamos esperando até que o “Mizinho” o canse, para assim, prendê-lo?
— Prender Alvo? Isso é uma guerra, Thermon! Não farei prisioneiros!
— Você sabe que não vou deixar que isso aconteça, certo?
— Obrigado por sua ajuda até o momento. Você já pode se retirar!
Ele não me ouvia mais. Estava vidrado na luta abaixo de nós. Devo admitir que era hipnotizante ver algo como aquilo acontecer diante de meus olhos.
Alvo continuava a investir contra seu inimigo como se esperasse que algo diferente fosse acontecer com ataques diferentes. Em um momento ele dava uma rasteira, facilmente esquivada pelo mímico. Depois tentou saltar e acertar um soco vindo do alto, novamente sem sucesso.
Até que algo novo aconteceu. Alvo deu um soco bem mais lento, que o mímico defendeu sem esforço com a mão esquerda.
A besta de mana caiu na armadilha.
No momento que o punho de Alvo tocou a mão de sua contraparte, ele explodiu sua aura, toda focada no seu golpe, como não tivera explodido durante toda a luta. Com o impacto a calamidade foi arremessada para trás, afundando na muralha. O braço esquerdo do mímico não estava mais lá.
— Demorou, mas encontrei uma brecha, sua criatura assustadora!
A imagem mimetizada de Alvo se desfez e o mímico ele se tornou uma sombra escura e sem forma, mas ainda viva. A sombra passou pelas rachaduras da muralha e desapareceu na floresta.
— Mizinho, não! — Exclamou o rei, ao perceber que sua última cartada fora sobrepujada.
Um instante depois, o Alvo apareceu entre eu e o rei, olhando o horizonte.
— É bonito aqui! — Falou o humano.
Na parte de cima da muralha podíamos ver as copas das árvores e o horizonte além delas.
Altimanus olhou para a mesma direção que o humano, como se estivesse falando com um velho conhecido sobre o clima.
— Sim, é o lugar mais bonito de Mundo!
Eu estava congelado. Não tinha vantagens que pudesse usar contra ele. Minha armadura de gelo havia começado a se desmanchar quando finalizei a muralha, minha mana estava no limite do aceitável e Alvo estava mais próximo do rei.
O que veio depois eu não pude evitar.
— Lutando com o mímico percebi a importância e a força da floresta. Se ela criou um ser tão enigmático e poderoso, apenas para se proteger, não tem porque causar mais danos a ela. Meus problemas são contra você, rei dos elfos!
Ainda olhando para o horizonte, Altimanus disse:
— Seja rápido, por favor!
— Tudo bem. Não machucarei seu povo, se não nos atacarem no futuro. Tem a minha palavra!
Com isso, a cabeça de Altimanus caiu, como se nunca tivesse feito parte de seu corpo. O corte de Alvo foi limpo, rápido e cauterizante. O rei não sentiu dor.
Cai de joelhos ao ver seu corpo inerte. A cabeça havia rolado poucos centímetros dali.
— O que fará agora, Alvo? — Perguntei com real dúvida. Ele conseguiu o que queria, mas teve muita resistência, principalmente de minha parte.
— Voltarei ao reino humano. Posso ter acabado com Altimanus, mas tenho outros inimigos para lidar… Espere, por que estou falando sobre isso com você?
Ele reativou sua aura e se preparou para me atacar. Nada fiz. Apenas continuei olhando em seus olhos. Ele parou a centímetros do meu pescoço. Dava pra sentir o calor vibrante de sua aura.
— Vá, elfo-de-gelo. Nosso assunto termina por aqui! Não atravesse meu caminho novamente!
Ele se virou para partir, mas fiz uma pergunta antes que ele se afastasse:
— Mais cedo, quando uma flecha te machucou, você falou que Altimanus enviou os elfos para morte..? O que queria dizer com aquilo?
O humano parou ainda de costas para mim e falou:
— Essas vidas foram usadas para descobrir meu “ponto fraco”. Eu achava que tinha matado todos que me atacaram, mas, ao que parece, eu estava sendo observado de longe, durante a batalha.
— Como pode ter tanta certeza disso?
— Porque é impossível acertarem o único ponto em que minha aura estava enfraquecida sem terem uma informação sobre isso antes. Apenas por isso não seguirei atacando os elfos. Muitos morreram à toa, seguindo este rei maluco… — Ele olhou para o corpo do falecido rei por cima do ombro por um instante. — Avise os orelhudos que enviaremos uma comitiva de paz em alguns dias. Quero manter relações neutras com os elfos no futuro.
Alvo pulou para a base da muralha, como se cinquenta metro de altura fossem um pequena mureta. Se aproximou das forças élficas que estavam aguardando em volta da redoma de gelo, que ainda estavam no em torno de seu acampamento.
— SEU REI ESTÁ MORTO! CASO QUEIRAM LUTAR COMIGO, NÃO MEDIREI ESFORÇOS PARA LIQUIDÁ-LOS! TEREI MISERICÓRDIA DAQUELES QUE DEREM MEIA-VOLTA E OS DEIXAREI PARTIR! LIBERTAREI SEUS REFÉNS LOGO EM SEGUIDA.
Alguns elfos seguravam arcos, outros varinhas, alguns até espadas. Por todo o campo de batalha eles abaixaram suas armas e voltaram para a floresta, sem dizer nada.
Quando não haviam mais inimigos dos humanos ao redor, Alvo olhou para mim, que ainda estava ajoelhado no topo da muralha, atônito com o assassinato que havia presenciado.
— Thermon, liberte meus soldados.
Usei o restante da minha mana para transformar cada molécula de água congelada do campo da batalha em água líquida. Como eu estava muitos metros acima do chão, usei um fluxo de água para aparar a minha queda e a queda do corpo de Altimanus.
Não demorou muito para que todos os humanos partissem.
Cerca de cinco espaços de tempo depois, os elfos que foram mantidos como reféns estavam ao meu redor, olhando o corpo de seu falecido rei.
Sem olhar para eles, perguntei:
— Sabem dizer por que tantos de vocês aceitaram lutar contra Alvo no passado, e morrer por quase nada? — Perguntei, com os olhos cheios d’água.
— Agora que nosso rei se foi, não temos motivos para esconder… Todos que morreram eram presidiários de nossa nação. Aceitaram lutar contra Alvo em troca de sua liberdade. Não foi um processo curto. Juntar esse número de magos, e convencê-los a lutar por uma causa perdida, levou anos… Ah, não me apresentei, sou Senú, obrigado por nos proteger. Tenho certeza que, sem sua ajuda, todos os elfos presentes teriam morrido.
— Não precisa agradecer, senhor Sanú. Agora vamos voltar à sua capital. Temos que levar o corpo de seu rei.
Criei um sarcófago sólido de gelo para preservar o corpo durante a viagem. A cabeça ficou no lugar que deveria. O bloco maciço de água congelada flutuou no ar com o meu comando e seguimos até a floresta.
Os reféns recém libertados me seguiram. Alguns fungavam, outros choravam profusamente.
— Mesmo depois de tudo isso, vocês ainda gostavam de seu rei? — Percebendo o sofrimento dos elfos ao meu redor, perguntei.
— Com toda a certeza! Ele se importava mais conosco do que qualquer rei antes dele. Somos gratos por tudo o que ele fez por nossa raça! — Senú falou com orgulho.
Um jovem elfo a minha esquerda, com olhos cheios d’água, comentou:
— Temos muito medo do que acontecerá sem o senhor Altimanus. Nossa raça não tem um escolhido para nos proteger. Mesmo com atitudes questionáveis, ele nos mantinha seguros. Dessa vez ele tentou dar um passo maior que as pernas, atacando o escolhido humano, e perdeu.
— Espero que as coisas melhorem para sua raça. Vocês podem não aceitar bem o que direi, mas acredito que Alvo tenha dito a verdade, e não fará dos elfos seus inimigos no futuro.
— Acreditamos nisso também, senhor. Passamos vários dias com ele. Deu para perceber que Alvo estava mais assustado do que com raiva de nós. Ele perdeu um amigo que considerava um irmão, durante o ataque que o senhor Altimanos orquestrou à capital humana. Ele falou algo sobre a Rosa-dos-ventos estar envolvida… — Completou o jovem elfo.
— Aqueles mercenários poderosos, né? Não me admira que Alvo estivesse tão irritado.
Continuamos andando por mais um tempo entre as árvores, e encontramos o acampamento improvisado, que os elfos montaram para esta luta. Todos os elfos que avançaram contra os humanos já haviam retornado.
— Soldado, sabe me dizer onde estão os dois elfos-de-gelo, que ficaram aqui no acampamento? — Perguntei ao primeiro rapaz que consegui parar para conversar.
— Ah, senhor Thermon. Minhas condolências por sua perda! — O rapaz me falou, com amargura na voz.
“De todos os mistérios desta magnífica floresta, nada é tão enigmático quanto o Mímico! É uma criatura que não fala, não come e não dorme. Dizem que ele ajudará quem chamá-lo, mas pelo preço certo…”
Passagem do livro ‘Descobertas de Mundo’, por Godur Ametis

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