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    Casas, barcos e carroças… Tudo estava queimando naquele momento de terror.

    Era possível escutar os gritos de longe. Gritos de pavor, gritos de arrependimento e até mesmo gritos de dor.

    Apenas esses sons foram o suficiente para um frio percorrer a minha espinha. Estava com medo, novamente.

    Conseguia observar que havia pessoas saindo daquelas chamas. Eles estavam indo em direção à trilha que conectava a cidade com as outras.

    Era um pequeno alívio. Afinal, eles iam conseguir sobreviver a esse inferno.

    Mas… o que eu deveria fazer?

    Guardas desciam com pressa a colina.

    Batalhões se aproximavam da cidade por outros cantos.

    Foi ali que percebi algo que já estava em minha cara: o monstro do salão não era o único. Quantos a mais tinham? E se forem pareados com aquele, poderíamos considerar Erica como uma cidade perdida.

    — Gaia… — murmurei.

    Eu não sabia o que fazer.

    Até que um batalhão familiar desceu pela trilha. 

    Eram os soldados sob comando de One. Todos eles tinham vestido suas armaduras tingidas em preto num instante. Não pareciam desesperados. Pelo contrário, estavam animados.

    Balestras, espadas, arcos e uma variedade muito maior do que meus olhos puderam compreender. Eram armas corpo-a-corpo e de longas distâncias. 

    — É uma tripla! — gritou um dos soldados. — É realmente uma tripla!

    Parecia ansioso, como se aguardasse esse momento desde quando nasceu.

    Olhava para aquela situação perplexa. 

    Uma semente de dúvida foi colocada em minha mente. Até porque eles não pareciam estar realmente colocando a vida dos habitantes em primeiro lugar.

    Senti uma brisa ao meu lado, que logo se transformou em uma rajada de vento. Um rastro passou por cima de mim. Uma silhueta que não conseguia identificar. 

    Ela voava pelos céus sem a utilização de asas ou coisas parecidas… era apenas o vento.

    Uma variedade de habilidades nunca antes vista por mim. Dádivas que transformavam corpos em lâminas e bençãos que permitiam a utilização da terra como uma arma. Esses são apenas exemplos pequenos do que era possível enxergar. 

    A curiosidade sobre como cada uma delas funcionava era grande. Tão grande quanto…

    Uma dor de cabeça avassaladora começou.

    Gemi de dor.

    — P-pai… — Palavras que saiam do mais fundo de meu subconsciente. — Não…

    Eu não enxergava nada. 

    Um borrão tomou conta da minha visão.

    Isso me assustava.

    Tudo me assustava.

    Não. Não. Não. Não.

    Gaia correu comigo em suas costas para uma das árvores próximas. Ela percebia a urgência.

    Não quero mais escutar seus gritos.

    Não quero mais escutar sua voz. Sua nojenta voz.

    Gaia me posicionou apoiada sobre a árvore. E, em um movimento inesperado, tampou meus ouvidos com suas mãos. 

    Quando minha visão estava melhorando, tudo que pude enxergar foi uma silhueta maldosa e nojenta; antes que se tornasse aquela figura que menos esperava. 

    Ele.

    Estava com um terno bonito e um chapéu tão elegante quanto. Mas, ainda naquela situação, mantinha aquele sorriso em sua cara. Aquele maldito sorriso.

    Ele não disse nada.

    Nem mesmo pude ver se escutava. 

    Mas… era possível ler seus lábios.

    “Você fez um bom trabalho, Daiane.”

    Daiane? Quem é essa? 

    Minha cabeça doeu ainda mais.

    Eram como alfinetes penetrando muitas e muitas vezes. Eram como martelos destruindo cada canto de minha mente. Eram como facas cortando a última linha de consciência.

    “Durma, minha criança. Seu trabalho por aqui já está feito.”

    Mais dor.

    Fechei meus olhos, tentando suportar.

    Arfava.

    A dificuldade de respirar era insuportável. Fazia querer arrancar minha garganta. 

    E, provavelmente, era o que estava fazendo inconscientemente. Abri meus olhos e a minha frente estava Gaia, impedindo com todas as suas forças minha mão.

    Tinha utilizado o ferro do metal para criar um objeto pontudo. Se eu conseguir perfurar, a minha respiração voltará ao normal, né?

    Ela vai.


    [●●●●●∘∘∘∘∘ 57%]

    Uma dor crescente.

    O oxigênio se esgotava pouco a pouco.

    Eu só tinha que chegar mais perto e tudo ficaria bem.

    Gaia tentava me impedir desesperadamente. Mas por quê? Tudo ia ficar bem.


    [●●●●●●●∘∘∘ 73%]

    Telas apareciam ao meu lado. Mas, não me importava nenhum pouco com o que elas falavam… não eram necessárias.

    — Mas que merda, Seven! — gritou Gaia.

    Essas palavras me fizeram perder as forças momentaneamente. Apenas com esse intervalo, Gaia conseguiu retirar aquela ponta de minha mão e jogar ela para longe.

    Colocou suas mãos em meu rosto. 

    Gaia tinha uma expressão que doía no fundo da minha alma. Eu tinha feito algo errado, muito errado, mas não lembrava o que era.

    — Por favor… não… — murmurava.

    Eu não conseguia responder.

    Gaia me abraçou. Seu ato ressoava dentro de meu coração. Ela tentava segurar minhas dores e, ao mesmo tempo, fazer com que as dores dela desaparecessem. 

    Mas esse não era o momento certo.

    — Me… desculpa… — respondi.


    [●●●●●●●●●● 100%]

    A cidade estava em chamas.

    Era melhor fugir… mas, de novo?

    Tomara que eu fique viva. 

    Não… melhor…

    Tomara que você fique viva, Gaia.


    [O usuário está sendo transferido.]


    [Erro.]


    [Tentando novamente…]


    [Sucesso.]

    O local havia mudado.

    Era um quarto infantil… até demais?

    Onde estava Gaia? E o que tinha acontecido com Erica?

    Não tinha respostas, e provavelmente nunca as teria tão cedo.

    A dor havia sumido e minha mente tinha se acalmado abruptamente, então, apenas explorei o cômodo. Tinha uma cama pequena e vermelha com estampas de coelhos, bem fofa até.

    Aquilo me trazia um sentimento estranho de vazio.

    Havia livros em uma cômoda próxima e outros numa mesa um tanto quanto estranha. Peguei um deles e sentei-me na cadeira que estava perto da mesa.

    — “O Caminho dos Pôneis”, é? Que nome mais… peculiar… — Comecei a rir.

    Abri o livro.

    “Era uma vez…”

    Fechei imediatamente.

    Não!

    Não posso me deixar levar.

    Tinha que descobrir algumas coisas antes de tudo.

    Precisava saber se Ele está aqui.

    E saber como eu saio daqui.

    Levantei-me, indo em direção à porta. Mas, antes que a abrisse, dei uma olhada novamente para o quarto. Paredes desenhadas com coelhos e lápis com silhuetas parecidas pairavam sobre a mesa.

    Pelo visto, quem morava nesse quarto tinha uma estranha fixação com coelhos.

    Tinha fotos penduradas perto da janela, algo que me chamou bastante a atenção. Me aproximei.

    Peguei aquelas fotos. 

    As fotos eram predominadas por duas figuras com rostos borrados. De alguma forma, eu sentia que conhecia elas e, ao mesmo tempo, sentia que tinham ligação com as pessoas de meu sonho.

    Duas meninas…

    — Vamos só parar de pensar nisso.

    Fui em direção à porta e girei a maçaneta.

    Escadas…

    — Ah… Como eu odeio escadas — resmunguei.

    O ranger dos degraus a cada passo não ajudava muito na minha experiência. 

    Mas, no meio da escada, parei.

    Eu fiquei muito chateada comigo mesma por não ter percebido isso antes.

    Voltei correndo para o quarto acima.

    As mesas, a cadeira, a cama e os livros… tudo estava no mesmo lugar. Esse é o meu quarto? Não sei…

    Esse era o quarto em que estava na primeira vez que morri.

    Senti arrepios só de pensar nisso. Mesmo que não lembrasse completamente do que aconteceu, ainda o sentimento de ter minha carne sendo arrancada estava presente em minha mente; não era nada agradável.

    Espera!

    Cheguei mais perto da mesa, a revirando por completo. Taquei os papéis para cima.

    — Talvez tenha pistas aqui! 

    Daquela vez, estava muito abalada para fazer qualquer coisa… Então, já que estou aqui, vou fazer melhor!

    As gavetas! Com certeza elas tem algo.

    Puxei a primeira e nada.

    Puxei a segunda e…

    Um livro?

    — Esse é diferente dos outros — disse. — Tá todo empoeirado também.

    Peguei o livro em minha mão e assoprei. Toda a poeira voou para o ar e fez com que eu espirrasse um pouco antes de focar novamente minha atenção.

    — Meu… diário?


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