Capítulo 23 - Fantasma
VALEN
Após dois dias em recuperação, eu, Listro e Tobin nos preparamos para voltar a Kelcor. Como não sabíamos exatamente qual seria nosso próximo destino, decidimos, pelo menos, juntar alguns recursos na cidade.
Já que Vanir fugiu apenas com seus soldados desmaiados, muito foi deixado para trás. Infelizmente pouca comida restava. Ao todo ficaram sete cavalos, um morreu durante os ataques de Vanir, algumas espadas e lanças, e três pequenos sacos de ouro. Ateamos fogo no restante dos pertences.
O sol estava a pino quando demos adeus ao nosso acampamento.
— Estamos no escuro quanto a Vanir. Não sabemos o seu real objetivo, ou se ele vai atacar novamente… Falando em “objetivos”, qual é o seu, “Valen”? — Listro me perguntou de cima de seu alazão. Ela puxava outros dois cavalos marrons, que vinham logo atrás.
— Eu não pensava em acabar me envolvendo contra um inimigo poderoso ou algo assim. Eu só queria férias dos humanos por um tempo… Fui egoísta, eu sei, mas sinto que preciso disso. Por sorte acabei salvando o pequeno Tobin. Temos alguém da realeza élfica em nossa presença, então aja de acordo, Li — como Listro, eu também puxava um cavalo, enquanto montava minha égua.
— Certamente, caro general — Listro entrou na brincadeira.
Tobin nem reagiu. Ele estava muito quieto nesses últimos dias. Bem, depois de descobrir que seu salvador matou seu pai, e mais uma parcela enorme da população da sua espécie, eu também não estaria exatamente “contente”.
O garoto conduzia, meio cabisbaixo, a carroça com nossos espólios. Ele se reservava a responder somente o necessário.
Venho tentando animar o garoto, mas o clima entre nós não é o mais amigável. Quase me assustei quando ele puxou assunto:
— O-o… O céu está bonito, não é mesmo? — Estava óbvio que, como eu, ele não sabia lidar com essa situação. Novamente, esperei muito dele.
— Bastante! Sem magos superpoderosos mudando o clima, a mãe-natureza faz o seu trabalho… — Listro falou depois que eu demorei demais para comentar a fala de Tobin.
— Quanto tempo vamos demorar para chegar em Kelcor? — Tentei mudar o assunto.
Listro percebeu que tentei direcionar a pergunta a Tobin, que apenas ignorou. Ela já estava farta desta situação, e disse:
— Tenham dó, vocês dois! Vão ficar com esse clima chato até quando? Não tenho filhos para ficar ensinando boas maneiras! Sejam mais civilizados!
— Mas ele matou meu pai! — Falou Tobin em tom zombeteiro.
— Estou tentando puxar assunto com ele! — Tentei protestar.
— Puxar assunto como se fosse uma criança? Ele pode ter pouca idade, mas já provou que não é só um garotinho. Trate-o com mais respeito. E Tobin, pare de brincar com assunto sério, você não é mais um menininho!
— Sim senhora… — Falamos juntos. Ambos abaixamos nossas cabeças.
Dei uma risadinha e Tobin quebrou, rindo também. Começamos a gargalhar enquanto Listro nos olhava irritada.
— Vocês não estavam estranhos um com o outro há instantes atrás?
— Ah, ficar emburrado é perda de tempo. Estamos no mesmo barco agora, não é mesmo? — Tobin olhou para Listro e deu um sorriso cheio de dentes.
— O garoto tem razão. Ou começamos a nos tratar bem, ou esse grupo nunca vai dar certo.
— Ótimo. Não estava aguentando o jeito como vocês estavam interagindo. Crianças de cinco verões não são tão imaturas.
— Foi ele quem começou! — Novamente, eu e Tobin falamos juntos. Um apontando para o outro.
— Argh! Esqueçam!
Listro seguiu alguns metros à frente do nosso comboio. Ela estava nos “dando um gelo”. Odeio essa expressão, me lembra da luta que tive contra o Thermon.
Como tínhamos muitos cavalos, decidimos trazê-los para vender na cidade. Sei que cada um vale mais de vinte moedas de ouro. Teríamos provisões para vários meses com essa venda.
Ainda era dia quando nos aproximamos de Kelcor. A cidade estava especialmente lotada hoje.
— Senhor, poderia nos dizer por que tem tanta gente na cidade? — Chamei a atenção de um ancião que passava a pé, logo na entrada da cidade.
— Espere, vocês não estão aqui pelo torneio? Que estranho…
— Torneio? — Tobin ouviu o idoso e seus olhos brilharam.
— Hoje começa o circuito anual de disputas entre feudos. Se ficarem para ver, creio que não vão se arrepender! Este é o primeiro ano que aceitam desafiantes de outras espécies na competição — o senhor parecia bastante orgulhoso deste fato.
— Podemos ficar e ver, Valen? Sempre quis assistir a um torneio, ainda mais entre espécies diferentes — o jovem príncipe, pela primeira vez em muito tempo, parecia uma criança animada com algo bobo.
— O que me diz, Li? Não temos um objetivo real por enquanto, então acho que podemos perder alguns dias vendo um monte de bárbaros se batendo. Que tal?
— As “férias” são suas. Faça o que achar melhor! — Mesmo com palavras afiadas, ela estava com uma expressão contente. Tobin não parecia o único animado com o Torneio.
— Está decidido então. Ficaremos para o torneio. O senhor pode nos dar mais informações sobre a competição?
— Não será necessário, Alv- Digo, Valen. Eu sei do que se trata, posso te explicar — Listro tinha triunfo estampado em seu rosto.
— Oras, então isso é perfeito. Se me dão licença, preciso voltar à minha loja. Passar bem!
— O mesmo para o senhor! — Assim, o ancião se mesclou na multidão.
— Que maneiro, achei que nunca teria essa oportunidade. A vida na floresta é bem entediante às vezes…
— Listro, como sabe sobre este torneio? — Perguntei.
— Como “você” não sabe? É o “Torneio Olana”! Só consegui assistir duas vezes, ambas em missão. Queria aproveitar pelo menos uma vez… Vamos vender os cavalos e conto o que sei no caminho.
Enquanto nos dirigimos para a área comercial, Listro explicou como a competição funcionava:
Cada comitiva pode inscrever de três a nove participantes. Cada participante tinha direito a participar de apenas uma das competições, que eram: Combate desarmado com mana, combate desarmado sem mana, combate em duplas, resistência mágica, levantamento de peso com mana e arremesso ao alvo.
Neste torneio homicídio intencionais ou mutilações sem motivo eram proibidos, então, nem sempre, os lutadores podiam dar o máximo de si. O que era uma pena, se parar para pensar.
Brincadeiras à parte, quanto mais Listro nos explicava sobre o torneio, mais eu me animava.
— É esse tipo de diversão que eu precisava em minhas “férias”, hehehe. Quando começam os jogos?
— Sempre no dia seguinte à lua nova do terceiro mês do ano. Se não me engano será daqui dois dias.
— Que específico… E qual é a premiação? — Perguntei.
— Um pequeno troféu e mil moedas de ouro para os vencedores de cada modalidade. O segundo e terceiro lugares de cada competição também recebem algo, mas é tão pouco que nem vale a menção.
— MIL MOEDAS? — A pequena multidão à nossa volta me olhou, devido ao grito que dei — Desculpe pessoal… Mil moedas de ouro? Daria pra comprar uma pequena fazenda com isso!
— Por isso o torneio é tão disputado, já que a premiação é bem farta. Fiquei sabendo que uns anos atrás vieram tantos participantes que a cidade não comportou o excedente, e precisaram aumentar o calendário de disputas. Desde então só participa quem tiver se inscrito previamente.
— Uau, nunca tinha ouvido falar disso. Estou animado! — Tobin estava radiante.
Vender os cavalos foi tarefa simples. Os animais estavam muito bem cuidados. Mantivemos apenas minha égua e o cavalo que puxa nossa carroça. Como não queríamos perder muito tempo, vendemos os cinco animais por oitenta moedas de ouro. O comprador quase chorou de felicidade.
Continuei perguntando sobre o torneio:
— Apenas feudos podem se inscrever?
— Nesta edição outras espécies podem participar, então não sei como ficou definido. Talvez apenas para humanos seja limitada a participação por feudo… Bem, o que importa é que é divertido. Acontecem muitas apostas entre as rodadas, então tem gente que investe pesado em cada comitiva. Eu mesma ganhei algumas peças de prata na última vez que vim. Pena que não pude assistir… Ah, ótimo, aqui fica um estábulo para deixarmos nossos cavalos. A carroça pode ficar ali — ela apontou para o lado do estabelecimento, onde tinham alguns espaços vagos. Outras carroças estavam sendo cuidadas por dois meninos, muito sujos.
— Perfeito. Depois vamos encontrar algum lugar para nos hospedarmos.
Assim que guardamos nossos pertences na hospedaria, continuamos a andar pela cidade.
Listro disse que se tivermos sorte, poderíamos dar de cara com comitivas de alguns feudos antes dos jogos começarem. Ver como eles estavam ajudava na hora de fazer apostas, então muita gente perambulava pelas ruas justamente para ficar de olho nos participantes.
— Fique perto de nós, Tobin. Com a sorte que você tem, algum maluco vai querer te sequestrar — brinquei com o garoto.
— Engraçadinho…
Continuamos andando pela pequena cidade abarrotada de gente, quando escutamos um grito na multidão:
— AUMENTARAM A PREMIAÇÃO! AUMENTARAM A PREMIAÇÃO!
Muitas pessoas, próximas ao rapaz humano que gritou, se aglomeraram para ler o que um panfleto recém colado na parede de um bordel dizia:
“Devido a bondade dos organizadores, ao incluírem anões no festival, o reino Ametis tem o prazer de anunciar que o vencedor de ‘Combate desarmado com mana’ receberá uma armadura de cristal!”
— Armadura de cristal? O que é isso, Valen? — Tobin estava muito curioso.
Puxei meus companheiros para longe da aglomeração para que pudessem me ouvir.
— Isso é muito estranho. Os anões estão generosos demais…
— Concordo. Em anos de escambo de artefatos e informações, nunca sequer chegaram a cogitar vender algo tão poderoso… O que acha que pode ter acontecido, Alvo?
— Errou meu nome, cuidado! E não tenho informações suficientes para inferir nada. Vamos observar o festival por enquanto. Podemos acabar descobrindo alguma coisa.
— Que legal, temos uma missão.. Agora alguém poderia me dizer o que é uma armadura de cristal? — Tobin ficou um pouco irritado.
Eu e Listro nos entreolhamos.
— Às vezes eu esqueço que os elfos cortaram ligações com os anões… Uma armadura de cristal é o sonho de todo soldado. Não sabemos como eles fazem, mas uma proteção praticamente inquebrável. Eles chamam de armadura de cristal porque é brilhante como o minério, mas é feita de algum metal mesmo. Dizem que essa armadura aguentaria ataques até mesmo de um escolhido.
— Acreditamos que anões não nos fornecem esse tipo de armadura em específico por medo de conseguirmos replicar o método de fabricação. Mas vamos ser sinceros, o melhor ferreiro humano não seria capaz de fazer a pior espada de um anão… Eles não precisam se preocupar com cópias — Listro continuou.
— E o melhor de tudo, o ferridium existente na armadura responde a mana do usuário. Quanto mais forte for quem a usa, mais resistente ela fica.
— E muito melhor que isso, a armadura se molda ao tamanho de quem a usa. Claro, se a pessoa for um pouco menor a proteção é maior — Listro se animava com esse tipo de assunto, tanto quanto eu.
— Calma gente, é informação demais para eu absorver… Como ficaram sabendo disso tudo?
— Os anões são muquiranas, mas adoram se exibir. Fizeram demonstrações da força defensiva dessa armadura algumas vezes para nós, mas sem intenção de nos vender. Baixinho sovinas, viu!
Uma multidão de pessoas se dirigiu para a área de jogos. Era uma pequena arena feita de pedra, que claramente não estava lá na primeira vez que visitei a cidade. Magia Elemental é bem útil para esse tipo de coisa.
— Hoje teremos a cerimônia de abertura. Nessa cerimônia é possível ver todos os participantes ao mesmo tempo. Como eu falei uns dias atrás, isso é importante para os apostadores. Se não me engano teremos as primeiras lutas de combate desarmado com mana hoje mesmo — Listro se tornou nossa guia interina.
— Vamos logo, quero sentar na frente.
— Eu não faria isso se fosse você, Tobin. Sempre espirra sangue em quem senta nas primeiras fileiras — Listro comentou como se isso fosse a notícia mais normal que ela já deu.
— Li, você disse que matar e mutilar é proibido nesta competição, mas isso acontece com alguma frequência?
— Ah, quase todos os dias de torneio alguém acaba morto ou incapacitado.
— Entendi… Então é melhor não ficarmos tão perto, Tobin.
Ele assentiu, vigorosamente.
A arena estava lotada. Muitas pessoas estavam de pé nas escadas entre as arquibancadas, já que não tinham lugares suficientes para todos. Por sorte, Listro havia nos orientado a escolher lugares um pouco mais caros, para garantir conforto. Custou dez moedas de prata por pessoa.
Não demorou e um locutor, de voz imponente, gritou por cima de toda a falação dos espectadores:
— BOM DIA, SENHORAS, SENHORES, CRIANÇAS E ANÕES. ESTAMOS COMEÇANDO A SEXAGÉSIMA SÉTIMA EDIÇÃO DO “TORNEIO OLANA”. POR FAVOR, PARTICIPANTES, QUEIRAM ENTRAR NA ARENA!
Mesmo permitindo que outras espécies participassem, existiam apenas humanos e uma comitiva com sete anões. Vendo eles perto de humanos altos, os fez parecer quase “fofos”.
Enquanto cada grupo entrava, o narrador dizia:
— DEEM UMA SALVA DE PALMAS PARA A COMITIVA DE FÉRTI-PASTOS! — Muitos gritos e palmas vindos das arquibancadas. Um grupo de oito homens e uma mulher levantaram os braços. As pessoas que já faziam barulho gritaram ainda mais.
Férti-pastos é o feudo de minha querida amiga, Henco Pleno.
Mais uma comitiva entrou:
— DEEM UMA SALVA DE PALMAS PARA A COMITIVA DE LAGUNA-OESTE! — Pessoas diferentes gritaram dessa vez. Todo da equipe de Laguna Oeste usava máscaras azuis, com formato de raposa, que tampava todo o rosto.
O ritual de apresentar cada comitiva continuou mais umas oito vezes, até chegar a vez dos anões:
— POR ÚLTIMO, MAS NÃO MENORES- DIGO, NÃO MENOS IMPORTANTES, — Risos da plateia. — A COMITIVA ESPECIAL, VINDA DIRETO DA CAPITAL ANÃ, TITANO..! UMA SALVA DE PALMAS A TODOS!
Algumas pessoas vaiaram, outras aplaudiram. Percebi um aglomerado de anões do outro lado da arena. Eles pulavam, muito alegres.
— PARA A PRIMEIRA COMPETIÇÃO, TEREMOS COMBATE DESARMADO COM MANA. — a plateia inflamou, pois era a competição mais aguardada, devido ao novo prémio incluído. — A PRIMEIRA LUTA SERÁ ENTRE O REPRESENTANTE DA EQUIPE DE LAGUNA-OESTE, PÍO, ENFRENTANDO RASMO, DA EQUIPE DOS ANÕES!
Os times saíram por onde entraram. Os competidores mencionados continuaram parados, aguardando mais instruções.
Os espectadores se animavam cada vez mais com o início dos jogos. Como era um combate um contra um, achei que seria sem graça, então não coloquei muitas expectativas.
De um lado gritavam “Pío, Pío, Pío!” e do outro “Rasmo, Rasmo, Rasmo!”. Os dois se encaminharam para o centro da arena, que agora parecia gigante para os dois.
— COMPETIDORES, NÃO EXISTE LIMITE DE TEMPO. O PRIMEIRO A INCAPACITAR O ADVERSÁRIO VENCE. LEMBRANDO QUE HOMICÍDIOS OU DESMEMBRAMENTOS INTENCIONAIS SÃO PROIBIDOS, E SERÃO PUNIDOS COM A MESMA INTENSIDADE DE UM CRIME CAUSADO FORA DESTA ARENA. PODEM SE CUMPRIMENTAR.
O humano e o anão apertaram as mãos, se afastaram cerca de dez passos um do outro, e o narrador gritou:
— COMECEM!
Um gongo muito agudo badalou e a luta começou.
Pío era duas cabeças mais alto que Rasmo. Ele usava uma máscara azul-escuro que cobria seu rosto, mas tirou a camiseta, para ter mais mobilidade. O humano era forte e ágil. Já o anão era pançudo, mas muito resistente. Nenhum deles se atreveu a atacar de início. Ambos se estudavam, enquanto rodeavam a arena.
“Esse lutador, Pío… Ele me lembra alguém…”, pensei.
Rasmo foi o primeiro a atacar. Ele afundou as mãos no chão e arremessou pedregulhos do tamanho de cabeças em direção ao humano, que facilmente desviou enquanto se aproximava do anão.
O Anão tentou criar uma parede de pedra para evitar o avanço do humano, que rapidamente rodeou a nova construção, se aproximando ainda mais do anão. Em uma última tentativa de defesa, Rasmo tentou derrubar a parede de pedra em Pío, que deu dois passos para o lado, desviando as pedras caindo. Num piscar de olhos Pío alcançou seu oponente.
O humano deu três socos no rosto e uma rasteira no anão, que logo foi imobilizado. A plateia estava em silêncio. Uma garotinha gritou: “QUE IRADO!”, e toda a plateia explodiu em mais gritos, risos e xingamentos.
A primeira batalha acabou tão rápido quanto começou. Devo dizer que a luta, embora simples, foi impressionante. Pío parecia não usar fortalecimento corporal, mas sim apenas calma e disciplina.
“Alguém como ele seria uma ótima adição ao exército de Porto-Norte… Espere… Não sou mais um general! Preciso lembrar disso.”, pensei.
Tobin estava extasiado ao meu lado. Listro parecia tão animada quanto. Consegui entender por que este tipo de torneio atraia tantos fiéis.
No torneio eram intercaladas as modalidades de combate e modalidades sem combate. A próxima partida era Resistência mágica. Em resumo, cinco participantes ficavam em frente a enormes cristais rosas, e precisavam imbuir o minério com mana para mantê-lo brilhando em uma intensidade mínima. Caso algum deles não conseguisse manter o cristal brilhando, era desqualificado. Achei a competição bem monótona, mas entendi seu propósito, visto que esse tipo de evento, sem enfrentamento direto, servia para balancear a tensão do público.
Vi uma garota, não muito mais velha que Tobin, passando por nós, perguntando se queríamos apostar. Decidi apostar uma moeda de ouro no homem mais marrento e alto que estava nessa rodada. Perdi a aposta. Um anão, especialmente barbudo, venceu.
Logo tivemos o intervalo para o almoço, então nos dirigimos ao refeitório da estalagem em que nossas coisas estavam guardadas. Centenas de pessoas fizeram o mesmo, enchendo as ruas da pequena cidade.
— Como um anão tão baixinho derrotou aquele brutamontes? — Eu estava indignado.
— Valen, tamanho não é a única coisa que importa! — Listro me olhou como se nunca tivesse errado na vida, empinando seu belo nariz para o alto.
— Estou com muita fome. Será que tem um cardápio vegetariano na estalagem?
— Acho bem difícil, Tobin. A maioria dos humanos não dá o devido valor aos vegetais. A base da alimentação é carne.
O garoto fez uma cara de nojo e ficou desanimado.
— Vamos passar em algumas barracas que vendem vegetais e você pode escolher o que quiser! — Listro tentou animar o garoto. Ela levantou um saquinho cheio de moedas, como quem dizia: “Não se preocupe, eu vou pagar!”.
Não tive sorte nas poucas apostas que fiz. Sai perdendo doze moedas de ouro. Já Listro lucrou cento e cinquenta moedas de ouro, e estava toda contente, carregando seu saquinho com dinheiro.
Tobin se animou imediatamente.
— Cuidado para não mimar demais o menino! — Adverti Listro.
— Mais? Se esqueceu que ele é um príncipe?
— Ah, verdade… Falando nisso, o que faremos com ele? Deixá-lo sozinho, sendo alguém de tamanha importância, seria problemático. Vamos continuar sendo babás dele?
O menino olhava uma vitrine com espadas, e não conseguia nos ouvir.
— Não seja tão duro com o garoto. Veja isso como mais uma etapa no processo de diplomacia entre humanos e elfos. Mesmo “de férias” você está fazendo algo de bom pela sua raça. Esse é o papel do escolhido!
— Tem razão… Vou continuar protegendo ele. Infelizmente terei que mudar de planos. Eu queria visitar os anões. Seria incrível aprender mais sobre seus artefatos e armas, mas isso terá que esperar.
Depois que comemos, voltamos para mais um período de competições.
Antes que percebêssemos a noite chegou. Todos estavam exaustos, devido a animação do dia de batalhas.
— Eu vou desmaiar de cansaço. Vamos voltar logo, Alvo!
— Li, meu nome é Valen…
— Ah, desculpe. Não é fácil te chamar assim. É estranho.
— Ei, fui eu quem deu esse nome para ele! — Tobin estava pessoalmente ofendido.
Abri a porta de estalagem e entramos enquanto dávamos gargalhadas. A parte de baixo do estabelecimento era um bar/refeitório/recepção, então estava sempre movimentado.
— Senhor, pode nos trazer dois pratos de comida? — Tobin comia frutas e verduras, que levava em uma pequena bolsa, então o jantar era só para mim e Listro.
Como falei um pouco longe do recepcionista, que recebe os pedidos, algumas pessoas me olharam um pouco irritadas, já que eu estava atrapalhando suas conversas e/ou refeições.
Sentado no bar uma das pessoas que se virou estava boquiaberta.
Levei cerca de dois segundos para que meu cérebro processasse a informação.
Fechei os olhos, esfreguei, mas a imagem não mudava. Era ele mesmo.
— PÍRIO?!
“Olana Hernet, grande entusiasta de esportes, financiou as dez primeiras edições do grandioso ‘Torneio Olana’. As edições que consegui presenciar eram um tanto brutais, mas muito divertidas. Quase perdi todas as minhas peças de ouro apostando… Evitem apostas, se possível. Essa é a dica que dou!“
Passagem do livro ‘Descobertas de Mundo’, por Godur Ametis
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