Capítulo 17 - Como sobreviver a um 'DATE' pago?
Quintus olhava pela janela da van, tentando identificar onde exatamente estava. O veículo havia percorrido ruas movimentadas por aproximadamente vinte minutos desde que saíram da mansão-clínica do Dr. Zaratustra.
“Quinhentos reais no bolso e mais quinhentos a caminho.” — pensava, tamborilando os dedos no joelho.
Alheio a toda movimentação, a mulher da prancheta anotava algo obsessivamente, como se registrasse cada batida cardíaca de Quintus. Os enfermeiros musculosos haviam ficado para trás, substituídos por uma equipe técnica que monitorava telas e equipamentos instalados na van.
Tudo isso pareceu desaparecer quando o trânsito desacelerou e a visão divina surgiu na calçada. A mulher que passou pela calçada em frente ao carro era um pitelzinho baiano em forma humana.
Seus cabelos castanhos deslizavam em ondas perfeitas pelas costas, um vestido vermelho abraçava curvas volumosas como se tivesse sido pintado diretamente na pele, e ela se movia com a confiança de quem sabia exatamente o efeito que causava no mundo ao redor. Quintus sentiu o cérebro derreter como sorvete no asfalto da mitológica Salvador em pleno verão.
Seus olhos grudaram nela como se tivessem desenvolvido vontade própria, acompanhando cada movimento enquanto sua consciência entrava em estado de suspensão.
A boca entreaberta deixava escapar um suspiro patético que carregava pelo menos dezessete anos de hormônios mal resolvidos. O mundo ao seu redor desapareceu, substituído por uma visão embaçada onde só existia aquela mulher e uma trilha sonora imaginária digna de comercial com casamento.
— Acorda, rapaz!
— ACORDA! — repetiu o Dr. Zaratustra, agora já abanando a mão em frente ao rosto de Quintus como quem tenta espantar uma vaca paralisada na estrada, e mesmo assim, nada surtia efeito.
— PAFT!
O tapa veio como um raio, sem aviso, sem misericórdia. A mão pesada do Dr. Zaratustra conectou-se à face do jovem Maximus com precisão cirúrgica, fazendo um som que ecoou pela van como um chicote estourando no ar. A cabeça do jovem girou para o lado, os olhos arregalados não mais de desejo, mas de um choque visceral que pareceu reconectar cada neurônio em curto-circuito.
— MAS QUE PO…! — Quintus engasgou com a própria indignação, massageando o rosto enquanto se afastava até quase fundir com a porta do veículo. O instinto gritava para revidar, mas o corpo reagiu como uma tartaruga assustada, recolhendo-se para dentro de uma carapaça imaginária.
— Isso mesmo, volte para a realidade! — O bilionário ajeitou o punho da camisa como quem acabou de realizar um trabalho meticuloso, sem mostrar o mínimo remorso — Você estava praticamente hipnotizado, olhando para aquela mulher como um cachorro faminto para um filé mignon. Patético.
Quintus continuou esfregando a bochecha dolorida, seu rosto uma mistura cômica de raiva estampada e indignação contida. O calor da vergonha e do tapa se misturaram, deixando sua pele em um tom que rivalizada com pimenta madura.
— Você não pode simplesmente sair batendo nas pessoas assim! — protestou com uma voz que tentava soar firme, mas saiu mais próxima de um lamento adolescente — Isso é… isso é agressão! Eu poderia processar você!
Dr. Zaratustra soltou uma gargalhada que preencheu o espaço confinado da van, enquanto a mulher da prancheta apenas levantou as sobrancelhas ligeiramente, como se aquilo fosse apenas mais um item em sua planilha diária de eventos previsíveis.
— Processar? — O bilionário inclinou-se para frente, seu olhar penetrante fixo em Quintus. — Deixe-me adivinhar: você foi criado pela avó, não foi? Ou talvez mora em um daqueles condomínios onde a maior ameaça é o vizinho reclamar do seu cachorro? Nunca teve que enfrentar o mundo real de verdade, não é?
O jovem Maximus franziu a testa, sentindo-se exposto como se o homem tivesse acabado de ler um relatório detalhado sobre sua vida. A sensação desconfortável de ser transparente fez seu estômago revirar mais que o tapa.
— O quê? Não! — mentiu descaradamente, lembrando-se imediatamente das tardes de domingo na casa da avó e do condomínio seguro onde cresceu. — Eu sei muito bem como o mundo funciona!
— Ah, claro que sabe! — Dr. Zaratustra gesticulou amplamente — O mesmo mundo das séries religiosas da tv Record e dos filmes de sessão da tarde, onde os mocinhos sempre ficam com as garotas no final apenas por serem… mocinhos! — ele fez aspas com os dedos ao redor da última palavra, transformando-a em algo quase obsceno — Aquele tapa não foi agressão, meu jovem. Foi um favor. Um chamado à realidade.
A van diminuiu a velocidade enquanto se aproximava de uma área movimentada da cidade. Através das janelas escurecidas, Quintus podia ver o brilho de restaurantes sofisticados e pessoas bem-vestidas circulando pelas calçadas. Seu rosto ainda ardia, mas agora também sua curiosidade.
— Um favor? — repetiu incrédulo, endireitando-se no assento — Me explique como me agredir fisicamente pode ser considerado um favor?
— Deixa eu te contar uma história. — disse o bilionário, cruzando as pernas como se estivesse no apresentando um TCC sobre amor frustrado — Me apaixonei por uma garota que dizia sonhar com Paris. E eu levei. Três vezes… pro Beto Carrero World. Era o que cabia no cartão. E sabe como ela retribuiu? Postou no Instagram: “Gratidão ao meu amigo gay que me trata como uma princesa… e me empresta dinheiro como um pai ausente.”
Quintus caiu na gargalhada, o som estridente ecoando como se estivesse sozinho no mundo. Os outros na van riram também, mas com aquela contenção típica de quem ri olhando para o chefe com o canto dos olhos. Era o tipo de riso que vinha com medo no fundo da garganta, como se cada nota alegre pudesse custar um emprego ou um dente.
— E olha que eu poderia te contar muito mais, viu? Uma, outra significativa, aconteceu quando eu tinha mais ou menos a sua idade. Conheci uma mulher deslumbrante num bar. Daquelas que parecem ter saído direto de um comercial de perfume proibido. Linda, sensual, confiante. Igualzinha à que você acabou de babar ali. Fiz tudo pra conquistá-la: torrei três meses de salário em jantares chiques, comprei presente que nem cabia no bolso, escrevi poemas que fariam um adolescente emo parecer equilibrado… e, claro, ignorei todos os sinais de alerta como um bom apaixonado com déficit de autoestima.
Quintus revirou os olhos, mas não conseguiu evitar prestar atenção.
— E depois de seis meses dedicados e um anel de noivado que custou todas as minhas economias, você sabe o que aconteceu? — o bilionário fez uma pausa dramática, seus olhos fixos no jovem — Ela me deixou por um instrutor de crossfit que morava de aluguel num porão e tinha mais dívidas que cabelo na cabeça! E sabe por quê?
— Porque ela era uma interesseira? — arriscou Quintus, sem esconder o sarcasmo.
— Não! — Dr. Zaratustra bateu na palma da própria mão — Porque eu era EXATAMENTE como você! Completamente dominado pelos meus instintos e desejos, incapaz de enxergar além do óbvio, vivendo sob ilusões sobre o que uma mulher realmente quer e valoriza. Eu precisava desesperadamente de um tapa na cara, metafórico ou literal, e não tive ninguém para me dar!
A van parou completamente. Através da janela, o jovem Maximus podia ver a entrada de um restaurante que parecia ter saído de uma revista de decoração de luxo. Luzes suaves iluminavam uma fachada elegante com detalhes em mármore e uma porta de madeira nobre guardada por um maître impecavelmente vestido.
— Olhe para mim, Quintus. — A voz do bilionário baixou para um tom quase paternal — Além do dinheiro que você vai ganhar com esse desafio, quero realmente ajudá-lo. Quero evitar que você passe décadas sendo um zero à esquerda, um jovem sem relevância de quem todos se aproveitam. Quero que você tenha controle sobre sua vida, que não seja escravizado pelos seus próprios impulsos. Quero que você tenha a chance de ser o herói que sempre sonhou em ser.
Quintus engoliu em seco, incerto se estava sendo manipulado ou aconselhado. Provavelmente ambos.
— E como você propõe que eu faça isso? — perguntou, ainda acariciando o rosto dolorido.
— Vamos fazer uma nova aposta! — Dr. Zaratustra sorriu, tirando mais notas da carteira — Se você conseguir provar que não é controlado pelos seus instintos, que pode administrar seus desejos e sair desse restaurante de mãos dadas com uma garota para qualquer lugar, eu lhe darei mais quinhentos reais.
— E se eu perder?
— Você simplesmente não recebe os outros quinhentos que ganharia ao completar a missão. Não tem nada a perder! — o bilionário fez uma pausa estratégica — E, se você conseguir, além do dinheiro extra, terá o direito de me dar dois tapas. Para provar que estou errado.
Os olhos de Quintus brilharam com a perspectiva de retribuição física. A dor em sua bochecha pareceu diminuir instantaneamente.
— Feito! — concordou sem hesitar, já imaginando o prazer de descontar aquele tapa em dobro.
— Ótimo! — Dr. Zaratustra apontou para o pequeno ponto eletrônico e o relógio — Estaremos monitorando e orientando você durante todo o tempo.
Quintus ajustou o aparelho em seu ouvido e observou novamente o relógio, sentindo-se como um agente secreto extremamente mal treinado em uma missão suicida. Quando a porta da van deslizou para abrir, ele hesitou brevemente antes de sair.
— Vá em frente, conquistador! — o bilionário sorriu, fazendo um gesto de despedida — E lembre-se: estou vendo e ouvindo tudo.
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