Capítulo 20 - Datena não filmou essa vergonha
— Mas me conte mais sobre você. — começou Quintus ignorando o conselho absurdo e tentando recuperar o controle da conversa — Gosta de cinema?
— Depende do cliente — respondeu ela distraidamente, enquanto examinava uma ostra com olhar clínico.
— Cliente?
— Sim, alguns preferem jantar e conversar, outros querem algo mais cultural, como ir ao cinema ou a um museu. — explicou ela, com a naturalidade de quem comenta sobre o clima.
“Que estranho.” — pensou Quintus — “ela deve trabalhar com turismo.”
— Você deve conhecer pessoas interessantes. — comentou, sentindo-se cada vez mais confuso com o rumo da conversa.
— Algumas são, a maioria é entediante. — ela deu de ombros — Mas desde que paguem bem…
A champanhe que Quintus estava bebendo desceu pelo caminho errado, provocando um acesso de tosse que atraiu novamente os olhares reprovadores dos demais clientes.
— Pagar bem pelo quê, exatamente? — perguntou, quando finalmente recuperou o fôlego.
A morena olhou para ele com uma expressão que misturava diversão e incredulidade.
— Pelo meu tempo, claro! — respondeu, como se explicasse algo óbvio a uma criança — Já se passou quase uma hora que estamos juntos. Você é um amorzinho e bem esbanjador em gastar 500 reais apenas com palavras. Sei que a solidão e a carência são difíceis, mas por apenas companhia você deveria procurar uma mulher mais barata.
O mundo de Quintus desabou com a força de um meteoro. Não era um encontro romântico. Ela não era uma intelectual fascinada por seus encantos inexistentes. A realidade o atingiu: ela era uma garota de programa, e ele havia, sem querer, contratado seus serviços.
— HAHAHAHAHA! — a gargalhada de Zaratustra explodiu em seu ouvido — Eu disse que você escolheu errado! Todas as mulheres neste restaurante são do ‘job’, seu inocente! É um ponto de encontro conhecido!
— Você poderia ter me avisado antes! — Quintus sibilou, esquecendo-se momentaneamente que a mulher estava à sua frente.
— Falando sozinho? — ela arqueou uma sobrancelha — Olha, para mais uma hora comigo, são mais 500 reais. O primeiro pagamento é só pelo encontro inicial.
— Quinhentos reais?! — repetiu ele, sentindo o suor frio escorrer por suas costas.
“Lá se vai meu PlayStation 18.” — lamentou, entregando os 500 reais que tinha recebido inicialmente do Dr. Zaratustra com a tristeza de um órfão emocional sendo extorquido por forças maiores.
Cogitou reclamar, gritar, questionar o contrato invisível, mas sabia que no tribunal da vida, homem sempre é o vilão e mulher, a santa canonizada antes do velório. Fugir? Impossível. O máximo que conseguiria era virar meme no TikTok ou só mais um episódio de Datena: “Playboy covarde abusa de mulher e foge.”
— Para mais uma hora comigo seriam mais 500 reais e agora é adiantado. — ela estendeu a mão delicada com unhas perfeitamente feitas, como se esperasse que ele depositasse o dinheiro diretamente nela.
— Eu não sabia que você… — ele engoliu em seco, incapaz de completar a frase.
— Que eu o quê? Trabalhava? — ela riu, uma risada genuinamente divertida — Achou mesmo que uma mulher como eu estaria interessada em você sem algum tipo de compensação financeira?
“É claro que não.” — pensou amargamente, pois o comentário tinha lhe atingindo com a precisão de um dardo envenenado — “Como pude ser tão estúpido a ponto de achar que alguém assim se interessaria naturalmente por mim?”
— Meu cartão só cobre comida e bebida. — ele admitiu, baixando os olhos para o guardanapo amassado em seu colo — Não… serviços.
— Vou te ajudar desta vez. Vou te adiantar os outros 500 reais prometidos — a voz de Zaratustra soou surpreendentemente compassiva em seu ouvido. — Considere um investimento em pesquisa. Não posso ter um virgem trabalhando comigo, seria antiético como cientista. Mas você precisa aprender a lição: neste mundo, o amor romântico que você idealiza é uma fantasia. Relacionamentos são transações, explícitas ou implícitas.
Quintus sentiu uma notificação vibrar em seu celular. Era uma transferência bancária do valor exato.
— Aqui. — disse ele, estendendo o telefone para mostrar o comprovante da transferência — Podemos… continuar?
Ela checou o valor, sorriu satisfeita, e terminou sua taça de champanhe em um único gole elegante.
— Vamos então. Uber ou no seu carro?
— Uber, por favor — respondeu ele automaticamente, incapaz de processar completamente o que estava acontecendo.
Enquanto esperavam o carro na entrada do restaurante, Quintus olhou para a mulher ao seu lado. Ela era lindíssima, sem dúvida, mas agora seus olhos a viam diferente. Não como a alma gêmea predestinada que imaginara, mas como… um serviço. Um produto. A realização o fez sentir-se sujo e, ao mesmo tempo, curiosamente liberado.
“Talvez o velho maluco esteja certo.” — pensou, observando-a checar o celular com indiferença — “Talvez todas as minhas ideias sobre amor e relacionamentos sejam apenas fantasias infantis.”
O Uber chegou, e foi ela quem abriu a porta, deu o endereço ao motorista e conduziu toda a situação com a eficiência de uma executiva fechando um negócio rotineiro. Quintus seguia como um autômato, dividido entre o desapontamento com a realidade e uma excitação nervosa pelo desconhecido.
O carro partiu. Quintus sentiu seu corpo congelar, enquanto sua mente corria a mil por hora:
“O que estou fazendo aqui? E se eu falhar? E se for rápido demais? E se ela rir de mim?”
Um caleidoscópio de inseguranças girava em sua cabeça enquanto tentava manter uma expressão de tranquilidade que não enganaria nem uma criança. Ao seu lado, a escultural morena digitava algo no celular, aparentemente alheia ao furacão de hormônios e ansiedade que assolava o rapaz.
O problema é que quanto mais tentava não olhar, mais seus olhos traíam sua vontade, escapando para o decote generoso ou para as pernas cruzadas ao seu lado.
“Meu Deus, ela vai perceber que sou um completo idiota” — pensava ele, enquanto ensaiava mentalmente frases que pudessem soar sofisticadas ou experientes. Mas cada vez que abria a boca, sentia a garganta secar.
Era como se tivesse um guarda-chuva tentando abrir dentro da calça — e sem chance de disfarçar. Quintus pressionava com a mão, cruzava as pernas, torcia o corpo, tudo ao mesmo tempo, parecendo um balé de desespero que só tornava o espetáculo mais evidente. A garota ao lado gargalhou com a naturalidade de quem já viu coisa pior em despedida de solteira.
O motorista de aplicativo aumentou o volume do rádio, como se soubesse exatamente o que estava acontecendo e quisesse abafar o silêncio constrangedor. Quintus sentiu o suor escorrer por suas costas, formando uma poça desconfortável na camisa recém-passada.
Seus pensamentos foram interrompidos quando sentiu a mão dela pousando sobre seu joelho. Um arrepio percorreu sua espinha e, por um momento, ele temeu ter sofrido uma combustão espontânea.
Após uma hora rodando pela cidade, o carro parou em frente a um condomínio elegante. A mulher desceu e, para sua surpresa, virou-se para Quintus ainda dentro do veículo.
— Passamos mais uma hora juntos. Foi o melhor programa que já tive. — sorriu ela, surpreendentemente sincera — Obrigada por me deixar em casa.
E, sem mais explicações, fechou a porta e caminhou para o portão, deixando Quintus boquiaberto no banco traseiro do Uber.
— Ela… ela simplesmente… — balbuciou para o comunicador.
— Levou seu dinheiro e te deixou na mão? Sim. — confirmou Zaratustra, com uma calma científica — Bem-vindo ao mundo real, garoto. A lição custou 500 reais, mas algumas pessoas passam a vida inteira sem aprendê-la.
Foi ali, com a calça levemente amarrotada e o bolso esvaziado, que Quintus teve sua primeira aula prática sobre o mercado das emoções. Percebeu mais nitidamente que o amor, como qualquer outro produto brasileiro, vem sem garantia e com uma grande taxa embutida.
A garota foi apenas o gatilho de um sistema que ele conhecia muito bem: o de dar tudo e receber migalhas. E ela nem precisou prometer nada. Ele mesmo preencheu os espaços em branco com todas as expectativas que a TV, os filmes e os conselhos tortos de amigos e parentes haviam plantado.
“Talvez…” — pensou ele — “Toda relação fosse isso: uma aposta emocional onde o homem entra achando que vai ganhar um prêmio e sai até com o psicológico fudido.”
Era como se todos os scripts de relacionamento tivessem sido escritos por alguém que odiava protagonistas masculinos. E agora, com 1000 reais a menos, ele se tornava mais consciente… ou pelo menos mais pobre. Quintus afundou no banco do carro, a realidade finalmente penetrando sua bolha de ilusões como uma agulha em um balão.
— Pode me dar outro tapa quando eu voltar — murmurou, derrotado para todos que acompanham sua voz pelo ponto de ouvido — Acho que preciso acordar de vez.
— Não será necessário. — respondeu o bilionário, uma nota quase paternal em sua voz — Você acaba de receber um tapa muito mais eficiente da própria vida. E então, quer tentar novamente? Ou prefere voltar para seu mundo de animes onde as mulheres são submissas, fiéis e apaixonadas pelo protagonista sem nenhum motivo aparente?
Quintus olhou pela janela do carro, observando a cidade noturna passar em um borrão de luzes e promessas vazias. Algo dentro dele tinha mudado irreversivelmente.
— Quero sim! — afirmou, não tanto por sede de conhecimento, mas porque seu estômago sabia o som exato que quinhentos reais fazem ao cair na carteira.
— Excelente decisão! — a voz de Zaratustra soou entusiasmada pelo ponto de ouvido — E já sei exatamente qual será sua próxima missão.
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