Índice de Capítulo

    Ao acomodar-se no amplo colo da sindicalista, ‘Che’ notou imediatamente as câmeras discretamente instaladas nos cantos da sala. Claro! Como não percebera antes? Era óbvio que uma revolucionária moderna usaria métodos de vigilância para garantir material de chantagem futura. A admiração por Jabá cresceu ainda mais. Ela era verdadeiramente uma estrategista para a era digital.

    — Você é especial, sabe disso? — sussurrou ela em seu ouvido, enquanto suas mãos avançavam pelo território inexplorado do corpo emprestado de Quintus — Tenho algo muito especial para você aqui no sindicato.

    — Recursos para a minha vingança? — perguntou, tentando manter o foco revolucionário apesar da situação constrangedora.

    Jabá o observou com um misto de diversão e condescendência maternal. Havia algo naquele jovem, com seu punho erguido e jargões ultrapassados, que a fazia pensar em um dinossauro ideológico tentando navegar num mundo de hashtags e protestos por aplicativo.

    — Sabe, bebê Che, essa sua… como posso dizer… masculinidade revolucionária tóxica é um charme saudoso, mas totalmente fora de moda — comentou ela, ajeitando a boina militar na cabeça dele com um tapinha condescendente.

    “Vai chegar a hora…” — pensou, vendo o futuro como uma planilha de prestação de contas ideológica e ele sendo citado num podcast feminista ou massacrado nas redes socias  — “Em que você vai ter que fazer um vídeo chorando, com fundo neutro e pedindo desculpas publicamente. Mas até lá, vamos ver até onde essa tua alma revolucionária aguenta sem camisa.

    ‘Che’ franziu o cenho, confuso por ser criticado justamente por sua dedicação revolucionária. Em seus tempos, ninguém ousaria questionar a masculinidade de um homem — pelo contrário, quanto mais determinado, melhor. 

    “O que virá a seguir?” — pensou, cerrando os olhos como quem apanha da história — “Avisar antes dos tiros com sinalização inclusiva?Trocar o paredão por uma roda de conversa? Fuzilar com carinho? Intervenção armada com massagem e acolhimento emocional pós-tiro?”

    Ele a fitou por alguns segundos, como quem buscava nas pupilas dela a resposta para um dilema ideológico. Respirou fundo, tragou o vazio com intensidade histórica e então respondeu, solenemente:

    — Se acha que sacrifício é tóxico, minha flor da barricada… Então me cancela com uma rajada de AK-47, porque revolução nenhuma floresce cheirando a óleo essencial de lavanda.

    — Claro, claro — respondeu Jabá, rolando os olhos como quem ouve uma criança teimosa.

    “Este certamente vai precisar de muita reeducação antes de ser útil” — refletiu ela rindo — “Mas nada que algumas noites no meu apartamento e uns drinks com substâncias questionáveis não possam resolver. Vou transformar esse ‘Che de boutique’ em um perfeito sindicalista moderno: pronto para gritar palavras de ordem de dia e assinar acordos coletivos desfavoráveis à noite.”

    — Melhor! — finalmente, ela continuou sua proposta em voz alta, acariciando o rosto do jovem com dedos surpreendentemente macios para alguém que provavelmente passava o dia assinando desvios de verbas — Temos uma equipe jurídica completa, financiamento, e o mais importante: pessoas. Massa de manobra, querido. Multidões que saem às ruas com uma simples mensagem no Whatsapp. 

    O jovem mártir latino reencarnado sentiu seu coração revolucionário acelerar. Isso era exatamente o que precisava para sua vingança! Uma ideia formou-se rapidamente em sua mente estratégica.

    — Companheira! — começou ele, escolhendo cuidadosamente as palavras — Preciso de uma ferramenta específica para uma… ação direta contra uma opressora capitalista. Na verdade, preciso de um fuzil, preferencialmente um AK-47!

    O silêncio que seguiu foi tão denso que poderia ser cortado com uma foice ou um martelo. Jabá quase engasgou com o pedido, antes de estourar em uma gargalhada que fez tremer a placa sindical na parede.

    — Um fuzil?! — ela enxugou uma lágrima de riso — Meu Deus, menino, em que década você está vivendo? Nós aqui no sindicato lutamos com processos judiciais e memes no Twitter, não com armas de guerra!

    ‘Che’ manteve a expressão séria, como se estivesse falando sobre o item mais normal do mundo para se requisitar em um sindicato urbano no século XXI.

    — A revolução não se faz com ‘likes’ e ‘retweets’, companheira. — insistiu ele, com a dignidade ferida — É preciso um povo armado para…

    — Olha só! — interrompeu Jabá, avaliando o jovem à sua frente com um novo interesse. 

    “Será que encontrei outro maluco perfeito para manipular?” — pensou ela, calculando mentalmente quantos processos poderiam ser abertos contra sindicatos rivais com um fanático revolucionário à disposição — “E ainda por cima, é bonitinho e tem esses músculos definidos… talvez seja mais fácil de convencer a aparecer no meu apartamento para ‘discussões ideológicas’ noturnas…”

    — Oh! — exclamou Jabá, com um brilho perigoso nos olhos, decidindo seguir o jogo — Em vez do fuzil, posso lhe oferecer nossa arma secreta? 

    — Hmm… vamos ver no que isso dá — disse o jovem herói de boina, sem esconder uma leve decepção nos olhos. Ele sabia que nada se comparava a um fuzil, mas a ideia de uma arma secreta, algo novo e inusitado, acendeu uma centelha de esperança. Mas a dúvida ainda pairava: 

    “Seria isso realmente a chave para uma vingança eficiente?”

    — Querido! — disse ela com aquele tom doce e perigoso de professora de pré-escola em fim de greve, enquanto analisava a dúvida que ainda pendurava na cara dele semelhante a um cartaz de ‘FORA, FMI’ esquecido na parede.

    — A última vez que alguém usou uma arma de fogo em nome do sindicalismo, estávamos no governo militar e eu ainda usava sutiã sem bojo — continuou com um tom maternal — Hoje temos armas muito mais eficientes. Como a nossa estagiária de 17 anos. A pequena Ana Clara é uma gênia da invasão digital. Consegue qualquer informação comprometedora em minutos. Ela já derrubou três secretários municipais e um vereador apenas com os nudes que encontrou em nuvens mal protegidas!

    Ela inclinou-se conspiratoriamente para mais perto.

    — Na revolução digital, bebê Che, não precisamos mais de fuzis. Precisamos de hackers adolescentes com dedos rápidos e total ausência de escrúpulos. Ana Clara é a nossa Kalashnikov moderna: precisa, letal e totalmente ilegal! Ela ainda pode seduzir, chantagear e destruir qualquer figura de poder. E o melhor… — acrescentou, piscando um olho — Ninguém precisa limpar sangue do chão depois!

    — Sem contar que a menina é esperta demais. — Jabá baixou ainda mais a voz, quase sussurrando — Não se limita ao mundo virtual. Quando a situação exige, ela usa aquele corpinho de academia e um rostinho de inocência para seduzir velhos políticos e empresários. Filma tudo escondido, claro. Você não imagina quantos acordos coletivos favoráveis ao sindicato foram assinados depois que certas pessoas influentes receberam ‘uma prévia’ de vídeos comprometedores. A pequena tem talento, tanto para informática quanto para… digamos… relações públicas horizontais.

    O revolucionário exilado no tempo sentiu uma profunda melancolia revolucionária tomar conta de seu espírito emprestado. 

    “Que mundo chato e complicado é este” — pensou com desolação, ajustando novamente a boina que simbolizava um passado glorioso — “Como se pode ter um ato de vingança digno sem ao menos um fuzilamento público? Que tipo de revolução é essa onde não posso apontar uma arma para a cabeça de um burguês e ver o terror em seus olhos?”

    Seu sonho de uma vingança cinematográfica, com discursos inflamados enquanto empunhava uma AK-47 reluzente sob o pôr-do-sol revolucionário, parecido a uma minuta de golpe esquecida na churrasqueira do churrasco de domingo: torrada, carbonizada e só servia pra levantar suspeita de quem estava no comando da grelha.

    Quando reencarnara no corpo de Quintus, imaginara que seria fácil: bastaria conseguir armas, reunir uns camaradas e marchar contra os opressores. Com a testa franzida e a alma engatilhada, ele pensou:

    “Vingança sem pólvora é igual revolução com air fryer: prática, limpa, mas nunca vai mudar a história. A legítima precisa feder, gritar e deixar marca no chão.”

    A sindicalista apertou um botão em sua mesa, e segundos depois, uma adolescente de aparência entediada, cabelo roxo e múltiplos piercings entrou na sala, sem tirar os olhos do celular.

    ‘Che’ finalmente virou-se para a adolescente de cabelo roxo que acabara de entrar, avaliando-a mentalmente o armamento desconhecido:

    “E esses dedos finos dela… Deslizam pela tela do celular…será que são mesmo mais letais que gatilhos? Essa criatura magra, de olhar entediado e múltiplos piercings… pode mesmo substituir um pelotão de guerrilheiros?”

    “Talvez” — concluiu com pragmatismo revolucionário — “deva adaptar-me aos novos métodos de luta. Se não posso ter sangue e tortura, talvez uma humilhação digital seja o melhor que este século patético pode oferecer.”

    Endireitou os ombros sob a camisa surrada e respirou fundo como quem ativa um plano de contingência: talvez fosse hora de testar esse novo experimento. uma guerrilheira sem fuzil, mas com atitudes ácidas que poderiam derrubar até presidentes. 

    “Adaptação tática” — justificou para si mesmo  já visualizando sua vingança revolucionária — “Até Fidel teve que aprender a usar Twitter… ou teria aprendido, se ainda estivesse vivo.”

    — Ana Clara, temos um trabalho especial. — anunciou Jabá, sem se incomodar com a posição comprometedora em que se encontrava — Nosso jovem revolucionário precisa de seus talentos.

    A garota finalmente ergueu os olhos do aparelho, avaliando a cena bizarra à sua frente: um homem jovem no colo da mulher obesa, ambos com expressões de conspiração no rosto.

    — Quanto? — perguntou diretamente, com o pragmatismo de uma geração que transformou o ativismo em negócio.

    A sindicalista fitou ‘Che’, aguardando.

    — Hoje! — respondeu ele, direto.

    — Aguardarei a ficha e os detalhes da missão — disse a garota, saindo da sala e deixando dona Jabá e o jovem paladino de Cuba novamente a sós.

    A predadora gorda, voltando-se para o justiceiro socialista em seu colo, deslizou a mão por seu tórax até alcançar regiões mais ao sul, abaixo do umbigo, sussurrando:

    — Lembre-se, querido revolucionário… a vingança é um ato revolucionário, mas quem quer rir…

    Sua mão apertou firmemente a área mais sensível da anatomia de Quintus antes de completar com um sorriso predatório:

    — Tem que fazer rir, primeiro.

    ‘Che’ engoliu em seco, sentindo que não era mais apenas sobre flertes ou sentar no colo da sindicalista. Aquilo era um passo rumo ao abismo, como entrar de peito aberto em um grupo de família no WhatsApp durante briga sobre política. Um pântano emocional de onde ninguém sai limpo. 

    No horizonte de sua revolução pessoal, uma nova batalha se anunciava: uma para a qual nem Sierra Maestra o havia preparado.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota