Capítulo 6 | O Monstro
Continuando…
Kaoru se levanta em silêncio absoluto.
Nada. Nem um som. Nem um respiro.
Só o sussurrar invisível da pressão no ar.
Seu corpo relaxa, mas sua alma pulsa como uma lâmina prestes a ser desembainhada.
Seus olhos, negros como um eclipse, fixam em Renji com precisão cirúrgica.
E então —
CRACK.
O som não veio dos ossos.
Veio do ar se partindo.
Kaoru some.
Não há teleporte.
Não há rastro.
É como se a realidade piscasse e, ao abrir os olhos de novo, Kaoru já estivesse atrás de Renji.
Como um reflexo tardio no espelho.
— Primeiro golpe.
Uma cotovelada no rim esquerdo de Renji. Profunda. Dolorida. Quase o desliga.
— Segundo golpe.
Uma palma aberta no peito, carregada de Sen, que o lança dois passos para trás, mas o mantém em pé. A mão de Kaoru vibra, quase instável — ele está testando os limites.
— Terceiro golpe.
Um gancho ascendente que atinge o queixo de Renji, fazendo seus pés deixarem o chão por frações de segundo. O tempo desacelera. Sangue dança em câmera lenta. A mandíbula treme, mas não quebra.
Renji cambaleia.
E nesse cambalear…
A besta desperta.
O “Monstro Interior” não é uma fera comum.
É uma fome.
É o eco de batalhas passadas.
É o peso de tudo que Renji já segurou nas costas e jamais conseguiu gritar.
Os olhos de Renji agora ardem num vermelho sujo, pulsando como brasas.
Garras invisíveis se formam ao redor de seus braços.
Veias saltam.
A respiração já não é humana — é um rosnado de algo ancestral.
Kaoru recua três passos, observando.
As pupilas dele se contraem.
“Se ele perder o controle… já era. Nem pra mim. Nem pra ele. Nem pra arena.”
E é nesse momento que Kaoru toma a decisão.
A decisão que separa os mestres dos guerreiros comuns.
Ele…
Abaixa a guarda.
Levanta o olhar, como se dissesse: “Vem.”
E Renji… vem.
Vem com tudo.
Vem como um cometa desgovernado, como um lobo faminto vendo sua única chance de libertação.
O punho de Renji colide com Kaoru.
Não é só um soco.
É uma condenação.
O impacto sacode a arena.
O chão racha sob os pés de ambos.
O ar é lançado para trás como uma bomba de vácuo.
Kaoru cospe sangue. Muita.
Mas… ele sorri.
“Agora. Agora ele abaixa a guarda por um único segundo.”
Um instante.
É tudo o que Kaoru precisa.
Nesse segundo, Kaoru desaparece.
Mas não como antes.
Dessa vez, ele se dissolve.
A silhueta dele vira névoa escura, flutuando como fumaça viva.
A névoa gira em torno de Renji, que está cego de fúria.
Kaoru ressurge nas costas do adversário, curvado como um espírito ancestral.
Um passo sutil. Um giro leve.
E então…
A palma.
Mas não é uma palma qualquer.
A mão de Kaoru está aberta, virada para baixo, canalizando todo o seu Sen.
Os dedos tremem. Não por fraqueza, mas por contenção.
Um poder sombrio começa a se espalhar, como tinta preta escorrendo pelo mundo.
“Sombras da Morte.”
Um silêncio sepulcral.
E então —
BLAAMM!
O impacto é como uma onda de gravidade.
Renji é jogado como uma marionete sem cordas.
Seu corpo voa cinco metros, depois mais dois ao bater no chão e quicar.
Ele para.
Imóvel.
A plateia segura o fôlego.
Kaoru está ajoelhado, sangrando, mas de pé em espírito.
— Desculpe, garoto. Mas eu precisava… conter.
Mas…
Renji se mexe.
Primeiro os dedos.
Depois os olhos.
Arregalados.
Furiosos.
Ele grita.
Não um grito humano.
Um rugido de lobo, misturado com o uivo de dor e triunfo.
Ele se ergue, cambaleando, mas os olhos voltaram ao normal.
Ele… retomou o controle.
— Impressionante, garoto…— Kaoru murmura, com um leve espanto e respeito no olhar.
— Terei que usar o meu Sen máximo. Monstro das Sombras Interior: Kage Yurei!
A arena treme.
Kaoru é envolto por um manto negro ondulante.
Olhos brancos brilham por entre as sombras.
É como se ele virasse o próprio medo.
Renji sorri, sujo de sangue, mas firme.
— O meu também. Agora, vai conhecer o verdadeiro lobo. Kuro-Ōkami!
CRACK!
Um golpe no queixo.
Não qualquer golpe —
Um impacto direto, carregado de Sen negativo.
A mão de Kaoru brilha com energia negra, e ao contato, essa energia explode.
Como serpentes famintas, tentáculos de sombra emergem dos dedos de Kaoru e se enrolam ao redor de Renji, tentando selar a fera — o Kuro-Ōkami, o lobo negro interior.
Os tentáculos se cravam na carne, como se buscassem raízes dentro da alma.
Renji desaba.
Seu corpo bate no chão como uma marreta caindo do alto de uma torre.
Os olhos dele apagam.
A respiração se esvai.
Tudo fica… quieto.
Silêncio.
Silêncio…
Silêncio?
GRRRRR AHHHHHHH—!
Não é uma risada.
Não é um grito.
É um rugido.
Grosseiro, cru, vindo das profundezas da carne.
Mas não da boca de Renji.
Do interior.
De dentro da escuridão…
da mente dele…
[Plano Mental – O Limbo de Sangue e Névoa]
Renji está de pé.
Descalço.
Com o corpo machucado, mas os olhos acesos como faróis na tempestade.
À sua frente, emerge das sombras um lobo colossal.
O pelo é feito de sombras líquidas.
Os olhos, dois sóis carmesins corroendo a escuridão.
KURO.
A encarnação viva do seu Sen.
— RENJI!! — o rugido do lobo abala o chão do mundo mental.
Montanhas ao longe desmoronam. Relâmpagos cortam o céu.
Cada passo da criatura pesa como mil bombas.
Renji cerra os punhos.
— EU NÃO VOU PERDER PRA VOCÊ! NÃO HOJE!
Ele corre.
Sem medo.
Sem hesitar.
O chão racha sob seus pés.
As veias do mundo brilham em tons elétricos.
É como correr contra o próprio destino.
Kuro avança também.
Quatro patas que carregam eras de fúria.
As sombras se espalham como mares em guerra.
Um uivo se mistura ao trovão:
“EU SOU VOCÊ.”
Os dois se colidem.
BOOOOOOM.
O céu do mundo interior se despedaça.
Estrelas apagam.
Um raio de puro Sen parte a atmosfera.
Mas a luta… não é só física.
Enquanto os punhos colidem — dentro de cada soco, há memórias.
Medos.
Gritos engolidos.
Sonhos manchados.
— Deixa que eu luto, Renji. — diz Kuro.
A voz dele é mais do que som — é um sentimento.
— Eu sou você. Eu sou a sua força. Eu sou o que te fez sobreviver quando ninguém acreditava.
Renji treme.
Mas levanta os olhos.
— E eu sou quem te deu forma. Quem te segurou na coleira quando tu queria matar tudo.
Ele avança com mais um soco, agora com luz em volta da mão.
— Eu sou quem te deu um nome, Kuro.
O lobo hesita.
— Você é força.
— Mas eu sou o controle.
— Você é a besta.
— Mas EU sou o LUTADOR.
Eles se colidem mais uma vez.
E dessa vez, o impacto não gera destruição.
Gera luz.
Uma luz densa, branca, suja de vermelho.
Uma luz que purifica, não anula.
A sombra começa a se fundir com Renji.
Sem selos.
Sem negações.
É integração.
[De Volta à Arena]
A poeira assenta.
Kaoru observa com olhos semicerrados.
— …Será que eu fui longe demais?
Mas então —
Renji levanta.
Lento.
Mas firme.
Um novo brilho nos olhos.
Nem vermelho.
Nem dourado.
Mas um tom profundo de cinza flamejante.
Equilíbrio.
O corpo dele agora pulsa com uma aura dupla: luz e sombra, fundidas.
E quando fala…
Sua voz tem ecos.
Um segundo tom por baixo.
Como se Kuro também estivesse ali — mas obedecendo.
— Agora sim.
— Agora eu sou inteiro.
Kaoru sorri.
Um sorriso cansado, quase grato.
— Então venha, Renji. Mostre pra mim o verdadeiro poder de alguém que domina sua própria fera.
Continua…
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.