Capítulo 29 - A resposta do universo é 500 reais
O silêncio entre eles era carregado de expectativa. A pequena caixa vermelha parecia pesar mais do que seu tamanho sugeria, tal qual se guardasse não apenas um objeto, mas todo o peso da vingança que estavam prestes a concluir.
Os sons do restaurante pareciam distantes agora, dando a impressão de que Ana Clara e ‘Che’ estivessem isolados em uma bolha de conspiração, unidos por um plano que chegava ao seu clímax perfeito.
A curiosidade brilhava nos olhos dele enquanto contemplava o que poderia ser aquele misterioso objeto que a garota em sua frente considerava ser o golpe final.
O jovem herói de boina abriu a caixa e encontrou um delicado anel de prata com uma pequena pedra azul. Algo nas memórias de Quintus se agitou, reconhecendo o objeto.
Ele mal teve tempo de perguntar antes que Ana Clara disparasse:
— Eu descobri esse anel enquanto fuçava seus arquivos criptografados, escondidos numa pasta chamada “500 Receitas de Família”. Nada mais suspeito que um homem jovem ter receitas de família, né? Achei documentos, mensagens, e esse anel descrito com mais inocência do que um pedido de namoro feito no alto de um trio elétrico em pleno Carnaval de Salvador. E, como eu não sou de perder tempo, fiz um pequeno desvio antes de vir pra cá.
Enquanto ‘Che’ olhava para o anel assustado mais com a eficiência da garota loira do que pelo objeto, a garota loira relembrava com satisfação todo o processo de aquisição não pela dificuldade, mas pela bizarrice:
O velho dono da ‘Antiguidades & Relíquias Marcondes’, com seus óculos escorregando pelo nariz e cara de quem já ouviu mais histórias de traição que Uber em corrida noturna, a encarou quando ela anunciou:
— Vim buscar um anel deixado por um apaixonado.
— Ah, o drama romântico do Quintus! — respondeu surpreso o Sr. Marcondes — Pensei que ele nunca mais apareceria. E a senha?
— Quinhentos anos passarão… — disse Ana Clara, reunindo a dignidade que conseguiu reunir — e mesmo assim, ainda estarei esperando por ela.
O velho suspirou à semelhança de quem finalmente testemunha o milagre que zombava de acreditar: o amor vencendo, contra todas as probabilidades, e contra o bom senso. E voltando depois de uma rápida ausência com uma caixinha vermelha entre as mãos…
Ana, saindo de suas lembranças e com a atenção de volta ao restaurante, observava ‘Che’ ainda fitando o anel, agora iluminado também pelas memórias que vinham à tona.
Fragmentos da mente de Quintus invadiam a sua, igual flashes de uma vida que não era mais dele: lembranças de Gustavo, o irmão de Mirela, comentando sobre o anel, rindo, entregando sem querer que Mirela já sabia… Ela brincava com isso, provocando Quintus, perguntando para quem era, enquanto ele corava como um adolescente diante de sua musa…
— Então é este… — murmurou o jovem revolucionário exilado no tempo, finalmente também despertando das próprias memórias feito quem volta de um sonho esquisito e encara, pasmo, o peso simbólico daquela joia.
— Sim, Quintus Maximus. — disse ela confirmando e deixando claro para o jovem que ela sabia muito mais da vida dele do que tinha revelado — E agora é hora de usá-lo.
— Prefiro ‘Che’! — respondeu ele cortante, evitando explicações, mas aceitando o início da ação com um aceno breve.
— Atenção, todos! — disse Ana Clara, já imune a respostas secas, levantando-se de repente e batendo palmas com a energia de quem vai leiloar um segredo de Estado para todos os presentes no restaurante — Meu revolucionário tem algo a dizer!
O silêncio caiu sobre o local tal qual uma cortina pesada. Mesmo Mirela, em seu estado de desespero, voltou-se para observar, um resquício de curiosidade brilhando através de sua humilhação.
‘Che’ entendendo o plano, levantou-se com a dignidade de um líder prestes a anunciar a queda de um regime opressor. Ajoelhou-se diante da garota loira e abriu a caixinha, revelando o anel que por tanto tempo havia sido o símbolo das esperanças não realizadas de Quintus.
— Companheira Ana Clara! — começou ele, sua voz grave ecoando pelo restaurante silencioso e tentando parecer moderno — Aceita formalizar nossa união revolucionária em um compromisso sério de namoro oficial, com direito a status no Facebook e foto de perfil conjunta?
O anacrônico pedido de namoro arrancou suspiros e risos da plateia. Nos tempos atuais de ‘ficantes’ e ‘contatinhos’, um pedido formal de namoro soava tão antiquado quanto pedir a mão da pretendente ao pai dela, com direito a dote e tudo.
Ana Clara cobriu a boca com as mãos em uma interpretação perfeita de surpresa emocionada e depois de mais uma grande interpretação declarou:
— Sim, meu general revolucionário! Mil vezes sim!
Enquanto colocava o anel no dedo dela, ‘Che’ vislumbrou Mirela ao longe. Seu rosto havia perdido toda a cor, e seus olhos fixavam-se no pequeno anel azul.
A expressão em seu rosto não era apenas de humilhação ou raiva, mas algo mais profundo: a realização de que acabara de perder algo que nunca valorizou, mas que sempre considerou garantido.
“Isso não era… para ser meu?” — o olhar dela parecia dizer. Durante todo esse tempo, ela brincara com os sentimentos de Quintus, mantendo-o na condição de uma reserva emocional, uma garantia para o futuro, alguém que sempre estaria lá, caidinho por ela, bastando estalar os dedos para tê-lo. E agora, vendo o anel no dedo de outra mulher, ela finalmente sentia o peso de sua perda, mesmo nunca tendo pretendido realmente usar aquele amor ou ter algo real com ele.
— Clap-clap! — o restaurante irrompeu em aplausos.
Colegas élficas se aproximaram para cumprimentar o novo casal. O gerente, percebendo uma oportunidade de marketing para salvar a noite desastrosa, anunciou uma rodada de hidromel por conta da casa para celebrar o amor.
Mirela, completamente derrotada, retirou-se para os fundos do restaurante, arrancando as orelhas élficas postiças com raiva mal contida.
— Missão cumprida, General? — perguntou Ana Clara, enquanto os aplausos diminuíam e os clientes retornavam às suas refeições, agora munidos de uma história épica para contar.
— A justiça revolucionária foi servida. — ‘Che’ assentiu solenemente e completou — Mas ainda temos outros alvos na nossa lista, companheira. Os falsos camaradas Gustavo e Leon, e a misteriosa mulher do Job.
— Quanto aos seus amigos… — respondeu Ana Clara com os olhos brilhando com malícia renovada — Já tenho um plano perfeito.
— E sobre a mulher do Job… — ela continuou fazendo uma pausa dramática, cruzando os braços com um sorriso travesso — Olha, o combinado era uma missão. Agora são duas, ou melhor, duas e meia, considerando a enigmática mulher do Job. Isso exige uma renegociação.
— Renegociação? — disse franzindo o cenho e já prevendo onde isso ia dar.
— Sim, mas como já estou aqui, vou fazer um preço camarada: 500 reais.
‘Che’ arregalou os olhos, lembrando-se da garota do Job que cobrara o mesmo valor e não entregara o serviço para Quintus.
— Quinhentos? Isso me soa familiar…
— Confie em mim, grande líder revolucionário! Diferente daquela, eu entrego o que prometo.
— Está bem. — confirmou ele suspirando, ciente de que esses eram os únicos 500 reais que possuía em sua conta bancária — Mas essa é toda a minha reserva.
— Negócio fechado. — disse, enquanto estendia a mão com um sorriso confiante que foi momentaneamente traído por uma duvida — Espera, quem exatamente é essa mulher do Job?
O jovem mártir latino reencarnado abriu a boca e fechou novamente, subitamente consciente de sua falha estratégica.
— Eu… não sei o nome dela. — admitiu, sentindo-se à semelhança de um general que esqueceu de verificar onde ficava o campo de batalha — As memórias de Quintus a identificam apenas como ‘morena intelectual’, ‘bandida’ e ‘a garota do Job’.
— Você planejou uma vingança contra alguém e nem sabe quem é? — comentou batendo a palma da mão em sua própria testa — Nem o nome fantasia da garota você sabe? — ela riu, incrédula — E eu pensando que a revolução cubana tinha sido bem planejada!
‘Che’ sentiu seu rosto esquentar sob a boina revolucionária. Nunca havia considerado que ser um guerrilheiro reencarnado exigiria habilidades de investigação tão específicas.
— As revoluções do passado eram mais simples, companheira. — disse ele, forçando-se a explicar algo que deveria pertencer à história, mas que só ele sabia ser real e pessoal, já que era, de fato, Che Guevara — Você apenas identificava o opressor pela casa grande e pelo charuto importado.
— Deixa comigo. — respondeu Ana Clara revirando os olhos e já digitando furiosamente em seu celular — Se ela recebeu pagamento, posso rastreá-la! — murmurou, concentrada na tela — Pelas informações que você me passou… Vou hackear o celular do bilionário através do seu aparelho e descobrir pelo PIX todos os dados da garota do Job.
Em questão de minutos, seus dedos ágeis haviam invadido sistemas, burlado senhas e navegado por um labirinto digital que deixaria a CIA de cabelo em pé. E a ABIN, provavelmente, ocupada demais espionando o grupo da família no WhatsApp.
— Achei! — exclamou triunfante — Jéssica Alvarez, 22 anos, conhecida no mundo dos serviços como ‘Afrodite Particular’. Está sediada a menos de 20 km daqui e, pelo histórico de transações do nosso amigo bilionário, cobra um preço bem salgado.
— Quanto exatamente? — perguntou curioso imaginando que até no preço ele tinha sido enganado.
— Quinhentos reais. Por hora — ela respondeu, olhando o teclado e soltando um assovio baixo — A resposta do universo é 500 reais, pelo visto.
— Como assim? — perguntou, aliviado ao perceber que Quintus havia pago o valor padrão, sem surpresas desagradáveis.
— Ora, todo mundo conhece a história do Mochileiro das Galáxias, não? A resposta para a vida, o universo e tudo mais… Pelo visto, em nosso universo capitalista, a resposta é 500 reais.
— É o preço da felicidade… por hora, pelo menos — continuou filosofando Ana Clara, com uma risada irônica — É quanto custa um orgasmo de luxo, uma consulta com psicólogo bom, um tanque de gasolina para um SUV, um tênis falsificado na 25 de março que parece original, ou um jantar romântico para dois em um restaurante que serve a comida em pratos quadrados.
O paladino de Cuba pegou seu smartphone também, fez uma rápida pesquisa e disse:
— E também é exatamente o preço de uma boia inflável de unicórnio gigante, um violão de entrada da Yamaha, uma sessão de acupuntura com agulhas de ouro, ou cinco pizzas grandes no domingo à noite. — completou ele, solenemente — Parece que os capitalistas encontraram um denominador comum para a exploração do proletariado. O universo nos cobra 500 reais para os melhores prazeres mundanos.
— Pelo menos não é em dólar. — respondeu ela, dando de ombros e fechando os olho — Mas voltando ao plano…
— E quanto aos falsos camaradas? — interrompeu ‘Che’, intrigado com a eficiência quase corporativa daquela guerrilheira digital.
— Já enviei um ‘prêmio’ para eles. — disse Ana Clara com um sorriso tão safado que pareceria ter saído direto de um meme do Compadre Washington — Um sorteio especial do Discord ‘Gamers Milionários’, grupo antigo que eles já participam. Eles acabaram de ‘ganhar’ uma hora com a deslumbrante Afrodite Particular. O Uber já está a caminho para buscá-los.
Ela mostrou a tela para o jovem herói de boina, onde uma conversa entusiasmada entre Gustavo e Leon se desenrolava:
“CARA, GANHAMOS MESMO????” — escrevia Gustavo.
“NÃO É POSSÍVEL, SEMPRE FOMOS AZARADOS” — respondia Leon.
“MAS COMO VAMOS DIVIDIR? UM USA E PAGA O OUTRO DEPOIS?”
“VOU FICAR COM OS PRIMEIROS 30 MINUTOS”
“NEM PENSAR, EU QUERO OS PRIMEIROS 30”
“E SE DIVIDIRMOS OS 500 REAIS E CADA UM PAGA MAIS MEIA HORA?” — sugeriu Gustavo.
“NÃO TENHO 250 AGORA, GASTEI COM SKIN NO FREE FIRE” — respondeu Leon.
“PEDE EMPRESTADO PRO QUINTUS” — escreveu Gustavo, provocando uma risada amarga em ‘Che’ ao ler.
— Enquanto isso. — continuou Ana Clara, deslizando para outra tela — Nossa amiga Jéssica acaba de receber uma oferta extremamente generosa para um encontro no Motel Paraíso Dourado, quarto 77, a uma hora daqui na cidade vizinha. O cliente, um suposto empresário italiano chamado ‘Carlos Banderas’… Eu sei, eu sei, misturei as nacionalidades de propósito. Ofereceu o triplo de sua tarifa normal, com UBER e hospedagem inclusos.
— E ela aceitou? — inquiriu o jovem revolucionário exilado no tempo, não conseguindo conter um sorriso admirado.
— Com 1.500 reais? — disse a Hacker — Por esse valor, dá para comprar três iPhones no Paraguai, uma geladeira frost-free no Magazine Luiza durante a Black Friday, ou um jantar completo para seis no restaurante que o chef tem tatuagem no pescoço. É três vezes o valor do universo. Claro que ela aceitou!
Ela fez uma pausa dramática, arregalando os olhos com fingida admiração e continuou:
— Você sabia que 500 reais também é exatamente o valor da multa por não votar em três eleições consecutivas? É como se o universo estivesse nos dizendo que participar da democracia ou contratar uma hora com Afrodite Particular têm exatamente o mesmo valor para a sociedade.
‘Che’ assentiu sabiamente acrescentando uma referência saudosa:
— Marx nunca previu que o valor de troca seria tão literalmente padronizado. Ele falaria sobre isso em ‘O Capital – Volume 500: A tirania do preço único’.
Mostrou rapidamente uma imagem de um homem absurdamente bonito, obviamente gerado por IA, vestindo um terno italiano e sorrindo com dentes perfeitos demais para serem reais.
— O plano é perfeito — continuou ela mostrando rapidamente a imagem de um homem absurdamente bonito, obviamente gerado por IA, vestindo um terno italiano e sorrindo com dentes perfeitos demais para serem reais — Jéssica vai para o motel, quarto 77. Os dois idiotas vão para o mesmo quarto. O cartão usado para reservar vai ser cancelado remotamente. Todos ficarão presos a uma hora de distância de casa, sem dinheiro suficiente para o retorno, furiosos uns com os outros, e para completar…
— Vou hackear as câmeras de segurança do motel… — continuou ela, depois de fazer outra pausa dramática — Para obter fotos dos dois entrando juntos, que serão imediatamente postadas em todos os grupos sociais deles com legendas sugestivas sobre sua ‘nova descoberta sexual’.
— E tudo isso vai acontecer enquanto um contador regressivo marca os minutos que valem 500 reais na vida de Jéssica! — completou ele, fascinado com a poesia diabólica da situação — Uma hora de escândalo, confusão e arrependimento, tudo pelo preço de uma garrafa de uísque falsificado na porta do forró.
— Companheira! — disse ‘Che’ aplaudindo lentamente, genuinamente impressionado — você faria Stalin chorar de orgulho com essa eficiência em eliminar inimigos da revolução.
Eles brindaram com seus copos, satisfeitos com o plano. A conta do restaurante, conforme Ana Clara havia prometido, foi paga por um misterioso ‘Fundo Sindical de Apoio’, que o jovem mártir latino reencarnado suspeitava fortemente ser algum cartão de crédito hackeado, mas decidiu não fazer perguntas.
— Sabe quanto custou nossa vingança élfica? — perguntou ela, mostrando a nota fiscal em seu celular.
— Deixa eu adivinhar: 500 reais? — arriscou, já percebendo o padrão.
— Exatos 499,99. — corrigiu ela com um sorriso triunfante — Porque até o universo sabe que 4,99 parece muito mais barato que 5,00. A ilusão capitalista em sua forma mais pura.
Na saída, ‘Che’ se despediu de Ana Clara com um abraço revolucionário.
— Sua contribuição para a causa jamais será esquecida, companheira! — disse ele solenemente — Você é verdadeiramente a arma secreta que o proletariado emocional precisava.
— Foi um prazer, jovem general. — brincou a jovem hacker dando uma risadinha travessa enquanto ajeitava sua peruca loira com a confiança de quem já enganou três ex e um gerente de banco — Se precisar de mais caos digital, você sabe o valor e como me encontrar.
— E quanto vai me custar esse serviço revolucionário? — perguntou ele, já sabendo a resposta.
Ana Clara piscou um olho, misteriosa.
— Para você, camarada? — respondeu piscando um dos olhos — Apenas 500 reais. A mesma quantia que o universo cobra por uma hora de terapia, um rodízio de comida japonesa para duas pessoas, ou uma revisão básica em um carro popular.
— É exatamente o mesmo valor que o DETRAN cobra para transferir documentos de veículos, ou o preço de um óculos de sol falsificado na praia que quebra em duas semanas. — ela continuou inclinando-se mais para perto do jovem — Também é quanto custa um par de ingressos para um show de rock nacional ou uma entrega de flores surpresa em dia dos namorados.
— O universo tem um senso de humor peculiar. E também um departamento de precificação muito consistente. — falou ‘Che’, sem conseguir conter o riso.
Eles se separaram na calçada. O jovem revolucionário exilado no tempo seguiu pela rua, sentindo-se satisfeito. A dívida com o antigo dono do corpo foi finalmente quitada. Agora poderia se dedicar, sem pendências cármicas, à sua verdadeira missão: trazer a revolução para o século XXI.
Em sua conta bancária, por reflexo, Che contou quanto dinheiro tinha. Exatos 500 reais. Coincidência? Destino? Ou apenas mais uma prova de que o universo tinha um senso de humor tão previsível quanto um contador fazendo piadas sobre declaração de imposto de renda?
A noite estava fresca, perfeita para planejar a derrubada do capitalismo global enquanto caminhava para casa. Tão absorto estava em seus pensamentos revolucionários que mal notou a van preta estacionada discretamente na esquina adiante.
Só quando passou por ela e ouviu o som da porta deslizando é que seu instinto guerrilheiro disparou alarmes. Virou-se rapidamente, mas já era tarde demais. Dois homens vestidos de branco, com a musculatura de quem carrega pacientes agitados para um passeio, avançaram em sua direção.
— Ei, camaradas, creio que há um engano aqui! — começou ele, recuando alguns passos — A revolução é pacífi…
— Quanto vocês estão ganhando por hora para fazer isso? — tentou argumentar, já prevendo a resposta.
— Adivinha só, seu maluco? Quinhentos reais! — respondeu um dos homens, erguendo o taco de beisebol — O mesmo preço de uma visita ao dentista, um tênis de corrida de marca razoável, ou uma diária em uma pousada três estrelas em Campos do Jordão na baixa temporada.
Não conseguiu terminar a frase. O taco de beisebol encontrou sua têmpora com precisão científica, enviando estrelas vermelhas por todo seu campo de visão.
Enquanto sua consciência se esvaía, conseguiu vislumbrar brevemente o interior da van. Um sujeito alto, loiro, musculoso e perigosamente confiante, com um olhar meticuloso de cientista maluco, observava a cena com interesse clínico. Ao seu lado, equipamentos sofisticados piscavam tal qual uma árvore de Natal capitalista.
“Dr. Zaratustra” — concluiu ‘Che’ em seu último momento de lucidez, antes que a escuridão revolucionária o engolfasse completamente.
Seu último pensamento consciente foi uma equação simples:
“A dignidade humana, o preço de uma hora de prazer, o salário por espancar um revolucionário, a vingança bem executada… tudo custava exatamente 500 reais. Douglas Adams estava errado. A resposta para a vida, o universo e tudo mais não era 42. Era 500: o valor exato que separava o querer do ter, o sonhar do realizar, em um mundo onde até o caos tinha um preço fixo.”
E por alguma razão cósmica, parecia apropriado que esse preço fosse exatamente o mesmo de uma pizza gigante com borda recheada, uma cadeira gamer de qualidade duvidosa, ou um corte de cabelo em um salão onde o cabeleireiro tem sotaque carioca falso.
O universo tinha falado através de sua conta bancária, e a mensagem era clara: 500 reais. E com absoluta certeza, seria também o valor exato da consulta médica quando acordasse.
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