Índice de Capítulo

    O banquete foi tão extravagante como era de se esperar.

    Houve uma variedade de pães e empadas, tanto cobertas como recheadas com diferentes queijos e ervas, mas o prato principal foi a leitoa assada que as servas vinham preparando a dois dias em uma clara tentativa de conseguir o seu favor. O animal — recheado com ervas, miúdos e pão — fora marinado em vinho e especiarias por um dia e meio, antes de ser assado e trazido até eles em um prato decorativo com ervas frescas e frutas.

    Como o homenageado da noite, era de Siegfried a primeira porção, mas o rapaz não teve tempo de saboreá-la.

    Em respeito à sua investidura como cavaleiro, ele havia cedido o assento de lorde do Salão Branco à baronesa Whitefield e sentava-se à sua direita. Astrid Whitefield estava à direita dele e aguardou apenas até que o barulho dos convidados se tornasse alto o bastante para esconder a conversa deles, antes de sussurrar irritada:

    — O que foi aquilo!?

    — ‘Aquilo’ o quê?

    — Não se faça de idiota! Você sabe muito bem, ‘Blackfield’. Quem te deu o direito de usar esse nome!?

    Siegfried não esperava essa reação. Imaginou que a escolha do nome pudesse causar certa estranheza, mas nunca pensou que acabasse se transformando em algum tipo de insulto. Sem saber bem como reagir, o rapaz se ajeitou envergonhado na cadeira e tentou se justificar:

    — Foi uma homenagem.

    — Você não é da família!

    — Eu nunca disse que era.

    — Então por que criou a porra de um ramo cadete!?

    — Astrid! — disse a baronesa Whitefield, tomando um gole de sua taça de vinho. Elegante e discreta, como de costume. — Se atenha aos modos.

    — Mas ele–

    — Eu sei o que fez. Embora pareça que ele não.

    — É só um nome — insistiu Siegfried.

    A lady Whitefield pôs a taça meio vazia na mesa e se dirigiu ao rapaz com a mesma calma que uma mãe se dirigiria a uma criança que precisa ser explicada do seu próprio erro:

    — Não. É o meu nome. O nome da minha casa. Como acha que isso vai parecer para os outros nobres? Não responda. Eu mesma te digo, pois, ao que parece, sou agora sua matriarca. Ora, o que mais poderia ser?! O armei cavaleiro e agora você usa o meu nome. Não como um vassalo que hasteia a minha bandeira, mas como um filho mais novo que deixa sua antiga casa para formar a própria. Acho que te devo os parabéns, não é? Siegfried Blackfield. Bom trabalho, agora você é um nobre. Sem terras ou títulos, é verdade, mas um nobre assim mesmo. Que não se diga que nunca lhe dei nada.

    Foi tudo muito rápido depois disso.

    Uma semana mais tarde, trinta soldados de Vila Verde chegaram aos portões do Salão Branco. Mas ao contrário do que se esperava, não eram liderados pelo barão Greenlock, e sim por um de seus tenentes: Leland — um homem de quarenta anos, cabelos negros, postura firme e os olhos de um comandante. Um guerreiro confiável.

    A baronesa Whitefield não gostou nada disso.

    — Onde está o meu irmão!?

    — Sua graça, o lorde Greenlock, infelizmente não pôde vir, minha senhora. Questões urgentes, pelo que fui informado. Mas garanto que os manterei a salvo. Juro pela minha vida.

    Leland era o servo com que todo nobre sonhava: obediente, discreto e eficiente. Vivia para servir e nada além disso. Tão logo soube que a baronesa Whitefield havia armado Siegfried como cavaleiro e permitido que fundasse o próprio ramo cadete, passou a tratá-lo com deferência.

    Ermin e Igmar nunca foram confiáveis, por isso o rapaz tinha de disputar o comando da guarda em cada decisão. O mesmo não era verdade para os homens de Leland, que logo se provaram dignos de confiança… Bem, pelo menos mais dignos de confiança que os outros.

    Os Mantos Negros continuavam sob o comando de Siegfried, mas eram os únicos.

    Tanto seus Espadas Brilhantes, como os homens do barão Lawgard, haviam sobrevivido além de sua utilidade. Antes precisava deles para patrulhar os muros do Salão Branco, mas isso se tornou desnecessário com a chegada de reforços do barão Greenlock.

    Não podia, nem desejava manter homens inúteis e traidores na fortaleza. Mas sabiam demais das defesas do Salão Branco e outros segredos, por isso não podiam ser libertados.

    Os Espadas Brilhantes foram todos executados. E embora Siegfried tenha tirado disso certo prazer pessoal, eles estavam longe de serem inocentes e, portanto, não violara os seus novos votos.

    Com os homens Lawgard, por outro lado, teve de ser mais leniente e os mandou para a prisão. Não achava que isso fosse o bastante para fazer com que o barão Lawgard o perdoasse por cortar sua garganta e quase matar o seu filho, mas preferia não aumentar a sua lista de reclamações para o que estava por vir.

    A baronesa Whitefield enviara uma ave ao Castelo Silvergraft no dia seguinte à chegada das tropas Greenlock…

    E o barão Kessel chegou seis dias mais tarde, à frente de uma tropa de cem homens.

    “Não tem mais volta”, pensou Siegfried, ao vê-los se aproximarem para cercar o Salão Branco.

    Os cem soldados chegaram com o sol e, em não mais que duas horas, Vila Nova estava ocupada, conforme se espalhavam pelas ruelas e tomavam como abrigo as maiores construções. Não houve resistência. Os moradores pegos de surpresa ou que não chegaram em suas casas a tempo foram logo mortos.

    Houve alguns gritos, conforme as casas eram arrombadas em busca de armas e alimentos, mas ninguém se deu ao trabalho de tentar reunir todos os moradores em um mesmo lugar. Ao invés disso, montaram patrulhas de cinco soldados que passaram a executar qualquer um andando pelas ruas.

    De vez em quando, os soldados invadiam uma ou outra casa. A princípio, aleatoriamente. Levou um tempo até que Siegfried percebesse a razão: eles estavam matando pessoas que tentavam espiar o que acontecia do lado de fora.

    Não foi até o entardecer, quando os seus homens já estavam organizados, que o barão Kessel veio.

    O encontro dos comandantes aconteceu a quatro metros dos portões do Salão Branco. De um lado: Sir. Siegfried Blackfield, a baronesa Whitefield e o tenente Leland, cada qual em seu próprio cavalo. Do outro: o barão Kessel, Adrien Dalton e mais um rapaz de dezesseis anos que não conhecia, mas ostentava as cores da casa Lawgard e um broche com cabeça de corvo. Todos montados.

    — Parece que um mercenário será sempre um mercenário — disse o barão Kessel, assim que viu Siegfried. Então cuspiu no chão. — Lembra do que te disse quando nos conhecemos?

    — …

    — Eu te dei uma chance, vira-casaca. Uma! Devia ter queimado essa sua cara quando tive a chance.

    — A culpa não é dele! — a baronesa Whitefield interveio. Calma e elegante. — Foi Asher quem começou tudo isso quando tentou matá-lo.

    — O que fizeram com o meu pai!? — perguntou o garoto Lawgard, perdendo a calma. — E o meu irmão!? Quero vê-los!

    — Estão vivos — disse Siegfried. — Nenhum mal lhes será feito.

    — E devo tomar por verdade a sua palavra!? Eu disse que quero vê-los! Traga-os aqui, mercenário!

    — Isso não vai acontecer, mas se duvida de mim, é livre para ver com seus próprios olhos. Leland o levará até eles.

    — Acha que sou idiota!?

    “Acho”, mas preferiu não dizer em voz alta.

    — Depois que eu entrar, que garantia tenho de que não me tomarão prisioneiro também!?

    — Tem a minha palavra.

    Mesmo para Siegfried, a resposta pareceu uma piada de mau gosto. A sua palavra valia menos que merda naquele instante.

    — A palavra de um cavaleiro! — acrescentou a baronesa Whitefield, se pondo ao seu lado. — E cansei de vê-los destratar o meu afilhado. A partir de agora, se dirigirão a ele com o respeito que merece!

    Aquilo os pegou de surpresa. O garoto Lawgard se calou e Adrien Dalton olhou para Siegfried da mesma forma que alguém olharia para um cavalo de seis patas. Mas o barão Kessel se limitou a ir direto ao assunto:

    — Que seja! Pouco me importa o que nos trouxe até aqui. Milady. ‘Sir’. São agora meus inimigos e isso é tudo o que tenho de saber. Então, façam o favor de nos dizerem os seus termos para libertar o barão Lawgard e seu filho, antes que eu me canse e decida derrubar essa casa de gravetos a que chamam de ‘fortaleza’.

    A baronesa Whitefield sorriu.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (4 votos)

    Nota