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    “As pessoas dizem que a insônia é o melhor momento para reflexões profundas. Mentira. É o melhor momento para criar cenários catastróficos sobre como você vai destruir sua própria vida nas próximas 24 horas.” — pensou o jovem Maximus, virando pela milésima vez em sua cama.

    O convite para a festa da Illusia estava ali, sobre sua mesa, brilhando na escuridão como um outdoor de neon anunciando: “VEM VER O QUINTUS PAGAR MICO.”

    Ele olhou para o relógio: 

    “3:47 da manhã. Fantástico. Faltavam aproximadamente 14 horas para o evento, o que significava 14 horas de puro desespero concentrado.” — calculou mentalmente, amaldiçoando cada segundo com o olhar fixo no maldito relógio. 

    Quintus tentou a técnica de contar carneirinhos, mas após o carneirinho número 38 começar a dar risada e se transformar na professora Nimsay perguntando onde estava aquela foto comprometedora, ele desistiu. 

    Tentou relaxamento muscular progressivo, mas só conseguiu uma cãibra no dedão do pé. Tentou meditação, mas sua mente só conseguia visualizar um campo de flores onde cada flor tinha o rosto da Mirela dando risada dele.

    Quando o sol começou a nascer, Quintus estava de olhos arregalados como se tivesse ingerido todo o café daquele país mítico chamado Brasil. Ele se levantou decidido, parecendo um soldado marchando para a guerra, com um pijama de dinossauros e cabelo que parecia ter perdido uma briga com um liquidificador.

    “Chega!” — proclamou para seu reflexo sonolento no espelho — “Einstein disse que insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes. Ou foi a minha avó? Tanto faz. O ponto é: preciso mudar.”

    Ele apontou para si mesmo no espelho com determinação heroica, tropeçou no tapete e quase beijou o chão, reproduzindo com fidelidade o passo em falso do mítico General Vampeta, que rolou três vezes na rampa sagrada do planalto selando pactos entre os deuses da cachaça e os príncipes do improviso.

    — Vou mudar depois que aprender a andar direito. — murmurou enquanto se recuperava.

    Quintus abriu o convite novamente, encarando as palavras como se fossem escritas em hieróglifos: “Festa de comemoração da Illusia… traje esporte fino… acompanhado.”

    “Acompanhado!” — a palavra ecoou em sua mente igual à vinheta do Plantão da Globo anunciando tragédia em horário nobre.

    “Se meu outro ‘eu’ consegue uma namorada em 24 horas, por que eu não consigo?” — questionou-se — “Claro, ele provavelmente não tem crises existenciais a cada cinco minutos nem conversa com carneirinhos imaginários às 3 da manhã.”

    Foi então que a ficha caiu completamente. O convite era para ir acompanhado. Não era opcional. Era mandatório. Ou talvez não fosse, mas em sua mente já havia se transformado em uma lei universal, como a gravidade ou o fato de que ele sempre derramaria café na camisa branca.

    O jovem Maximus pegou seu celular e começou a fazer uma lista mental de possíveis acompanhantes:

    “Ok, raciocina, Quintus. Mirela? HAHAHAHAHAHAHA Nem consigo terminar esse pensamento sem me sentir um idiota. Próxima. Alguma garota da escola? Eu e minha vida social do tamanho de um cotonete. Pagar alguém? Claro, só se o Banco Imobiliário aceitar abrir linha de crédito. Sequestrar alguém? Tá aí, versão Zé Pequeno romântico. Pronto, agora sim entrei oficialmente no modo desespero full.”

    O jovem desesperado deixou-se cair na cama, encarando o teto. O problema é que ele mal conhecia seus colegas de escola. Graças à pandemia, seu ensino médio havia sido basicamente uma série de quadradinhos em uma tela, onde metade dos alunos estava com a câmera desligada e a outra metade parecia estar em coma.

    Ele só conhecia realmente seus amigos Leon e Gustavo, e eles certamente não seriam suas ‘acompanhantes’ para a festa. Bem, eles poderiam ser, mas Quintus já imaginava os comentários que durariam pelos próximos quarenta anos de sua vida.

    E então havia Mirela, a irmã de Gustavo. O jovem Maximus sentiu seu coração acelerar só de pensar nela novamente. Mirela, com seu cabelo ruivo perfeitamente cuidado, seu olhar que parecia avaliar tudo como se estivesse cotando no mercado de ações, e aquele sorriso que dizia claramente: “eu poderia te destruir, mas vou esperar até você estar completamente apaixonado.”

    Talvez eu devesse ligar pra ela… pensou, de novo, como quem decide voltar para um restaurante onde só servem tapa na cara. Ele sabia que seria ridículo. Sabia que o “não” viria com trilha sonora de chacota. 

    Mas precisava falar. Uma vez só. Só uma frase. Só uma tentativa. Precisava da rejeição oficial carimbada, talvez até autenticada em cartório. Precisava dizer algo, qualquer coisa, antes que morresse engasgado com tudo que não falou. 

    “E DIZER O QUÊ, EXATAMENTE?!” — zombou sua própria mente, tirando sarro da sua fraqueza com a mesma crueldade de sempre.

    “Oi, Mirela, sou eu… que você ignora desde sempre. Lembra aquela vez que você me viu tropeçar na frente da escola e fingiu não conhecer? Bons tempos. Quer ir a uma festa comigo?” — pensou, enquanto mentalmente batia com a cara em uma porta giratória infinita de vergonha — “Não. Definitivamente não.”

    Quintus levantou-se novamente e começou a andar em círculos pelo quarto, um hábito que havia desenvolvido durante a pandemia e que lhe rendeu o apelido de ‘Redemoinho Humano’ por parte de sua mãe.

    “Val Ferri!” — exclamou de repente, fazendo com que seu reflexo no espelho parecesse genuinamente assustado — “Ele deve conhecer alguma garota que possa ir comigo!”

    Val Ferri de Sant’Ana, o lendário representante de classe que transformou a repetência em um modelo de negócios. Aos 30 anos, ele estava no ensino médio há tanto tempo que os professores já o consultavam sobre o currículo. Não por falta de inteligência, claro. Como ele mesmo gostava de explicar: 

    “Faculdade? Pra quê? Para ganhar um salário mínimo e meio depois de quatro anos estudando? Aqui eu tenho meu próprio império.”

    E de fato tinha. Val Ferri comandava um império de venda de trabalhos escolares, ‘consultoria’ para provas que surpreendentemente sempre acabavam sendo muito parecidas com as provas reais, e até um serviço de entrega de lanches durante as aulas. 

    Corria o boato de que ele tinha um arquivo com as manias de cada professor, incluindo quais perguntas gostavam de fazer e até o horário em que iam ao banheiro durante as provas.

    Quintus pegou seu celular e encontrou o número de Val Ferri. Hesitou um momento, pensando no preço que teria que pagar, não necessariamente em dinheiro, mas em favores futuros ou humilhação presente. Mas, neste ponto, ele estava disposto a negociar até sua alma.

    Antes que pudesse mudar de ideia, enviou uma mensagem:

    “Val, preciso de um favor URGENTE. Tenho um convite para a festa da Illusia hoje e preciso de uma acompanhante. Você conhece alguém que possa ir comigo? Estou desesperado. Literalmente QUALQUER pessoa serve.”

    Quintus encarou a tela por um minuto inteiro, mordendo o lábio. Então, adicionou:

    “P.S.: Pode ser sua prima daquela vez, a que você disse que era modelo, mas que apareceu na sua festa de aniversário e claramente estava usando um bigode falso e tinha um pomo-de-adão maior que o meu.”

    Enviou a mensagem e jogou o celular na cama como se estivesse pegando fogo. Agora era esperar.

    Enquanto o desespero crescia, Quintus olhou para sua estante de livros, onde uma foto da turma do colégio anterior à pandemia estava escondida atrás de uma pilha de mangás nunca terminados. Ele a pegou, soprando a poeira acumulada.

    Ali estava ele, parecendo desconfortável como sempre, junto com Leon e Gustavo. E ali, no canto da foto, estava a professora Nimsay, com seu sorriso gentil e olhos inteligentes.

    “Ah, a professora Nimsay!” — pensou, com aquele suspiro hormonal de quem confunde respeito com paixão.

    Ela havia sido uma das poucas pessoas que realmente se importaram durante a pandemia, chegando a fazer visitas presenciais para ajudá-lo com as matérias que ele estava tendo dificuldade. 

    Ela era inteligente, atenciosa, e definitivamente tinha o dobro da idade dele. Mas isso não o impediu de desenvolver uma daquelas paixões escolares típicas de aluno por professora.

    O pensamento fez Quintus corar até as orelhas ao se lembrar do ‘Incidente’. Aquele dia fatídico quando, tentando enviar uma foto de um trabalho para ela, ele cometeu o erro mais estúpido da história da humanidade.

    Era um dia normal. Ele estava no banho, pensando nas questões de física que precisava resolver para o dia seguinte, quando teve uma ideia brilhante para um problema particularmente difícil. 

    Saiu correndo do banho, puxou o celular e, ainda molhado e sem uma única peça de roupa, começou a tirar fotos do rascunho que tinha feito no espelho embaçado do banheiro.

    Foi só depois de enviar que ele notou duas coisas terríveis: primeiro, o reflexo no espelho mostrava muito mais do que equações físicas. Segundo, ele não havia enviado para o grupo de estudos, mas diretamente para a professora Nimsay.

    O pânico que se seguiu foi indescritível. Ele escreveu, apagou e reescreveu dezenas de mensagens de desculpas, mas no final, mandou apenas um “IGNORE A MENSAGEM ANTERIOR POR FAVOR”. 

    O mais estranho? Ela nunca mencionou o incidente. Nas aulas seguintes, ela o tratou exatamente como antes, fazendo com que ele se perguntasse se ela tinha realmente visto a foto ou se era profissional demais para mencionar.

    Quintus estremeceu com a memória e colocou a foto de volta na estante. Seria impossível convidar qualquer pessoa da escola depois daquele episódio. Mesmo depois de quase um ano, ele ainda tinha pesadelos onde a professora Nimsay aparecia em programas de televisão mostrando a famigerada foto e rindo junto com a plateia.

    Seu telefone continuava em silêncio. Val Ferri provavelmente ainda estava dormindo, como qualquer pessoa normal às seis da manhã de um sábado. Quintus sentia o desespero crescendo, como uma maré tóxica inundando seu peito.

    Foi então que seu olhar pousou em seu computador. Um pensamento começou a se formar, incerto como primeiro passo de bêbado em calçada irregular.

    Havia uma pessoa que sempre o entendia, que nunca o julgava por suas esquisitices, que sempre estava lá quando ele precisava desabafar sobre suas teorias mais absurdas sobre reencarnação ou sobre como as minhocas poderiam ser mais inteligentes do que aparentavam.

    “Snowbear…” — murmurou ele, enquanto um plano desesperado começava a se formar em sua mente.

    Snowbear era sua amiga virtual, alguém que ele conheceu em um fórum sobre teorias alternativas de existência. Eles nunca se viram pessoalmente, nem mesmo em videochamadas. 

    Tudo que ele sabia sobre ela vinha de conversas de texto, algumas fotos de paisagens que ela compartilhava, nunca uma imagem dela, e a sensação de que, de alguma forma, ela o compreendia melhor que qualquer pessoa real.

    “Seria loucura demais?” — perguntou-se, enquanto ligava o computador — “Convidar alguém que eu nunca vi para uma festa onde minha reputação já inexistente estará em jogo?”

    A resposta óbvia era sim, seria loucura completa. Mas, àquela altura, loucura parecia a única opção disponível. Afinal, o que poderia dar errado, além de absolutamente tudo, inclusive o fato de ela jamais ter enviado uma única foto dela mesma?

    “Talvez eu pudesse convidar Snowbear.” — murmurou para si mesmo, afastando as dúvidas enquanto digitava sua senha no computador, pronto para enviar a mensagem mais desesperada de sua jovem vida.

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