Índice de Capítulo

    ALVO PRIMEIRO

    — Ancião Borgu, poderia nos acompanhar em nossa visita ao covil da calamidade? O ancião Tati’nu está consertando a armadura de cristal e não pode se juntar a nós — Ven’e juntou as mãos e fez uma reverência assim que Borgu abriu a porta de seus aposentos.

    A câmara/casa, onde Borgu vivia, era modesta, de certa forma. Era como uma pequena caverna, localizada ao lado de um túnel movimentado. 

    Mesmo sem entrar, dava para ver uma lareira, algumas poltronas e muitos artefatos expostos em prateleiras. Pareciam troféus, de uma era em que ele fora jovem. 

    — Mal cheguei e já que me dar mais trabalho, menino? — ele parecia bastante cansado pela longa viagem.

    — Se o senhor não puder, peço para o ancião Galagar.

    — Não seja idiota. Galagar não conseguiria segurar sua língua, se necessário… Eu vou! — Borgu fechou a porta de sua residência atrás de si, e se uniu a nós.

    — Fico muito agradecido! — Ven’e disse.

    Nosso grupo, agora composto pelo ancião, o escolhido anão e minha pequena patota, se dirigiu até os túneis mais profundos da gigantesca montanha.

    Andamos sem conversar muito, pois sabíamos que Borgu era ranzinza, e poderia se irritar com o mínimo de interação.


    Após um ciclo andando, chegamos no final do túnel. Lá, se abria uma passagem ampla, onde havia um pouco mais de iluminação.

    Como se maculasse a parede de pedra escura, um portão duplo, marrom e metálico, fazia o contraste no local. Nele, havia adornos prateados e entalhados. Imagens de vários tipos de animais embelezavam sua superfície.

    Dois guardas faziam a proteção do lugar, usando armaduras completas e lanças com o dobro de suas alturas, o que não era muita coisa… Tudo bem, vou evitar esse tipo de comentário.

    — Chegamos. Aqui teremos mais informações sobre essa maldita “reunião profética” — Ven’e parecia exausto. Não pela caminhada, mas pela situação.

    — Seus anciãos dizem que vamos morrer. Precisamos saber o que vai me matar, por ser um marcado pelos deuses — tentei brincar com a situação, mas ninguém ali parecia querer sorrir.

    — Vamos acabar logo com isso — Borgu seguiu a frente de nosso grupo. — Guardas, liberem a entrada. Esses humanos e nosso escolhido, precisam ter uma audiência com a calamidade da montanha.

    Eles se entreolharam. O mais baixo deles disse:

    — Mas senhor… Humanos, aqui?

    — Não me faça repetir, garoto. Com quem acha que está falando? — O velho estava ainda mais ranzinza pelo cansaço da longa caminhada

    — Desculpe, senhor! 

    Os dois engoliram em seco, mas acataram as ordens. Cada um deles segurou em uma argola metálica, no meio do portão, e começou a puxar. No mesmo momento um ar quente saiu lá de dentro.

    Assim que o portão estava escancarado, um dos guardas perguntou:

    — Precisam de tochas, senhor?

    — Não se preocupem com isso — Borgu colocou a palma da mão direita para cima e uma chama, extremamente brilhante, nasceu. A cor da chama era bastante clara, me forçando a desviar o olhar. — Venham!

    Seguimos o ancião por alguns espaços de tempo até o teto da caverna aumentar abruptamente, revelando uma sala escura e, aparentemente, gigantesca.

    Ele apontou a mão em chamas para a parte mais à direita da caverna e lançou uma pequena bola de fogo naquela direção. Assim que o ataque acertou um objeto, o mesmo acendeu. Era uma pira.

    Ele repetiu esse processo mais três vezes, em três outras piras.

    Agora a caverna estava um pouco mais iluminada.

    Tentei focar a visão em algo neste lugar, mas meus olhos ainda não haviam se acostumado com a claridade repentina.

    No fundo, perto do que parecia um rio subterrâneo, estava uma estrutura rochosa, com cerca de trinta metros de altura, e cinquenta de largura. Era parecido com um pequeno morro rochoso. 

    Aquilo destoava bastante, pois a estrutura de pedras tinha cores bem mais claras que as paredes da caverna.

    — Me sigam. Ele deve estar dormindo.

    “Ele?”, pensei.

    Descemos um pequeno lance de escadas de mármore, que nos colocou no mesmo nível do morro claro e pedregoso.

    Andamos até o centro da enorme caverna e Borgu parou.

    — Façam silêncio até ele falar com vocês! — Advertiu o idoso.

    Eu e meu grupo nos entreolharam, sem entender. Ven’e parecia tenso.

    — Ó, Ancião dos anciões. Viemos em tua presença, solicitar auxílio para iluminar nossas mentes, obscurecidas pelas sombras da ignorância.

    A fala saiu solene e retumbante. A voz do idoso, mesmo enfraquecida pela idade, soou grave e poderosa, devido ao eco de sua voz.

    Olhamos em volta e nada aconteceu. 

    Ven’e e Borgu não tiravam os olhos do morro de pedregulhos.

    Quando a tensão estava em seu ápice, as pedras à nossa frente começaram a se mexer.

    Instintivamente coloquei meu braço a frente de meu grupo, como quem espera protegê-los.

    O que se sucedeu me espantou. 

    O morro ganhou quatro pernas grossas e reptilianas. Depois começou a girar em seu próprio eixo, usando as pernas recém aparecidas, até dar uma meia volta completa, no mesmo lugar. Ali vi uma protuberância, que lembrava muito uma entrada de caverna.

    Esperamos mais um pouco e dali saiu algo que demorei a entender o que era — uma cabeça de tartaruga.

    Só o pescoço tinha, facilmente, dez metros de comprimento por dois de largura.

    — Não era um morro de pedras?! — Não contive meu espanto.

    — Todos, ajoelhem-se! Em vossa presença se encontra a Tartaruga-Anciã, a calamidade da montanha!

    Todos obedecemos às ordens de Borgu.

    Não conseguia tirar os olhos da incrível criatura. Percebi que meu queixo estava caído, e a boca pateticamente aberta.

    Sem pressa, a criatura nos olhou com atenção, sem nunca sair do lugar.

    Instantes depois, a tartaruga disse:

    — Olá, crianças. Queiram se levantar. Não precisam se prostrar em minha presença.

    A voz da tartaruga era diferente de tudo o que eu havia ouvido. Não era nem humana, nem reptiliana. Era grave e lenta. Quase impassível.

    Obedecemos a calamidade e nos levantamos. 

    Eu tinha milhares de perguntas, mas decidi aguardar, conforme Borgu nos ordenou.

    — Jovem Borgu, há quanto tempo… Parece que foi ontem que veio até mim, perguntar qual a melhor forma de presentear sua amada, cinquenta e dois anos atrás.

    Segurei o riso quando a calamidade chamou o velhote de “jovem”.

    — Senhor, não fale esse tipo de coisa… — O anão parecia muito envergonhado.

    A calamidade voltou sua atenção ao escolhido dos anões:

    — Ven’e. Como tem passado? Fazem quatrocentos e cinquenta e oito dias que não nos vemos…

    — Estou muito bem, senhor. Obrigado por perguntar.

    Percebi que ainda não perguntaram nada a calamidade. Talvez houvesse algum tipo de ritual ou passo que tínhamos que seguir, antes de pedir algo a ela.

    Quando achei que Borgu fosse dizer algo, a Tartaruga-Anciã farejou o ar antes de continuar:

    — Um humano, com bastante altura até para sua raça. Mana do tipo energia e fortificação. Escolhido. Seu nome é Alvo Primeiro, correto?

    Eu gelei. Como ele sabia tanto sobre mim apenas pelo cheiro?

    — S-Sim, senhor! — Respondi, quase assustado.

    — E este cheiro… É verde e parece estar mais longe do que jamais deveria estar. Se parece humano, mas claramente não é… Qual o seu nome, garoto elfo?

    Tobin me olhou assustado, e depois respondeu:

    — É Tobirin, mas pode me chamar de Tobin, senhor!

    — Tobirin. Sinto duas “manas” diferentes da sua, dentro de você, garoto. Você é parte da família real élfica, certo? Você é o atual detentor do controle do mímico… Interessante. 

    Mais uma vez, eu me assustei com o quanto ele sabia.

    Dos outros três humanos, em dois eu sinto um cheiro peculiar, que não sinto há mais de mil anos… — A calamidade respirou fundo duas vezes e senti lufadas de ar, vindas de trás de mim, indo em direção a ela, tamanha a força de seus pulmões. — Também sinto isso em Ven’e, Alvo e Tobirin. Vocês foram marcados…

    Borgu nos olhou, como se ele soubesse que isso ia acontecer.

    — Sim, senhor. Tirando o ancião Borgu e aquele pernudo, com cara de patife, — Ven’e apontou para Pírio, que fez uma expressão de indignação — todos aqui foram marcados pelos deuses. Viemos perguntar ao senhor sobre este tema. É verdade que vamos morrer?

    A criatura fechou os olhos e soltou ar, como se expirasse de cansaço. 

    A calamidade não se apressou em continuar.

    — Morrer? Então essa é a preocupação, com o fim de suas vidas? Pensava que seres como vocês, que vivem durante um suspiro de tempo, não se preocupavam tanto com a morte… Hum… Engano meu.

    Ninguém ousou responder. Todos queriam ouvir o que ele tinha a dizer.

    — Tudo aponta que sim, parece ser o caso. A “marca” define que pessoas estão destinadas a resolver um problema em nomes dos deuses.

    — Pode nos dar mais informações sobre as últimas vezes em que isso aconteceu? Queremos saber como pode ter tanta certeza que isso significa nossa morte — Ven’e pediu.

    — “Certeza” é uma palavra muito forte para ser usada, não importa o contexto. O que fiz para chegar a esta conclusão é o mesmo que todos antes de mim fizeram até hoje. Usamos as informações que tínhamos e inferimos o óbvio.

    Ele fez uma pausa, esticou o pescoço para o alto da caverna e voltou novamente em sua posição inicial, como se estivesse se espreguiçando depois de uma boa soneca.

    A calamidade continuou.

    — Para explicar sobre os “marcados”, preciso primeiro explicar sobre os deuses, e o que eles representam neste planeta — o ser nos olhou mais atentamente. — Um deus, seja ele qual for, é apenas uma pedra na balança do uso da mana. Um deus é um conceito, não um “alguém”. Tudo o que é mágico precisa de seu devido contrabalanceamento em mana, por isso eles existem.

    Minha cabeça rodava, tamanha a quantidade de informações sendo expostas. Tentei prestar atenção o máximo possível. 

    A tartaruga seguiu:

    — Então, as decisões, tomadas pelos deuses, se resumem em ações para manter o equilíbrio entre a mana e os seres vivos, de todas as raças. Infelizmente, para ocorrer equilíbrio, às vezes, demanda sacrifício.

    — Está dizendo que seremos sacrificados, como um ritual, arcaico e profano? — Mendir cortou o silêncio, e perguntou à calamidade.

    Borgu olhou feio para o rapaz, mas ele não se importou.

    — Muito longe disso. Sacrifício não deve ser visto apenas como a morte de uma pessoa. Este tipo de sacrifício envolve esforço e trabalho em equipe. Provavelmente, no momento derradeiro, suas vidas também farão parte deste sacrifício.

    A tartaruga não estava sendo muito objetiva, então Listro interveio:

    — O senhor ainda não explicou como sabe que teremos nossas vidas ceifadas. Poderia nos dar mais detalhes?

    — Contarei sobre a última “reunião profética”, que ocorreu há cerca de mil anos. Assim devem entender melhor… — A calamidade deu um longo suspiro antes de voltar a falar. — O último grupo de marcados pelos deuses envolveu um antigo amigo meu, chamado Galidon. Ele foi o escolhido dos anões da época. Galidon e mais quatro foram marcados para enfrentar um único oponente, chamado Vanir!

    Um choque em minha espinha fez eu sair de meu estupor.

    — Desculpe atrapalhá-lo, mas tem certeza deste nome?

    Quase no mesmo instante que perguntei, Ven’e falou, muito surpreso:

    — Ancião Borgu, esta é pessoa que estávamos tentando atrair com a armadura no torneio! Como não pensei em perguntar a calamidade sobre este nome? Burro! — O escolhido deu uma tapa em sua testa.

    — Espere, vocês conhecem Vanir?

    — Sim. E como você conhece esse ladrão desgraçado? Por um acaso está em conluio com ele? — Ven’e estava irado.

    A tartaruga apenas nos observou, esperando que nos entendêssemos antes de prosseguir com sua história.

    — Não estaria do lado de Vanir nem que a vida de todos aqui dependesse disso. Aquele desgraçado tentou sequestrar Tobin. Eu e Listro conseguimos evitar o pior… Por mais que o mímico tenha nos salvado no fim das contas — falei esta última parte quase como um sussurro.

    — Não ouvi direito. Você quase perdeu para Vanir, é isso que está nos dizendo? — Ven’e parecia abismado.

    — Não vou me aprofundar muito nisso… Em todo caso, a luta com ele foi estranha. Ele conseguia controlar plantas e vento, mas não conseguia sentir nenhum pingo de mana vindo dele. 

    — Maldito, ele estava usando o colar marrom! — Ancião Borgu exclamou.

    — Como é?

    — O calhorda, chamado Vanir, fez amizade com nossa raça e abusou de nossa hospitalidade. O acolhemos em nossa montanha e ele usou essa oportunidade para roubar um de nossos artefatos divinos, o “Colar Marrom” — Ven’e explicou.

    — Então é por isso que não senti mana vinda dele? O colar inibe qualquer tipo de detecção de mana? — Estava com muitas dúvidas sobre o tema.

    — Não acho de bom tom revelar esse tipo de informação para outro humano, mas as circunstâncias me compelem a isso… Sim, o colar é uma espécie de protetor mágico. Ele evita detecções de todos os tipos. É uma das relíquias mais importantes e preciosas dos anões, e aquele desgraçado roubou de nós! — Borgu estava bastante irritado ao dizer isso.

    — Por isso usei minha armadura como prêmio do torneio. Sabíamos que Vanir tinha interesse nos nossos artefatos. Queríamos atraí-lo. Os anciãos não estavam de acordo com usar a armadura de isca, mas ofereci mesmo assim… — Ven’e explicou e Borgu fez uma careta, como se estivesse relembrando ao seu escolhido o quanto estava irritado por ele ter feito aquilo.

    — Outra coisa espantosa, que percebi ao enfrentar Vanir: seus ataques rivalizavam com os meus, o que não faz sentido, já que ele não deveria ser um escolhido. O Vanir que enfrentei parecia um humano de meia idade. Todos sabem que o único escolhido entre os humanos sou eu…

    Nos lembrando que estávamos em sua presença, a Tartaruga-Anciã me mexeu. Parecia estar prestes a entrar em seu casco novamente, como se aquilo tudo fosse muito entediante para ela.

    — Senhor, espere, por favor. Continue o que estava nos dizendo, eu suplico! — Ven’e se apressou em dizer.

    A criatura parou no meio do movimento de entrar no casco, e colocou novamente seus membros para fora. A calamidade não parecia contente com isso.

    — Como estava dizendo: Galidon, após reunir seus companheiros, teve diversas visões sobre o inimigo e onde ele estava. A luta se deu no continente Sáfaro. O que sabemos é que a paisagem do local da luta mudou. Uma pequena floresta de espinhos venenosos nasceu onde encontraram os corpos dos marcados daquela época.

    — Isso é muito familiar… Vanir ataca com raízes e espinhos venenosos. Quase fui nocauteado por um arranhão, mas como isso é possível? A história que nos conta aconteceu mil anos atrás!

    Todos estavam tensos. Listro quebrou o silêncio, se voltando para a calamidade.

    — Senhor, sabe dizer se mataram Vanir naquele dia?

    — Não temos esta informação. Como não houveram outras “reuniões proféticas” para lidar com Vanir após isso, assumimos que Galidon e sua equipe conseguiu derrotá-lo… Mas caíram no processo.

    — Bem, isso não garante que eles precisavam morrer para vencê-lo… — Tentei parecer esperançoso.

    O mesmo padrão foi observado em todas as reuniões proféticas. Todos os marcados acabavam morrendo para realizar a missão.

    — Sabia que me envolver com vocês não era uma boa escolha — Mendir andava de um lado para o outro, irritado.

    — É o preço definitivo que os deuses definem para equilibrar as coisas. Suas vidas e seus esforços somados equivalem a missão que eles te incumbiram.

    — Mas isso não é justo! — Tobin falou, quase aos berros.

    — Pois é… Eu que não estou marcado acho isso injusto, imagina para eles… Simplesmente eles terão que dar suas vidas, porque os deuses não conseguem resolver seus problemas sozinhos? — Até Pírio parecia irritado com isso.

    Como eu havia dito, deuses são conceitos e não pessoas. Eles não tomam decisões com base no que é o melhor para um indivíduo, e sim para o que é melhor para a maioria.

    Nenhum de nós parecia feliz em saber disso. Morrer pelo bem maior, por mais que parecesse algo altruísta, neste caso, parece estar sendo imposto a nós. 

    Esta sensação, de não ter escolha, é a que colocava algo entalado em minha garganta.

    — Pois bem, quem de vocês é o líder?

    A pergunta nos pegou de surpresa.

    — Bem, como sou o mais forte, deve ser eu — argumentei.

    — Até parece… — Mendir e Ven’e falaram juntos.

    — O líder dos marcados não é definido pela sua força. Nenhum dos deuses entrou em contato direto com vocês?

    — Tive um sonho a pouco tempo, pedindo para eu seguir os anões — comentei.

    — Eu também — Listro, Tobin e mendir disseram em uníssono. 

    — Todos tiveram o mesmo sonho e ninguém me avisou?

    — Achei que não fosse importante… — Listro comentou.

    — O mesmo para mim — Mendir completou.

    Tobin só me olhou e deu de ombros, como se tivesse esquecido sobre o sonho assim que acordou.

    — Nem você, Ven’e? Nenhum sonho com algum deus falando diretamente com você? 

    — Não, senhor. Apenas meu primeiro sonho, com a cor vermelha, me informou que sou parte dessa equipe “semi-suicida”.

    — Estranho… Muito estranho… A essa altura vocês já deveriam saber quem de vocês é o líder. A não ser que…

    A tartaruga-Anciã começou a pensar.

    — Talvez esta reunião profética tenha mais integrantes, que ainda não foram revelados a vocês. Sei disso pois um dos integrantes é considerado o ”líder dos marcados”, e sempre é contatado pelo deus que “encabeça” a formação. No passado o líder foi Galidon, e o deus que organizou a reunião foi o deus Vermelho.

    — Então não temos muito a fazer, a não ser esperar. Mesmo que estejamos destinados a fazer uma missão suicida pelos deuses, nem sabemos qual é esta missão. Talvez apenas a pessoa, que a Tartaruga-Anciã chama de “líder dos marcados”, saiba exatamente o que teremos que fazer — Listro organizou as ideias e resumiu o que foi dito. Eu estava tão absorto, que não havia chegado a esta conclusão.

    — Correto. Sem seu líder, não terão como prosseguir em sua jornada.

    Ficamos em silêncio, sem saber o que dizer.

    — Deixarei vocês com o seus pensamentos. Se me dão licença, isso foi bastante cansativo!

    Sem mais avisos, a calamidade entrou em seu casco. Não demorou para ouvir um ronco baixo vindo lá de dentro.

    Assim que nos viramos para voltar para a entrada da caverna, ouvimos passos de dezenas de pessoas vindo em nossa direção.

    Vimos sombras na curva que o túnel fazia. Parecia que dezenas de soldados se aproximavam.

    — Droga, achei que conseguiriamos sair daqui sem ele descobrir… — Ven’e falou, em tom de derrota.

    — Quem está vindo? — Perguntei

    — Já vai descobrir… — Borgu quem falou.

    Assim que viraram a última curva do túnel em nossa direção, vimos um pequeno esquadrão de vinte anões bem armados. Andavam quase marchando em nossa direção.

    Dez passos antes de nos alcançarem, eles pararam, e levantaram suas espadas, martelos e machados.

    Antes que eu levantasse minha guarda, para enfrentar os soldados recém chegados, Ven’e colocou a mão em meu ombro e apenas balançou a cabeça, em negação, como se dissesse: “Não vale a pena…”

    Assim que ele tirou a mão de meu ombro, ouvi uma voz grossa e poderosa, falar de trás dos soldados.

    — Expliquem-se! Qual o motivo de traírem sua raça, trazendo essa escória para dentro da montanha?

    — Senhor Asu’t, não precisa disso tudo, podemos explicar. Eu e estes humanos estamos destinados a lutar juntos. Viemos perguntar sobre nossa “condição”.

    Entre os soldados parados, surgiu um anão com barbas negras trançadas, que quase chegavam aos seus pés. Ele devia ser dez anos mais velho que Ven’e, mas parecia várias vezes menos amigável. 

    Assim que prestei atenção na nova figura, percebi o adorno dourado no topo de sua cabeça. 

    Ven’e e Borgu já estavam ajoelhados, um em cada lado meu.

    — Pessoal, acho inteligente todos de ajoelharem também… — Cochichei para meu grupo.

    Todos nós nos abaixamos, tentando mostrar respeito à autoridade máxima daquele lugar.

    — Olá, vossa majestade. Há quanto tempo? — Borgu falava ao seu rei, enquanto mantinha a cabeça abaixada.


    “Lembro de tudo pelo o que passei desde o momento em que abri os olhos pela primeira vez, cerca de seis mil setecentos e oitenta e dois verões atrás. Eu era tão pequeno quanto uma folha de louro. Menor do que todos os meus irmãos. Alguma rachadura em meu casco atrapalhou meu desenvolvimento, mas isso se tornou o motivo de ainda estar vivo. 

    Esta minha falha congênita fez com que meu corpo sempre continuasse a crescer e se desenvolver. Descobri, depois de muitas décadas, que meu corpo sempre está sugando mana atmosférica. 

    Mais de dois mil anos se passaram até começar a interagir com as raças ‘inteligentes’ de Mundo. Assim aprendi a me comunicar.

    Hoje vivo na principal montanha dos anões, aprendendo com eles, enquanto forneço minha sabedoria como pagamento.”

    Tartaruga-Anciã, a calamidade da montanha.

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