Índice de Capítulo

    Já passava do meio-dia, mas o clima era fresco e uma leve brisa soprava. Um dia agradável.

    Como aqueles de maior status em seus respectivos grupos, coube à baronesa Whitefield e ao barão Kessel conduzirem as negociações. Ela, elegante e comedida; ele, firme e alerta.

    O lorde Kessel tinha quase dois metros de altura, de ombros largos e músculos definidos. E mesmo sem sua armadura, continuava sendo uma figura grande e intimidadora — especialmente perto da lady Whitefield, muito menor e mais delicada em seu vestido.

    Mas de alguma forma, era ele quem parecia estar mais cauteloso. A baronesa sorriu ao notar isso:

    — Diga-me, Ragnar, o que quer?

    — Você sabe muito bem!

    — Não. Pra ser sincera, não faço a menor ideia. Somos aliados, mas você veio até mim com um exército e saqueou meu vilarejo. Diga-me, é assim que a casa Kessel trata seus aliados?

    — Não. É assim que tratamos os traidores.

    — Traição… Sim. De fato. Como quando o meu marido morreu e você me tomou como refém. O que mais poderia ter sido isso, se não um ato de traição?

    E pela primeira vez em sua vida, Siegfried viu o barão Kessel envergonhado. Era difícil ver o seu rosto por baixo da barba espessa, mas estava lá. E ele não tinha como responder a isso. Mesmo assim, tentou:

    — Nunca fomos aliados. Seu marido sequestrou a nora de sua graça, o conde Gaelor. Nós fomos obrigados a lutar por vocês. Não foi uma aliança de verdade.

    — Então, por que não foi embora depois que ele morreu? Vocês tomaram o Salão Branco. Podia ter pegado a garota de volta e retornado pra casa triunfante.

    — Não é tão simples assim.

    — Eu acho que é sim. Então volto a perguntar: o que você quer? Nossas cabeças… Ou o condado de Essel? Não pode ter os dois.

    — …

    — Conheço Siegfried a menos de dois meses e, nesse tempo, já o vi conquistar o meu Salão por três vezes. Sempre em menor número e contra todas as chances. Também ouvi a respeito das suas vitórias na Torre da Justiça e na Vila do Lobo. Me nego a acreditar que um homem como você também não tenha visto o potencial dele.

    — Isso não muda nada! Ele ainda tentou matar o Asher. Se acha que vou perdoá-lo–

    — E quem aqui falou de perdão? Mas Siegfried é agora um cavaleiro. Um que lhe seria muito mais útil vivo do que morto. Então, por que não permitir que ele se redima pelos seus crimes?

    — … Estou ouvindo.

    — Soube que você capturou o conde Essel, mas parece que ainda não estamos marchando até o seu castelo. Por que será?! — Ela sorriu. — Será que a jovem condessa não se importa tanto assim com o seu precioso marido?

    — Ela vai ceder!

    — Não. Não vai. E você sabe disso. Me diga, quantas aves enviou?

    — …

    — Ela nunca vai responder. Aposto que está esvaziando os cofres do pobre Elyas nesse exato instante. Contratando mercenários ou comprando favores. Provavelmente os dois. Quando o inverno passar e a primavera chegar novamente, haverá um novo exército para você e seus homens enfrentarem. Um que não irá dar a mínima para os seus reféns.

    — O que está sugerindo?

    — Deixe-o capturar a condessa Essel.

    — Isso é impossível!

    — Talvez, mas e daí? Você pretende matá-lo de qualquer modo. Se for capturado, é isso o que farão. Nada muda pra você. Mas se tiver sucesso, essa guerra chegará ao fim na próxima primavera.

    O barão Kessel encarou Siegfried por um instante. Queria aceitar a proposta; o garoto Lawgard também notou isso e interveio:

    — O senhor não pode aceitar! É um truque! Ele só tá tentando fugir. Se o deixarmos ir, nunca mais o veremos. Pior ainda, aposto que tentará nos vender. Não se esqueça que ele é um mercenário. Eles são traidores natos.

    — Siegfried é um cavaleiro — insistiu a baronesa Whitefield.

    — Armado por quem!? Você!? Uma mulher não pode armar um cavaleiro!

    — Mas uma matriarca pode! Não se esqueça de com quem está falando, garoto! O seu pai ainda não morreu. E você ainda não é lorde.

    O pequeno fidalgo se encolheu por não mais que um instante diante das palavras duras, mas antes que pudesse voltar a desafiá-la, o barão Kessel o calou e deu sua resposta:

    — Você venceu, Raven. Darei ao seu protegido a oportunidade de pagar por seus crimes.

    — Mas?

    — Mas Dalkon tem razão. Cavaleiro ou não, é um fato que Siegfried já virou a casaca mais de uma vez. Sejam lá quais motivos o levaram a isso, não muda o que fez. Aceito a sua proposta, mas exijo uma prova de sua honestidade.

    — O que quer?

    — Soube que tem uma rixa de longa data com a casa Silvergraft, talvez queira dar uma olhada no castelo deles. Ver o que seu marido conquistou.

    A baronesa Whitefield deixou escapar um risinho e então disse:

    — Adoraria. Enquanto isso, tenho certeza de que meu irmão também apreciaria sua companhia. Os dois certamente vão encontrar muito sobre o que discutir.

    — Um dia. Com certeza.

    — Um dia.

    — Suponho que sua filha também prefira declinar o convite.

    — Astrid não tem nada contra os Silvergraft, nem qualquer apreço pela guerra. Temo que ficará um tanto quanto entediada lá. Mas eu talvez conheça uma garota que gostaria.

    Ela deu uma breve olhada para Siegfried, mas o rapaz só entendeu seu significado quando a ouviu dizer:

    — Lavina é uma jovem tão tímida e inocente. Eu não tenho dúvidas de que a pobrezinha se sentirá sozinha sem Siegfried aqui. Devia vê-los, Ragnar, me fazem lembrar de quando era mais nova.

    “Uma refém.”

    Por algum motivo, isso incomodou Siegfried bem menos do que esperava. E o barão Kessel não deixou de notar isso; como se desconfiasse da ligação dos dois. Mesmo assim, disse:

    — O Castelo Silvergraft tem uma capela. Poderá rezar pelo retorno seguro dele lá. Mas temo que tenhamos poucas mulheres e talvez ela se sinta um tanto sozinha. Ficarei feliz em levar as suas amigas e quem mais quiser.

    — Direi isso a ela.

    E, simples assim, as negociações terminaram.

    Lavina chorou, gritou e até chegou a dar um tapa em Siegfried ao escutar as notícias. Mas o rapaz não fazia ideia de se estava irritada porque seria usada como refém ou se temia pela vida dele em uma missão tão perigosa.

    Após ter sido armado cavaleiro, Siegfried cedeu o quarto de lorde do Salão Branco para a baronesa Whitefield e sua filha. E embora o barão Lawgard e seu filho já estivessem recuperados, tiveram de permanecer confinados no alojamento das servas para não causarem problemas.

    Sem opções, ele e Lavina passaram a dormir na cozinha, com Ethel, Allane, Elsa e Will. Mas não naquela noite.

    A baronesa Whitefield achou por bem deixar que o casal usasse o quarto dela uma última vez.

    Siegfried teria aproveitado um pouco de ação em sua última noite com a garota, mas Lavina estava estranha e bastou apenas um empurrão para que o afastasse, dizendo estar enjoada. Depois disso, se virou de costas e dormiu, apenas para acordar no meio da noite, pedindo que ele a abraçasse.

    Mulheres eram estranhas.

    O dia seguinte amanheceu frio e cinzento. Sem cerimônia ou despedidas. Apenas tarefas que deviam ser cumpridas.

    Siegfried decidiu que levaria Ethel com ele. Uma sacerdotisa que pode curar ferimentos usando as mãos seria muito útil. Mas quando o barão Kessel chegou para buscar Lavina, Dalkon Lawgard veio com ele:

    — Sua graça pode confiar em você, mas eu não. Se pensa que pode usar essa missão como uma desculpa para escapar, está enganado. Pode ter o título de cavaleiro, mas eu fui treinado para isso desde a infância. Se tentar fugir, eu volto pra cá com a sua cabeça. Não se esqueça disso.

    E então partiram.

    Sir. Siegfried Blackfield, Etheldreda e Dalkon Lawgard.

    Três enviados para vencer uma guerra.

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