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      16 anos depois…

    “Duas chamas queimavam e se enfrentavam infinitamente. Uma desejava preencher o universo, a outra almejava reivindicar o que acreditava ser seu por direito. Eram semelhantes, porém extremamente diferentes. Sempre discutiam e acabavam brigando, mas o que seria o certo e o errado?”

    Mais um dia se iniciava, um dia que Kamito acreditava ser rotineiro. Após acordar sufocado por uma sensação de desespero, o garoto sentia-se agitado, mas optara por ignorar e levantar como se nada o preocupasse. Enquanto se arrumava, Akane, sua vizinha, o chamava na frente de casa.

    Akane era uma garota gentil, com longos cabelos castanho-escuros, quase pretos, que passavam do meio das costas. Seus olhos castanho-claro e o rosto fino e delicado faziam-na parecer uma princesa. Com uma diferença de apenas alguns meses, Kamito e Akane tinham dezesseis anos na época e, apesar da aparência delicada e amistosa de Akane, ela carregava consigo um grande senso de responsabilidade.

    Amigos desde a infância, Akane nunca parecera se importar com a aparência de Kamito. Esse fato, no entanto, o fizera sofrer e passar por diversas situações difíceis. Seu cabelo naturalmente azul, o tom estranhamente claro de sua pele e os olhos vermelhos o transformavam, para os outros, em um monstro — mas para Akane, isso nunca fora um problema.

    Por conta de sua aparência incomum e inexplicável, Kamito tornara-se alvo de pessoas ruins. Como todos o evitavam, nunca havia alguém para defendê-lo. Akane, por estar sempre ao seu lado e defendê-lo quando podia, ajudava o garoto em seus momentos mais difíceis, fazendo com que sua gratidão e admiração se transformassem em um sentimento de amor que Kamito guardava para si.

    — Tudo certo, eu acho — disse Kamito, ainda se arrumando em seu quarto.

    Ele olhou seu reflexo no espelho pela última vez enquanto arrumava o cabelo, mas foi interrompido por mais um chamado de Akane. Com pressa, pegou sua mochila.

    A sensação que o sufocara mais cedo retornava, mas Kamito entrou em estado de negação e caminhou para fora de casa, tentando esquecer aquilo. Ao abrir a porta, viu Akane em frente à sua casa, aborrecida com a demora.

    — Bom dia, Akane. Está adiantada, como sempre — sorriu Kamito.

    O garoto tentava disfarçar o cansaço, mas sabia que logo Akane descobriria que ele dormira tarde na noite anterior. O cansaço o fez bocejar e, em uma tentativa de disfarçar, acabou sendo descoberto por sua amiga.

    — Não acredito que você passou a noite acordado até tarde outra vez, Kamito. Por isso vive se atrasando. Você é mesmo um caso perdido.

    Akane desviou o olhar e estreitou os olhos — um truque para parecer zangada. Ela sabia que esse truque sempre funcionava com Kamito.

    — Ei, não precisa ficar brava comigo. Dessa vez foi por um bom motivo. Eu prometo que não faço mais isso! Por favor, foi a última vez — respondeu Kamito, tentando se justificar.

    Ao ver a reação de Kamito, Akane começou a rir da situação e, assim, a dupla seguiu o caminho cotidiano de sua rotina escolar.

    — O tempo está bom hoje, não acha? Nem dá para acreditar que estamos quase mudando de estação. Está ficando menos frio e dando lugar a um clima mais agradável. Eu, particularmente, gosto do clima assim.

    Kamito estava aliviado por não ter chateado Akane de verdade. Os dois seguiam seu caminho. Como de costume, estudantes e trabalhadores estavam apressados para chegar aos seus compromissos. A cidade de Fukinawa, embora de porte médio, transformava-se aos olhos em uma grande cidade graças ao número de prédios no centro, às muitas empresas e ao centro movimentado. Ao mesmo tempo, era um lugar calmo, e, em certos momentos, até silencioso.

    — Uhum — concordou Akane. — É como se o mundo estivesse feliz. Eu amo esse clima agradável. Me faz relembrar daquele dia em que nos conhecemos. É uma nostalgia tão boa.

    Akane sorriu, um pouco envergonhada, ao recordar algo tão importante para os dois. Kamito a olhou sem entender a qual lembrança ela se referia; a garota notou e tentou disfarçar. Rapidamente, ficou vermelha e nervosa, tentando corrigir o que acabara de dizer.

    — A-a-ah, não foi nada, não! Eu estava pensando alto!

    Ela começou a sorrir sem jeito e caminhou mais rápido, como se estivesse com pressa. Kamito sempre se perguntava o que era tão nostálgico a ponto de deixá-la daquele jeito toda vez que falavam do passado.

    Já próximos da escola, a sensação que Kamito sentiu pela manhã, voltou a perturbar. Desta vez, não apenas o sufocava, mas o dominava. Havia alguma presença causando arrepios no garoto.

    Kamito paralisou e parou de andar por um momento; um medo intenso tomava conta de seu corpo. Ao notar que ele ficara para trás, Akane o olhou sem entender o que estava acontecendo.

    — Está tudo bem? — Questionou a garota.

    — Não é nada demais — respondeu Kamito, tentando disfarçar.

    Ao chegarem à escola, Kamito se sentou e ficou olhando pela janela. Perdia-se em seus pensamentos, tentando entender o que acontecera, o que sentia desde cedo. Era uma sensação fria e sufocante, como se algo estivesse ao seu redor, observando cada ação, cercando-o como se fosse uma presa indefesa prestes a ser atacada.

    Embora tentasse evitar preocupar Akane, ela o observava de seu lugar. Sabia que algo não estava certo com seu amigo. Conhecia Kamito há muito tempo e sabia quando algo o perturbava. Ele não conseguiria esconder algo por muito tempo dela, ainda mais se fosse questionado.

    A aula começara, e Kamito não esquecia aquela sensação. Repentinamente, começou a sentir um calor intenso, como se uma energia estivesse crescendo dentro dele e prestes a explodir. Em seus pensamentos, via a imagem de uma pequena chama azul que lutava para se expandir.

    E então, mais uma vez, a sensação fria e sufocante retornou. Assustado, Kamito ficou paralisado de medo. Estava distante da realidade, como se estivesse hipnotizado.

    Com uma batida na mesa, o professor chamou sua atenção e começou a reclamar sobre sua falta de foco. Com raiva, o professor o questionou sobre a explicação que acabara de passar para a turma.

    Kamito olhou para o relógio antes de responder e percebeu que metade da aula já havia passado. Ele perdera todo o conteúdo.

    O professor continuava encarando Kamito, esperando uma resposta, enquanto a turma, em silêncio, assistia à situação.

    — Eu não sei responder essa pergunta… Desculpa.

    Kamito riu de nervoso, desconfortável com a situação, e apenas desviou o olhar para evitar contato visual com o professor até que ele saísse dali. Envergonhado, preocupado e um pouco triste pela situação, Kamito teve sua atenção chamada por Akane.

    — Kamito, você está se sentindo bem? Desde que chegamos, você está quieto e distraído demais. Tem algo incomodando você? — Sussurrou Akane, preocupada.

    Ele sabia que não conseguiria esconder isso dela. A garota descobriria de um jeito ou de outro.

    — No almoço eu te conto — respondeu Kamito.

    Akane concordou em esperar até o almoço, mas sua preocupação não a deixava parar de olhar para Kamito.

    Após algumas aulas, o sinal finalmente tocou. Kamito tentava manter a calma, mas Akane não perdeu tempo e foi direto falar com ele.

    Ainda preocupada, aguardava a resposta, mas seu amigo pediu que conversassem em um local mais reservado. Por sugestão de Akane, dirigiram-se à praça onde costumavam almoçar em seu tempo livre.

    Como poucas pessoas frequentavam o lugar naquele horário, não haveria lugar melhor para aquela conversa. A dupla pegou seus pertences e seguiu para a praça.

    Kamito sabia que ela não desistiria até que ele contasse tudo o que estava sentindo. Precisaria explicar tudo, mesmo que fosse algo irrelevante.

    Devido ao horário de almoço, todo o alvoroço e movimento da cidade de Fukinawa fora substituído por um silêncio angustiante e assustador. Kamito sentia que até mesmo a cidade compartilhava do mesmo peso que ele carregava.

    Enquanto pensava em como contaria o que estava acontecendo, Akane não parava de olhar para ele. Sua tensão e preocupação eram visíveis.

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