Capítulo 02 — Início Imprevisível — Parte 2
Ao chegarem na praça, Kamito e Akane caminharam até o banco de madeira onde costumavam almoçar. Ele era mais afastado dos outros, ficava em uma boa sombra e era um lugar bem reservado, ótimo para descansar. Antes mesmo de se sentarem, Akane perguntou o que estava acontecendo e se ele estava se sentindo bem. Comentou que ele não costumava ser tão desligado, mas que durante a manhã parecia estar em um tipo de transe.
— Eu não sei, Akane… Senti uma sensação estranha hoje mais cedo, como se algo estivesse ao meu redor, quase pronto para me sufocar ou me engolir. Era como se eu fosse uma pequena chama prestes a se apagar…
Kamito abaixou a cabeça, desviando o olhar, enquanto voltava a sentir aquilo se aproximando. Era uma sensação angustiante que o assustava. Não se parecia com nada que ele havia sentido antes. Aquela nova sensação lhe causava muito medo, principalmente porque ele não sabia como lidar com ela.
— Kamito, olhe para mim. Está tudo bem, ok? Nada vai acontecer com você, não importa o que você diga. Não deixe esses pensamentos tomarem conta ou você vai acabar paranoico. Eu estou aqui ao seu lado.
Ela sorriu e, delicadamente, tocou o rosto dele com as mãos, levantando sua cabeça e fazendo com que ele finalmente a olhasse. Seu rosto ficou levemente corado enquanto o fitava. Isso o deixou mais tranquilo e confiante, mesmo estando envergonhado pela proximidade entre os dois.
— Eu vou estar sempre aqui, prometo. Você não precisa ter medo.
— Eu sei… Eu só… Tive essa sensação de que algo estava tentando-me sufocar a qualquer custo. Às vezes sinto que algo está fluindo dentro de mim. Algo quente e reconfortante como uma pequena chama, e essa sensação ruim era o oposto, como se não quisesse que essa pequena chama existisse.
Ele a olhou meio perdido e confuso, sem saber como explicar. Torcia para que ela não achasse que era uma idiotice. Akane então afastou as mãos do rosto dele e se afastou um pouco. Ele permaneceu olhando para ela, sem dizer nada.
— Eu-eu também… Às vezes eu também tenho essa sensação. Sempre sinto isso quando acabo-me machucando ou fico doente, mas depois acabo melhorando mais rápido que o comum. É como se houvesse uma aura me envolvendo. Quando isso acontece, sinto uma sensação confortante.
Ela desviou o olhar. Talvez achasse que Kamito não acreditaria ou que estava apenas tentando confortá-lo, mas não era isso. Ele conseguia entender perfeitamente. Ela estava sendo sincera e lhe contava tudo de forma angustiada. Ela também sentia aquilo.
— Eu sinto muito por te preocupar, Akane. Não vai mais acontecer.
Ele sorriu para ela, e ela retribuiu com outro sorriso. Começaram a se preparar para almoçar, mas, mais uma vez, Kamito sentiu aquele calor fluir dentro dele e a imagem da chama surgiu em sua mente. Ela começou a se expandir. Uma sensação ruim tomou conta dele, dessa vez muito mais forte que antes. Ele rapidamente olhou para Akane, que o encarava assustada.
— Kamito, você sentiu isso?
Ela o olhava bastante assustada, sem saber o que estava acontecendo ou o que estava sentindo. Isso a deixava muito apreensiva. Agarrou o braço dele com força enquanto ele permanecia parado, olhando fixamente para frente.
— O que será que é isso? Que sensação estranha é essa?
— Sim, eu senti isso também. Foi a mesma coisa que senti hoje mais cedo. A sensação de que algo estava me sufocando.
Por algum motivo, a pequena chama que ele sentia crescer reagiu a esse estímulo. Kamito olhou em todas as direções, tentando identificar de onde vinha aquela terrível sensação de estar encurralado.
— Kamito… Parece que algo está se aproximando de onde estamos… Eu estou começando a ficar com medo. Vamos embora, por favor.
Ela apertou o braço direito dele enquanto tentava esconder o rosto. Kamito nunca a tinha visto com tanto medo antes. As mãos dela estavam trêmulas e ele podia sentir isso enquanto ela o segurava. Uma risada começou a ecoar pelo ar. Ele se assustou com o som e ficou imóvel. Sentia que sua alma estava congelada de medo.
— Que sorte a minha. Eu estava com tanta fome e encontrei logo dois de níveis inferiores. Acho que vocês servirão para saciar a minha fome.
Um homem se revelou por trás da risada sádica. Não parecia ser normal — a morte exalava dele. Era magro, de cabelos claros e olhos vermelhos, e começou a se aproximar calmamente com um sorriso no rosto. Por um momento, lambeu os lábios. A cada passo dele, a sensação piorava.
— Hoje vocês serão o meu almoço. Muito obrigado por serem a minha refeição.
Suas mãos começaram a brilhar, como se uma aura vermelha as envolvesse. Num movimento rápido, lançou aquele brilho na direção de Kamito e acabou ferindo sua perna esquerda. Foi tão rápido que ele nem pôde perceber. Gritou de dor e caiu de joelhos, rapidamente colocando a mão sobre o ferimento.
— Kamito!!! Kamito, você está bem?!
Akane gritou desesperada e se agachou. Viu que a perna dele estava sangrando e levou as mãos à boca, horrorizada. Também não acreditava no que estava acontecendo.
— S-sim. Eu não tenho a mínima ideia do que foi isso, mas não deve ser bom. Em um piscar de olhos ele cortou a minha perna.
Kamito tentou se levantar, mas caiu de joelhos de novo. Sua perna doía tanto que ele mal suportava a dor. Enquanto isso, o homem ria de prazer. Para ele, tudo aquilo era divertido. Kamito o encarou assustado.
— Akane, fuja, esse homem é perigoso… Ele deve ter algum tipo de arma.
Mas logo percebeu que ela estava assustada demais para ouvi-lo. Estava paralisada de medo, com os olhos cheios de lágrimas, então ele gritou para ver se ela reagia.
— Rápido, Akane! Fuja!
Ela não conseguia reagir, provavelmente estava em choque. Kamito começou a se desesperar ao vê-la naquele estado. Precisava pensar em algum modo de tirá-la dali o mais rápido possível.
— “Arma”? Então vocês não sabem o que é Manifestação Espiritual? Que sorte a minha!
O homem gargalhou e avançou contra Akane. Kamito precisava reagir o mais rápido possível. Era evidente que o sujeito não estava brincando e tentaria matá-los. Esticou o braço direito e se preparou para perfurar o peito de Akane.
— Você devia ter escutado o seu namoradinho. Agora, eu irei devorar você! Seu gosto deve ser extremamente saboroso!
— Eu não vou permitir que você encoste nela, seu desgraçado!
Kamito não tinha mais alternativas. Em uma ação desesperada, levantou-se e ficou na frente do ataque. O homem sorriu e mudou a direção do golpe, atingindo o estômago de Kamito. Ele cuspiu sangue ao sentir que a mão do homem o havia perfurado.
— Kamito!!! Kamito!!!
Akane gritou desesperadamente, voltou a reagir e, antes que ele caísse no chão, segurou-o em seus braços, amortecendo a queda. Kamito podia sentir as lágrimas dela caindo em seu rosto. Ela o abraçava contra seu corpo como se não quisesse que ele escapasse.
— Idiota, nem mesmo pensou em usar a sua Manifestação. Mas, fazer o quê? Você nem sabe o que é isso mesmo. É uma pena, já que posso sentir que você possui uma. Mas, mesmo que usasse, não seria páreo para mim!
Ele riu, debochando, e se preparou para atacar de novo. Sua mão direita começou a brilhar novamente. Caminhou na direção de Akane, que estava distraída, e se preparou para golpeá-la no pescoço.
— Agora você será a próxima. Junte-se ao seu namoradinho!
Kamito ouviu os gritos de Akane o chamando, sentiu suas lágrimas em seu rosto e um calor vindo do corpo dela, como se algo o estivesse protegendo. Sentiu uma chama crescer descontroladamente dentro de si. Não conseguia mais conter aquilo. Precisava protegê-la. Sentiu a chama explodir dentro dele com toda a sua vontade.
— Eu disse que não deixaria você encostar nela!
O homem recuou, um tanto assustado, e encarou Kamito incrédulo. Ele se levantou com dificuldade por causa dos ferimentos e sentiu o braço direito queimar intensamente, mas sem dor. Akane o olhou assustada, sem acreditar no que via.
— Kamito… Kamito, o seu braço está…
Akane mal conseguia falar de tão surpresa. Nem ele acreditava que tinha aquele poder, mas estranhamente sentia que fazia parte dele. Akane não tirava os olhos dele.
— Impossível! Impossível! Você despertou a sua Manifestação Espiritual por causa dela?!
O homem ficou furioso, avançou e esticou o braço direito para tentar cortar Kamito mais uma vez. Estava tomado pela raiva.
— Morra! Vocês se tornarão a minha refeição, eu já disse!
O braço de Kamito estava coberto por uma chama azul intensa — idêntica à pequena chama que sempre via em sua mente. Quando percebeu que o homem avançava, rapidamente se defendeu, colocando o braço em chamas à frente do corpo.
— Eu não sei o que está acontecendo ou que poder é esse, mas eu não vou deixar que você encoste nela e nem em mim!
Avançou contra o homem e tentou socá-lo com as chamas. O oponente se esquivava várias vezes, rindo. Isso irritou Kamito, que avançou furiosamente tentando socá-lo mais vezes. O inimigo saltou para trás, achando que escaparia, mas as chamas dispararam do braço de Kamito e o pegaram desprevenido.
— Impossível! Como alguém que acabou de despertar a Manifestação é tão habilidoso assim?! Isso só pode ser desespero!
As chamas o atingiram em cheio, fazendo-o gritar de dor ao ser jogado para trás violentamente. Até Kamito se surpreendeu com o próprio poder.
— I-Incrível, Kamito. Como você conseguiu fazer isso?
Akane perguntou incrédula, seus olhos não desviavam dele. Ela se levantou meio assustada e tentou se aproximar.
— Kamito? Você está me escutando?
— Espere, isso ainda não acabou.
Ele virou o rosto para olhá-la e estendeu o braço esquerdo, pedindo que não se aproximasse. Voltou a encarar o estranho. As chamas já haviam desaparecido do corpo do homem.
— Isso não vai ficar assim. Vocês me pagam!
O mesmo se levantou com dificuldades e tentou se recompor para atacar outra vez, mas sentiu o corpo doer e recuou, desaparecendo. Kamito respirou aliviado, olhou para o braço em chamas e viu as chamas sumirem. Quando isso aconteceu, sentiu-se extremamente fraco e caiu para trás, mas Akane o segurou.
— N-Não se esforce, Kamito. Você está bastante machucado.
Uma aura dourada começou a emanar dela e envolveu seu corpo. Kamito sentia que aquilo estava aliviando sua dor, como se estivesse curando e protegendo-o. Akane o olhou com os olhos cheios de lágrimas.
— E-eu não sei bem o que é isso que está ao meu redor, mas parece que vai te fazer bem.
Aquela energia era quente e aconchegante. Ele podia sentir que, aos poucos, todas as suas feridas paravam de doer. A partir daquele dia, suas vidas mudariam de uma vez por todas. Não poderiam mais ter uma vida normal. Kamito podia sentir que algo grande estava prestes a acontecer. Parecia um sonho, mas era real. Eles tinham algum tipo de poder, e isso acabaria atraindo outros perigos. Precisariam ser fortes para suportar tudo o que poderia estar por vir.
De longe, uma pessoa observava tudo o que acontecia naquela pequena praça. Parecia bastante concentrado, mas logo olhou para o céu, como se o admirasse, e subitamente desapareceu sem deixar vestígios. Algo estava para acontecer. Só lhes restava esperar o que estava por vir.
O mundo nunca mais seria o mesmo desde que entraram naquela praça. Kamito podia sentir perfeitamente uma imensa energia envolvendo todo o mundo. Tudo aquilo só lhe deixava com mais perguntas — e ele não fazia ideia do que fazer a partir de então.

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