Índice de Capítulo

    A arena está silenciosa.

    O colapso da Área de Convergência deixou no ar uma poeira fina — resquício de poder bruto — e o cheiro metálico de energia queimada. Como se o próprio chão tivesse sentido dor.

    Kaede está caído. Mas não quebrado.

    O punho dele, ainda cerrado, é como um ponto final numa frase não dita. O corpo não responde, mas a vontade continua lá, viva, gritando em silêncio.

    As luzes antes vibrantes da Área desaparecem como o fim de um show de ilusionismo — sumindo sem pedir licença, como fumaça de cigarro em vento forte. A multidão, antes em frenesi, agora segura o fôlego. Todo mundo sente que presenciou algo raro. Uma luta que não foi apenas sobre força. Foi sobre alma.

    Saeko, ao centro, permanece de pé.

    Sua respiração é pesada, mas ritmada. O rosto marcado por sangue e suor não esconde a verdade: aquela vitória não teve gosto de glória. Ela pesou. Foi conquistada. Arrancada.
    Ele não levanta os braços. Não sorri. Não provoca. Só vira as costas, devagar, com o silêncio de alguém que respeita o oponente até o último segundo.

    O locutor solta o veredito com voz grave e cerimonial:

    — Vitória de Saeko Yamikura!

    Os telões explodem em dados girando, cartas lançadas ao vento, e o símbolo do cassino — como uma coroa para o azar que virou destino.

    Ryuji Arata, no alto das arquibancadas, encara o ringue. Seus olhos ardem, mas não com tristeza.

    Eles brilham com um fogo novo.

    Um tipo de chama que nasce quando alguém vê a queda de um amigo… e entende que aquilo não foi fracasso. Foi semente.

    Genjiro, com os punhos cerrados no banco, solta um rosnado abafado:

    — Ele quase ganhou, Ryuji… quase!

    — Quase não é suficiente. — responde Ryuji, firme, se levantando devagar. — Mas o Kaede mostrou que a gente pode atingir esses monstros.

    Atrás dele, Tsubasa cruza os braços, em silêncio. Renji, inquieto, morde o lábio. Ele não vai deixar passar.

    O juiz pisa no campo agora em ruínas. Os escombros da antiga arena ainda fumegam como carvão recém-apagado.

    — Próxima luta… será sorteada agora!

    As telas brilham em neon.

    Nomes giram como uma roleta envenenada.

    Do Time 11… Makio Kuragami.

    A tensão se solidifica. O silêncio agora tem forma.

    Makio surge do lado oposto da arena, caminhando em linha reta como uma lâmina sendo desembainhada. Sua presença é fria, medida, quase etérea. O uniforme impecável. O número 122 nas costas cintila em branco, como se nem mesmo a batalha ousasse tocá-lo.

    Cabelos negros presos num coque rígido. Olhos de lago congelado. A cada passo, uma névoa fina sobe do chão, acompanhando-o como um manto espiritual.

    — A espada viva do time 11… — sussurra Izuna, admirado.

    — É. O Makio vai mostrar o outro lado da moeda. — comenta Naoya, espreguiçando os braços com um tédio fingido.

    Makio para no centro.

    Não fala.

    Não se move além do necessário.

    A brisa que se levanta traz consigo uma umidade gélida.

    O juiz continua:

    — Do time de Ryuji Arata… Renji Asakura.

    Ryuji arregala os olhos. E Renji já tá de pé. Não esperou ninguém chamar. A energia dele quase salta da cadeira.

    — Heh. Chegou a minha vez? — diz ele, estalando os dedos.

    A caminhada até a arena é tranquila. Mas é como ver uma bomba sendo levada por um artista de circo.
    Postura relaxada. Cabelos lambidos. Mas os olhos… olhos de fera, presos atrás de uma jaula feita de controle.

    O público vibra. Reconhece. Eles lembram dele. O que sorri enquanto sangra. O que dança na beira do abismo.

    Kaede é carregado pelos médicos. Mas antes que saiam do campo, Ryuji fala alto — não só pra eles, mas pro mundo inteiro ouvir:

    — Vai lá, Renji. Faz ele sentir o que é lutar contra um de nós.

    Renji entra no campo com o peso de uma promessa no peito.

    — Yo. Você é o espadachim quieto? — diz ele, abrindo um sorriso provocativo.

    Makio responde com a elegância do silêncio. Um gesto. Um simples levantar de braço. A névoa ao redor condensa, toma forma — uma lâmina translúcida, feita só de densidade e corte.

    Nada de metal. Nada de som. Apenas ar que decide cortar.

    Renji assobia.

    — Tá. Já saquei o clima.

    O juiz ergue a mão, com tensão contida na ponta dos dedos.

    — Combate autorizado. Comecem!

    O tempo parece segurar o fôlego.

    O chão estala sob os pés de Makio. Ele avança.

    Rápido.

    Preciso.

    Fantasmal.

    A lâmina de névoa desliza como se cortasse a própria realidade.

    Renji sorri.

    Fecha os olhos.

    — Monstro Interior.

    Os olhos dele se abrem, vermelhos, selvagens. As pupilas retraídas. Veias saltando no rosto. E a aura… a aura explode ao redor como uma casca que não aguenta mais conter a fera lá dentro.

    Estilhaços de energia voam como cacos de vidro.

    O público grita.

    A luta começa.

    Disciplina contra instinto. Lâmina contra garra. Névoa contra tempestade.

    E o campo, mais uma vez…

    Se torna um inferno.

    O primeiro embate acontece num estalo de realidade distorcida.

    Makio Kuragami evapora como se fosse feito da própria névoa que o envolve. Seus pés mal tocam o chão — e em um piscar de olhos, ele se materializa atrás de Renji.

    — Rápido demais! — Renji gira no mesmo instante, o braço erguido por puro reflexo animal.

    Um zumbido corta o ar.

    A lâmina feita de névoa rasga o chão como faca em lençol, deixando uma trilha fumegante atrás de si — mas para no exato ponto onde Renji segura a lâmina com a palma da mão nua.

    Sangue escorre. Mas ele não solta.

    Makio ergue uma sobrancelha, sem pressa.

    — Você segurou… com a palma?

    Renji mostra os dentes. Um sorriso largo, inquieto.

    — O monstro não sente dor como eu.

    Seus olhos agora são completamente vermelhos, tingidos por uma fome estranha, uma vibração que parece crescer dentro dele como um tambor de guerra.

    Makio não responde. Ele gira no ar, uma dança sem ruído. A espada se dissolve em múltiplas formas, como se a névoa tivesse vontade própria. Vários cortes rápidos e precisos atravessam o espaço — não atingem Renji diretamente, mas o ar ao redor.

    Cada corte parece marcar o espaço.

    Rituais em movimento.

    Renji sente, mesmo sem entender.

    — Ele tá preparando alguma coisa…

    Renji parte pra cima. Nada de elegância — é força pura, bruta. Um soco desce como um meteorito e explode o chão, rachando a arena como se fosse de vidro.

    Makio, no último momento, desfaz o corpo em névoa e se reconstrói a metros de distância, leve como pluma, mas tenso como flecha prestes a disparar.

    — Não posso deixar esse monstro ganhar impulso. — pensa Makio, os olhos fechando por um breve segundo.

    Ele respira fundo.

    E então… o campo muda.

    A névoa se alastra.

    Mas não é qualquer névoa. É densa, viva, sufocante. Ela apaga a visão da plateia, apaga os refletores. Os gritos se calam. Tudo vira um quadro branco e difuso.

    Só Makio e Renji ainda conseguem ver.

    — Tsc… não gosto disso. — Renji resmunga, olhando ao redor.

    Makio ergue a espada novamente.

    Só que agora são duas lâminas curvas, moldadas como garras de algum bicho mítico. A névoa pulsa e se estica, tomando formas inconstantes.

    — Eu não corto a carne. — Makio diz, com a voz baixa, porém clara. — Eu corto o fluxo da alma.

    Essas palavras calafriam Renji. Algo dentro dele — não o monstro, mas o homem — sente o aviso.

    Mas o monstro…

    Não recua.

    — ENTÃO VEM! — Renji urra, e seu grito parece acordar algo primitivo no ar.

    Ele avança.

    Makio desliza.

    Dois movimentos opostos, duas filosofias colidindo.

    As espadas não tilintam. Não há som metálico.

    Só o ruído do impacto entre corte e punho.

    A névoa estilhaça. A aura se quebra. As energias se chocam como trovões abafados.

    O chão treme sob os pés de Makio.

    Ele se move com precisão assustadora — cada passo dele desenha um padrão. Não há desperdício. Só foco absoluto.

    Renji sorri.

    Mas é um sorriso contido, tenso. Os músculos do rosto vibram. Seus olhos de fera brilham. O Monstro Interior pulsa como um tambor tribal no peito dele, como se seu corpo tivesse duas almas em guerra.

    Makio investe, silencioso. A espada traça um corte que passa a milímetros do pescoço de Renji.

    Não acerta. Mas ao fundo, uma rocha explode ao meio.

    — Caraca… isso foi por pouco. — Renji murmura, olhando para trás.

    Ele revida. Um soco com o peso de um carro. A estrutura da arena estremece.

    Makio gira no ar, a névoa o envolve, defendendo como um casulo.

    Renji recua, ofegante. Suando.

    — Ele não é só técnico… ele tá me lendo. Como se já soubesse o que vem.

    Makio finalmente fala de novo:

    — Você é forte… Mas ainda se move demais com emoção.

    Renji cerra os dentes.

    — E você se move pouco demais com vontade!

    Ele parte de novo.

    Mas agora… muda.

    Seu corpo abaixa. Os pés giram. Os punhos não são mais martelos desgovernados. Agora há método. Agora há leitura. Agora há adaptação.

    — Ele tá aprendendo. — Makio reconhece, num pensamento silencioso.

    Renji desfere um chute giratório. Makio bloqueia.

    Mas sente.

    A névoa vibra. A espada estala.

    Renji segue: gancho. Cotovelo. Rasteira.

    Makio é forçado a recuar — pela primeira vez.

    Mas aí…

    Makio ergue uma mão.

    A névoa do campo inteiro se movimenta como um animal vivo.

    — Estilo da Lâmina Silenciosa: Jardim Sem Som.

    Tudo vira uma cúpula.

    Renji some da visão do mundo.

    Dentro, ele não vê nada.

    — Tch… Visão zero, é isso?

    A voz de Makio ecoa, em todas as direções.

    — Nesse domínio, cada movimento seu deixa um rastro. E eu corto rastros.

    Renji respira fundo.

    Fecha os olhos.

    — Então vou me mover como uma fera.

    Ele começa a avançar.

    Sem pensar. Mas não cegamente.

    Agora seus instintos são afiados.

    Um corte surge à esquerda — ele sente antes de ver. Desvia.

    Outro, vindo das costas — ele gira no chão, rolando.

    O corpo inteiro de Renji se torna radar. Um sensor de intenção.

    — Ele lê minha presença… mas eu também tô lendo a vontade dele.

    Makio surge. Lâmina erguida.

    Renji sente antes.

    Gira com brutalidade. E acerta um soco direto no estômago de Makio.

    BOOOOOOM!

    Makio voa. A névoa se parte. A cúpula desaparece por um instante.

    Silêncio.

    Eles se encaram.

    Ambos sangrando.

    Ambos vivos.

    Ambos prontos.

    Makio se ajoelha.

    — Não esperava isso…

    Renji caminha, cada passo com aura pulsante. Os olhos ainda vermelhos, mas com controle.

    — Eu também não.

    Mas agora…

    Quero ver até onde esse teu silêncio consegue calar a minha fúria.

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