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    Anayê chegou em Ribeiral no dia seguinte quando o sol estava se aproximando da margem do horizonte. Na intersecção entre a rota dos reinos e a estrada do carvalho, encontrara uma estalagem onde conseguira um quarto para passar a noite. O mestre lhe dera algumas moedas antes de partir para serem usadas nesses casos.

    Acordara cedo e partira pela estrada do carvalho, local pela qual teve que diminuir a marcha da sua caminhada, pois grandes carvalhos e raízes se encontravam com o caminho obrigando a fazer desvios. Mesmo assim, atingiu o objetivo antes da noite, o que a deixou mais confortável.

    O vilarejo era cercado de árvores e pedras com casas de madeira, às margens de um ribeiro. Havia dois homens na entrada vestindo calças e camisas largas de má qualidade. Ambos portavam lanças e estreitaram os olhos quando a viram.

    — Por favor, afaste-se! — um deles disse dando um passo à frente.

    Anayê fez Juno parar de trotar.

    — Estamos doentes! Por favor, retorne pelo caminho que veio!

    — O meu nome é Anayê — ela revelou colocando toda a autoridade que podia na sua voz. — Fui enviada pelo mestre das colinas verdes.

    Um deles arregalou os olhos com um semblante de dúvida estampado no rosto. Anayê se perguntou se era assim que os outros a viam.

    — Chame Fenrir — o homem disse ao seu companheiro e se voltou para ela. — Aguarde o nosso líder.

    Anayê assentiu e desmontou do cavalo.

    Pouco depois, um homem alto, de ombros largos, de barba longa e careca, veio na direção da entrada a passos largos. Trajava uma camisa suja e com furos pequenos.

    Grandes sobrancelhas se estreitaram quando seus olhos curtos miraram a garota.

    — Wliff! — o sentinela da entrada bradou ao vê-lo. — Alguma coisa errada?

    O grandão ignorou e caminhou até ficar frente a frente com Anayê. Ele era alguns centímetros maior, mas baixou a cabeça para manter o rosto com rosto.

    — Não precisamos da sua gente aqui — foi a primeira frase.

    Anayê recuou um pouco, surpresa com a rispidez das palavras.

    — Você não tem nenhuma outra aldeia para destruir? Vá embora com as suas superstições. Nós precisamos de curandeiros e não da sua religião falsa.

    Anayê não respondeu. Ao invés disso, ficou parada sem reação.

    A expressão de Wliff estava fechada e ranzinza para alguém da idade dele.

    — Não me escutou, garota idiota?! — Ele apontou o dedo na cara dela. — Eu disse para você se mandar!

    Anayê engoliu a saliva e então falou:

    — Eu fui enviada pelo…

    — Não quero saber! — Wliff gritou quase em cima do rosto dela. — Podia ter sido enviada pelo rei ou pelo próprio lorde sombrio!

    — Escuta aqui, cara, quem é você?

    — Isso não interessa. Será que você está surda? Eu falei para dar o fora daqui.

    — Você é o Fenrir?

    Wliff soltou uma risada sarcástica.

    — Fenrir… só podia ser ideia daquele idiota.

    — Ah! Você não é o Fenrir, afinal.

    — Óbvio que não. Eu jamais teria a ideia estúpida de chamar um de vocês para nos ajudar.

    — Eu fui chamada pelo Fenrir, então só irei embora depois de falar com ele.

    — Posso te obrigar — Wliff fechou o punho.

    Dessa vez foi Anayê quem sorriu debochada.

    Wliff não aguentou a ironia e moveu sua cabeça para trás e para frente em questão de segundos atingindo a garota em cheio. Porém, para a sua surpresa, Anayê nem saiu do lugar.

    — Wliff!

    O grandão deu uma olhada para trás e bufou, furioso.

    Outro homem moreno e alto se aproximava correndo.

    — Você chamou um…? — Wliff apontou para Anayê. — E ainda por cima, uma menina! Você perdeu o juízo, Fenrir?

    — Essa decisão não cabe somente a você. Falei com os anciãos e eles concordaram em pedir a ajuda de um ceifador.

    — Eu não confio nessa gente.

    — Todos no vilarejo estão cientes da sua opinião.

    Wliff balançou a cabeça e suspirou, contrariado.

    — Eu não concordo com isso — e saiu andando a passos largos e fortes de volta ao vilarejo.

    Fenrir se aproximou fazendo um gesto com as mãos.

    — Por favor, perdoe o temperamento de Wliff.

    — Esse cara precisa de uma viagem até um local tranquilo para relaxar.

    — Talvez sim — Fenrir ajeitou uma das tranças que povoavam sua cabeça. — Eu sou Fenrir, o filho do líder do Ribeiral.

    — Eu sou Anayê, fui enviada pelo mestre das colinas verdes.

    — Seja bem vinda. Por favor, venha comigo e te mostrarei seus aposentos.

    Anayê acompanhou Fenrir através da única rua da aldeia. As casas de madeira estavam com as portas e janelas fechadas e não havia ninguém do lado de fora.

    — Fomos obrigados a manter cada um em sua casa por conta da velocidade em que a doença começou a se espalhar.

    — Você acha que está sendo passada de um para o outro?

    Fenrir assentiu.

    — Como começou?

    — Dias atrás, dois pescadores reclamaram de fraqueza. Pensamos ser algum tipo de doença por causa do calor, mas quando eles caíram desmaiados percebemos ser coisa mais grave. E depois outros começaram a sentir o mesmo como uma onda se espalhando rapidamente. Todos os curandeiros do vilarejo falharam em ajudar os doentes.

    — Alguém… morreu?

    Fenrir levou as mãos entrelaçadas até a boca e ficou em silêncio por um momento. Anayê soube a resposta e disse:

    — Você e o tal do Wliff parecem saudáveis. Há mais como vocês?

    — Alguns mais jovens. Os idosos foram os mais prejudicados. E agora até mesmo nossos curandeiros estão pegando a doença. Diante desse cenário, reuni os poucos anciãos e pedi para me deixarem chamar um ceifador. Temi que ninguém viesse a tempo.

    — Bem, farei o possível para ajudá-los.

    — Obrigado.

    Ainda havia uma série de perguntas a serem feitas. Anayê tinha decorado as principais com as quais poderia detectar aberrações ou evitar problemas posteriores. Por enquanto, entretanto, gostaria de visitar os infectados e verificar como poderia ajudá-los, mesmo temporariamente. Talvez pudesse aliviar o sofrimento daquela gente.

    — Fenrir! — alguém chamou.

    Anayê viu uma jovem morena com volumosos cabelos cacheados saindo de uma das casas e correndo ao seu encontro. A moça trajava um vestido maltrapilho, mas usava brincos e pulseiras de bronze.

    — Olá, Zátia. 

    Fenrir abriu um sorriso ao vê-la, mas a moça analisou Anayê dos pés a cabeça sem disfarçar.

    — É ela? — perguntou.

    — Zátia, te apresento Anayê, a ceifadora que veio nos ajudar.

    As duas se cumprimentaram. Anayê notou os olhos inchados da mulher, denunciando o quanto já chorara.

    — É verdade que uma aberração está por trás dessa doença?

    — Eu ainda não sei, mas vou fazer o melhor para ter respostas.

    — Pelos Três, eu imploro — Zátia se ajoelhou aos pés dela. — Ajude meu irmão.

    — Zátia! — exclamou Fenrir, alarmado.

    — Por favor, se levante — Anayê a colocou de pé pelo braço.

    — Ela irá ver todo mundo, basta apenas se acomodar — Fenrir explicou.

    Porém, a preocupação da mulher fez a ceifadora se comover.

    — Posso vê-lo agora, caso não seja incômodo — Anayê ofereceu.

    Os olhos de Zátia se iluminaram com o brilho da esperança de um dia após uma noite ruim.

    — É claro, se você quiser — Fenrir concordou.

    — Sim, por favor — Zátia falou. — Venha. Ele está na casa.

    Eles adentraram a casa de Zátia. Era um lar simples com dois cômodos ocupados por uma mesa, fogão a lenha e um armário. No quarto, jazia um menino moreno de cabelos semelhantes aos de Zátia deitado na cama.

    Anayê se aproximou do garoto e checou sua pulsação assim como sua temperatura. Estava frio como pedra embora mantivesse uma respiração tranquila. Chamou sua atenção a magreza fora do comum do menino. Além disso, marcas cinzentas como minhocas se espalhavam pelo peito e pescoço dele.

    Zátia se colocou do lado do irmão com os olhos suplicantes em Anayê. Fenrir esperava na porta do cômodo e, mesmo tentando disfarçar calma, sua perna não parava de balançar.

    A ceifadora pegou um frasco com fluido de oração do bolso do casaco, abriu e despejou uma gota na boca do garoto. 

    — Qual é o nome dele?

    — Ezec.

    Anayê se ajoelhou e se aproximou do ouvido do garoto.

    — Ezec, acorde.

    Aconteceu depois de um suspiro alto como alguém tomando fôlego para mergulhar.

    Zátia soltou um grito baixo e fechou a boca com as mãos quando o garoto se ergueu de repente.

    — Ezec! — bradou e abraçou o irmão que ainda estava um pouco perdido diante da situação toda.

    Valeu pela leitura!
    Espero que esteja curtindo a primeira missão de Anayê.

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