Capítulo 52 - Illusia não aprovaria isso!!!
Amarildo tinha o talento de silenciar até as pessoas mais extrovertidas. Não que alguém estivesse pensando em puxar assunto, mas se, por azar, alguém perguntasse o que ele fazia por diversão, ele provavelmente começaria explicando a física dos peões giratórios, desviaria para paradoxos quânticos e terminaria com um monólogo sobre ergonomia em jogos de tabuleiro.
Mas naquela noite, enquanto observava a festa da Illusia com olhos que viam probabilidades onde outros viam apenas celebração, Amarildo sentia-se tomado pela mesma fascinação que uma criança teria numa loja de brinquedos científicos.
Ali estava o laboratório humano perfeito: uma amostra populacional diversificada, comportamentos sociais em estado natural, e o melhor de tudo: ninguém jamais desconfiaria que estava prestes a virar cobaia sem nem receber um termo de consentimento.
“Fascinante!” — murmurou mentalmente, empurrando os óculos embaçados pelo suor da ansiedade científica — “Uma concentração populacional ideal em estado de euforia coletiva. Os dados comportamentais que posso coletar esta noite farão minha futura tese de mestrado parecer brincadeira de criança.”
Foi nesse momento de glória surreal que o jovem magricelo que havia permanecido discretamente nas sombras da festa, com a presença etérea de um fantasma científico, decidiu entrar em ação.
Ajustou a mochila gigantesca nas costas, que parecia conter o laboratório inteiro de alguma universidade federal mal financiada, e escaneou o ambiente, feito alguém observando variáveis vivas em seu experimento favorito.
“Excelente. Uma fauna diversa, aglomerada, levemente alcoolizada. Não poderia desejar um habitat mais fértil para observação comportamental.”
Amarildo não ia a festas por diversão, ia em busca de dados. Sacou o celular com a precisão de um pesquisador em campo e começou a anotar compulsivamente, murmurando possibilidades como se testasse hipóteses num laboratório social:
“Agora, qual experimento seria mais apropriado para esta amostra populacional?” — refletiu, observando os seus registros.
Ele considerou primeiro o ‘Cheiro da Morte’ que era uma experiência olfativa que havia desenvolvido para testar os limites da tolerância social ao odor.
Tinha até trazido o frasco com sua criação química mais fedorenta: uma combinação de butirato de etila, enxofre hidrogenado e essência de camarão vencido que era capaz de esvaziar um cinema em menos de dois minutos.
“Não.” — pensou, balançando a cabeça — “muito previsível. Qualquer idiota consegue fazer as pessoas correrem com mau cheiro. Onde está a elegância científica nisso?”
Depois considerou o ‘Big Bang do Microondas’ que era sua tentativa de replicar, em escala micro, a expansão do universo usando pipoca, pilhas de lítio e um chip Bluetooth que ele jurava que ‘mantinha o campo magnético controlado’.
O experimento anterior havia resultado numa explosão que deixou sua cozinha parecendo zona de guerra, mas os dados coletados foram fascinantes.
“Muito volátil para ambiente fechado com essa quantidade de civis.” — concluiu, sempre o cientista responsável — “Preciso de algo mais… elegante.”
Foi então que ele notou um copo com bebida abandonado numa mesa próxima, e sua mente científica imediatamente começou a calcular.
“Interessante.” — murmurou, observando o copo, igual a quem encara um artefato alienígena pela primeira vez — “Se todos da festa deixarem aproximadamente 10% de bebida nos copos e partirem, o desperdício coletivo representa uma catástrofe econômica líquida considerável.”
Amarildo, sempre disposto a sacrificar-se pela ciência, pegou o copo e o drenou completamente.
“Estou testando uma hipótese.” — explicou para ninguém em particular, já que ninguém estava prestando atenção nele — “De que o consumo coletivo de bebidas inacabadas estabiliza o metabolismo etílico da média estatística do grupo.”
O que inicialmente foi um experimento científico rigoroso rapidamente ganhou contornos de cruzada pessoal contra o desperdício líquido. Amarildo começou a circular pela festa, identificando e confiscando copos abandonados com a eficiência de um inspetor sanitário enlouquecido.
“Copo com 15% de whisky desperdiçado. Confiscado para análise.” — murmurava, tomando o conteúdo de um só gole — “Taça com 20% de vinho branco sem consumo. Requisitado para pesquisa etanólica.”
Em menos de quarenta minutos, o jovem estudante de física experimental havia ‘confiscado’ bebidas suficientes para deixar qualquer ‘pé de cana’ orgulhoso.
Seu celular agora arquivava mensagens cada vez mais irregulares e teorias cada vez mais criativas sobre termodinâmica de ressaca e física quântica aplicada ao álcool.
— Eureka! — exclamou de repente — Chegou a hora do experimento definitivo!
Foi nesse estado de euforia científica etílica que Amarildo tomou sua decisão final. Seus olhos, ligeiramente desfocados mas ainda brilhando com fervor investigativo, pousaram sobre a decoração mais impressionante do salão: um aquário gigantesco que ocupava quase uma parede inteira.
O aquário era realmente uma obra de arte: peixes tropicais coloridos nadavam graciosamente entre corais artificiais e plantas aquáticas que balançavam suavemente na corrente criada por bombas discretas.
A iluminação LED criava efeitos hipnóticos que transformavam a água em um caleidoscópio aquático, e o tanque tinha pelo menos dois metros de altura por três de largura, contendo provavelmente centenas de litros de água cristalina.
“Perfeito.” — pensou Amarildo, abrindo sua mochila — “A Inversão do Campo Gravitacional Aquático! Se eu mudar o centro de massa com um gerador de vibração oscilatória, teoricamente posso inverter a dinâmica de flutuação e criar padrões de corrente nunca antes observados!”
Ele retirou da mochila um dispositivo que desafiava a estética, a lógica e possivelmente os direitos humanos.
O artefato, embora funcional, era um vibrador em escala titânica com circuitos expostos, formato anatômico, LEDs hipnotizantes e peças recicladas de, aparentemente, uma batedeira e uma geladeira antiga. Era ofensivo aos olhos, mas inegavelmente… vibrante.
“A ciência exige coragem, sacrifício… e às vezes muito silicone industrial” — justificou ele, com o olhar de quem renuncia à própria dignidade em nome da ciência.
“Só preciso calibrar a frequência para 47,3 hertz e…” — continuou, conectando cabos com a confiança de alguém que claramente havia assistido muitos vídeos no YouTube sobre física experimental.
Os peixes no aquário, sentindo as vibrações preliminares, começaram a nadar em círculos frenéticos, num alvoroço digno de quem sente a chegada de um pecado em forma roliça.
Um peixe-palhaço, talvez líder do movimento aquático de resistência, escondeu-se atrás de um coral falso e apertou as nadadeiras sobre o próprio traseiro. Amarildo registrou: ‘espécime curioso, sensível à estimulação vibratória’.
“Aumentado o sistema de vibração em 3… 2… 1…” — contou, apertando um botão vermelho que definitivamente não deveria ser apertado por alguém em seu estado.
O que aconteceu a seguir foi majestoso. O vibrador começou a funcionar, criando ondas na água do aquário que inicialmente pareciam formar padrões interessantes. Os peixes foram pegos numa espécie de dança aquática involuntária, girando com as correntes.
— Fascinante! — gritou Amarildo, fazendo registro freneticamente em seu celular — Os padrões de fluxo estão excedendo minhas previsões mais otimistas!
Mas como toda experiência científica conduzida por um estudante bêbado com equipamento cilíndrico de silicone, as coisas rapidamente saíram de controle.
A vibração, em vez de criar os elegantes redemoinhos previstos pela teoria, começou a aumentar exponencialmente, criando ondas cada vez maiores que batiam contra as paredes do tanque com força crescente.
“Hummm!” — observou Amarildo, ainda registrando notas enquanto o aquário começava a balançar visivelmente — “A amplitude está ultrapassando os parâmetros de contenção estrutural…”
Ninguém estava preparado quando o simulacro do órgão sexual acertou o vidro com a força de um meteoro anatômico. Ouviu-se um estalo seco, como se o aquário tivesse tido uma ideia ruim, seguido do som mais temido em qualquer festa com decoração cara: o rugido úmido de centenas de litros de água fugindo pela rachadura que se espalhava
— OH, MERDA CIENTÍFICA! — gritou, finalmente percebendo que talvez tivesse subestimado algumas variáveis importantes em sua equação.
O aquário explodiu com a força de uma barragem rompida em miniatura. Água jorrou pelo salão tal qual uma tsunami tropical, carregando peixes exóticos, decorações artificiais e todo o glamour da festa numa enxurrada caótica que transformou o elegante salão num rio temporário extremamente inconveniente.
Diante de uma colossal rola artificial colidindo com um aquário e causando o que só pode ser chamado de ejaculação marinha, Vento Leste teve um surto lírico: E tudo dentro dele gritou:
“É isso! É com isso que quero passar o resto da vida!” — alguns segundos depois, voltou à razão, largou o copo, e começou a procurar um Alcoólicos Anônimos com Wi-Fi e atendimento emergencial.
Os convidados, que segundos antes aplaudiam a coroação surreal de Dona Úrsula, de repente se viram em perigo. Gritos ecoaram pelo salão enquanto todo mundo tentava simultaneamente não se afogar, não pisar nos peixes e manter um mínimo de dignidade social.
— O monstro cilíndrico da água levou minha tia! — chorou a criança, trazida às escondidas porque a professora Nimsay não tinha com quem deixá-la e precisava trabalhar. Mal sabia ela que a senhora em questão já tinha declarado, em mais de um grupo de bingo, que morrer tragada por algo gigantesco era sua versão do paraíso.
Amarildo, que havia tido a previsão científica de vestir boias e máscara de mergulho assim que ativou seu experimento, flutuava calmamente no meio do caos aquático, fazendo registros finais em seu celular impermeável.
— Anotação mental. — disse enquanto observava Val Ferri sendo carregado pela corrente junto com sua câmera — Vibração acima do previsto. Efeito de contenção estrutural subestimado. Procurar nova tia para a criança órfã experimental.
Quintus, que havia sido atingido pela onda inicial enquanto ainda processava sua derrota romântica para um brinquedo de pelúcia, encontrou-se sendo arrastado em direção à saída numa corrente que parecia ter senso de direção melhor que ele próprio.
“Perfeito.” — pensou, cuspindo água que tinha gosto de produto químico para aquário e derrota pessoal — “Mais uma festa que termina sem eu conquistar uma namorada. Pelo menos desta vez tenho uma desculpa oceanográfica.”
Dona Úrsula, a nova rainha coroada, flutuava majestosamente na correnteza com sua coroa ainda perfeitamente posicionada, provando que mesmo numa catástrofe aquática, algumas coisas permaneciam imutáveis.
Seu batom borrado havia se espalhado ainda mais, criando um efeito artístico que teria custado uma fortuna num salão de beleza vanguardista.
“Pelo menos a rainha está mantendo a compostura” — observou Quintus, sendo carregado pela água junto com pedaços de decoração e alguns peixes tropicais que pareciam tão confusos quanto os convidados.
A festa da Illusia, que havia começado feito uma celebração de elegância social, terminava igual a uma experiência aquática não consensual, com todos os convidados sendo democraticamente expulsos pela força da natureza e da ciência mal aplicada.
E assim, enquanto a água continuava a jorrar e os últimos convidados eram carregados para fora do salão numa procissão, Amarildo finalmente encerrou seus registros e suspirou com a satisfação de um trabalho bem feito.
— Experimento concluído com sucesso. — declarou para ninguém em particular, ajustando sua máscara de mergulho — Dados coletados, hipótese testada, festa encerrada. A ciência prevalece mais uma vez.
Pelo menos, dessa vez, todos saíram da festa com uma história para contar. Alguns levaram fotos, outros traumas, e muitos carregavam peixes tropicais nas roupas íntimas como lembrancinhas molhadas.
E lá estava Quintus, deitado na calçada, encharcado, contemplando o céu, com o olhar vago de quem tenta decifrar a existência, torcendo apenas para que os enfermeiros de dois metros que desciam da van preta tivessem a decência de não expô-lo nos stories.
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