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    Dante não se mexeu. A fúria de Cloud transbordava pelos olhos, mas era o que estava por trás dela que chamava atenção — algo quebrado, inacabado. Um vazio antigo, que grita quando tudo silencia. Dante reconhecia isso. Mas não era dele o trabalho de consertar ninguém.

    — Te dei uma chance. Rejeitou. Quer mesmo fazer isso? — girou a espada com firmeza, mas em vez de empunhá-la, cravou-a no chão ao lado. — Então vamos logo.

    Cloud gritou, e o som explodiu com tamanho rancor que fez os presos nas celas gritarem de volta, em puro instinto. As raízes brotaram com violência, como dentes famintos. Rasgaram o chão, invadiram escadas, colunas, paredes. Tomaram o lugar como uma febre viva.

    Dante saltou antes que o primeiro galho subisse. Caiu em cima de uma das raízes e correu pela superfície escorregadia com equilíbrio impecável, o casaco tremulando.

    — Não fuja de mim! — berrou Cloud, correndo atrás, deformado, grotesco, um amontoado de músculos de madeira e folhas que estalavam a cada passo.

    Dante nem olhou para trás.

    — Fugir? De você? Por favor.

    Escapou de um galho que veio por cima, girou o corpo, deslizou até outra raiz, e então saltou, caindo no centro do salão. O chão tremeu com a queda de Cloud logo atrás. Os olhos vermelhos do inimigo não piscavam.

    — Você acha que naquele dia me venceu, mas me pegou desprevenido. Cansado, distraído. Hoje? Hoje eu acordei diferente.

    As raízes tentaram agarrá-lo outra vez. Dante ergueu a mão e o ar explodiu em volta dele, como uma bolha que empurrou as madeiras para trás. A pressão da Conversão Cinética começou a tomar forma.

    Ele sentiu a Energia Cósmica se aproximando — como um animal feroz, gritando dentro de si, querendo fugir. Era sempre assim. A energia queria estar em qualquer lugar, menos nele. Mas ele não dava escolha. E essa teimosia, essa luta constante, era o que o tornava único.

    — Sabe o que eu mais odeio? — disse, com um sorriso torto no canto da boca. — Ter que ficar sério demais.

    Seu corpo se inclinou. Um brilho púrpura emergiu por suas veias, envolvendo seus braços como fendas vivas. A energia se curvou em sua volta, pesada, densa, mas obediente.

    Cloud avançou. Suas garras cresceram, afiadas como lanças. Ele rugia como um animal.

    — Eu vou ter a minha revanche!

    — Não. Não vai.

    O olhar de Dante era sereno. Cruel, mas sereno. A análise fria de um predador diante de uma presa que ainda pensa ter chance. Cloud tinha um poder impressionante — conseguia mudar a própria forma, criar armas, moldar defesas. Mas escolheu o lado errado. O peso disso vinha agora.

    Dante pisou firme no chão. A energia rugiu em resposta. Um tremor percorreu os alicerces da prisão.

    Descendo o Vale.

    Num segundo, Dante desapareceu do campo de visão. No próximo, estava diante de Cloud, soco armado, cotovelo girado, toda a força acumulada da Conversão sendo canalizada em um só ponto: o centro do peito inimigo.

    O punho acertou o peito de Cloud com um som seco, mas o que veio depois foi muito além de um golpe. O ar ao redor estalou como vidro se partindo — não só uma rajada, mas um colapso de pressão. O impacto distorceu o espaço num clarão lilás, e uma onda sônica varreu tudo ao redor.

    O solo cedeu.

    Rachaduras se abriram sob os pés de Dante, serpenteando em todas as direções, como se a prisão respirasse pela primeira vez em décadas. As raízes que cercavam os dois se desintegraram no mesmo instante, sugadas pela explosão da Conversão Cinética.

    Cloud foi lançado para trás, seu corpo imenso se dobrando no ar como uma folha em tempestade. Quebrou uma viga de aço, atravessou três colunas de sustentação e só parou ao colidir contra uma das pilastras centrais da prisão. O estrondo ecoou pelo complexo inteiro, e parte da estrutura desabou com ele.

    O teto acima da ala leste cedeu. Pedaços de concreto, ferro e madeira ruíram com violência. Poeira, fumaça e lascas de pedra preencheram o ar. Um silêncio breve caiu… antes que os gritos dos prisioneiros e o estalo dos escombros tomassem conta do ambiente.

    Dante não se moveu por um momento.

    O ar ainda vibrava ao seu redor. Sua aura púrpura serpenteava entre os dedos, como se resistisse a desaparecer. Ele inspirou devagar, sentindo o sabor metálico da energia ainda reverberando dentro do peito. Seus punhos estavam cerrados, o olhar fixo nos escombros.

    Continuou observando aquele homem. Ter se entregado daquela maneira, ter ido até o mais fundo dos seus pensamentos e trazer tanta coisa para si, apenas para conseguir tirar um inimigo do caminho.

    Os homens tinham realmente estranhas formas de querer chegar ao céu, mas esse escolheu enraizar a si mesmo no próprio inferno.

    Cloud estava soterrado — ou quase. Um braço se esticava para fora das pedras, mas não se movia.

    Dante girou o pescoço, estalando os ossos.

    — Não foi pela sua revanche. Nem pelo seu ódio. — disse em voz baixa, caminhando até a espada fincada. — Foi porque você escolheu se tornar um peso… justo quando eu não tinha mais tempo pra carregar ninguém.

    Puxou a lâmina do chão com uma só mão. O som do aço deslizando da pedra foi seco, quase cerimonial.

    Ergueu os olhos. Lá no fundo, em meio à poeira e à estrutura partida, a sombra do Bastardo desaparecia por um dos corredores, como um vulto que aguardava algo.

    Dante apertou o cabo da espada.

    Não havia terminado.

    — Ainda não. Ainda falta mais um.

    Antes de conseguir sair dali, viu que Cloud ainda estava vivo entre os escombros. E ficou surpreso. Seu golpe poderia não ter sido forte como antes, mas a intenção foi de morte. Se houvesse qualquer chance de sobreviver, então, aquele homem a recebeu dos céus.

    Com a poeira abafando seu rosto e a terra cobrindo suas costas até o ombro, pôde ver seu olhar. Mesmo a beira da morte, mesmo soterrado, ele ainda tinha forças.

    Homens como esse não morrem facilmente, pensou consigo.

    — Você… — No entanto, a voz partiu de Gladius. As raízes se desfizeram, os libertando com seus ferimentos mais leves. No entanto, o guardião não se levantou. – Se vai mesmo atrás do Bastardo, precisa saber de algo.

    Dante ficou parado, mas concordou.

    — O que é?

    Pela face e posição de Gladius, Dante tinha certeza de que era algo extremamente importante.

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