Índice de Capítulo

    Pneumonia: Doença inflamatória que afeta os pulmões, causada por micro-organismos como vírus, bactérias ou fungos. Até o momento, só existem tratamentos — nenhum com 100% de chance de sobrevivência.

    Uma luz fluorescente tremula. A imagem entra em foco.
    Renji Asakura, 13 anos, pele pálida como papel de arroz, deitado em uma cama de hospital.
    Eletrodos grudados no peito. Um respirador forçando o ar em seus pulmões. Uma agulha em seu braço.
    O quarto tá abafado, o silêncio é sufocante. Mas não é o tipo de silêncio que acalma — é o tipo que te faz sentir o peso de cada segundo.

    Ao redor da cama, três médicos e duas enfermeiras. Rosto fechado, olhar vazio.
    Um deles quebra o silêncio com voz baixa, como se falar alto pudesse quebrar o garoto:

    — A infecção… está avançando rápido. O pulmão esquerdo já tá 70% comprometido.

    Outro complementa, lendo um prontuário:

    — Hemorragia nos alvéolos. A saturação não passa de 82, mesmo com oxigênio direto. O corpo dele… tá lutando, mas…

    Silêncio. Olhares trocados.

    — As chances… caíram para 47%.

    A mãe de Renji, sentada num canto, aperta a mão contra a boca para não soltar um grito. O pai… tá de pé, imóvel, com os olhos fixos no filho. Como se encarar bastasse para protegê-lo. Mas o olhar tá tremendo.

    — Se ele sobreviver, — diz o médico com mais idade, a voz carregada de empatia — talvez… nunca mais possa praticar artes marciais.

    Essa frase enche o quarto como uma explosão silenciosa.

    Renji, mesmo desacordado, parece se contorcer levemente. Como se a alma tivesse ouvido. Como se, mesmo adormecido, ainda estivesse tentando levantar para lutar.

    A máquina apita. Os monitores disparam uma pequena oscilação.
    Uma enfermeira se aproxima. Ajusta os tubos. Volta para o lugar.
    O tempo desacelera.
    A luz pisca mais uma vez.
    O médico mais velho respira fundo… e diz o que ninguém ali queria ouvir:

    — Preparem-se… para o pior.

    Escuridão. Um breu que pulsa como um coração ferido.

    A câmera penetra a mente adormecida de Renji. Mas não encontra sonhos.
    Encontra ele.

    O Monstro Interior — aquele ser que vive nas entranhas da alma de Renji — está de joelhos no centro de um espaço que parece não ter chão, nem teto, nem horizonte. Um mundo feito de sombras líquidas, onde cada respiração ecoa como um lamento.

    Ele não está em fúria. Não ruge. Não ameaça.

    Ele está quebrado.

    Pele feita de fumaça negra. Olhos como fendas rubras sem brilho. Os ombros largos, agora curvados.
    O Monstro respira fundo, mas o ar ali não alivia. É pesado.
    É como respirar tristeza.

    As garras tocam o chão sombrio. Um chão que reflete memórias que nunca existiram — futuros que morreram antes de nascer.

    Lentamente, ele levanta o olhar. A névoa ao redor se transforma em imagens turvas:

    Renji com um uniforme preto e vermelho de torneio, rindo de olhos fechados.
    Renji treinando com os amigos, suado, ofegante, empolgado.
    Renji sangrando numa luta, ajoelhado, com um sorriso orgulhoso nos lábios.

    O Monstro estende a mão como se quisesse tocar essas cenas, mas elas se desfazem em fumaça antes de serem alcançadas.
    Ele suspira. A voz dele sai rouca, profunda, carregada de um tipo de dor que nenhuma lâmina pode causar.

    — Não é justo…

    As palavras pesam.

    — Eu só queria… sentir o gosto da luta ao lado dele.

    Ele fecha os punhos. As veias negras de sua aura brilham com um tom triste de carmesim.

    — A gente ia rugir para o mundo. Ia gritar nossa existência. Ia pintar a história com golpes e cicatrizes. Ia fazer os deuses tremerem com a nossa fúria…

    Silêncio.

    As imagens ao redor se transformam.

    Agora mostram Renji no hospital. Frágil. Imóvel. Respirando por máquinas.
    Mostram a porta fechada do quarto. O aviso de “Alerta Vermelho”.
    Mostram o pai dele chorando escondido no corredor.

    O Monstro treme. Mas não é raiva.

    É impotência.

    Ele olha para o alto. Mas o céu desse mundo mental é um vazio opressor. Nem estrelas. Nem lua. Só o reflexo da morte se aproximando como um tsunami invisível.

    — A gente ia voar…

    A voz dele quase se quebra.

    — …e agora vai morrer preso num quarto branco… por causa de uma doença maldita.

    Ele grita. Um rugido abafado que não ecoa.
    A dor dele é como um trovão que não encontra o céu para cair.

    As sombras ao redor dele se enroscam no corpo, como correntes.
    Mas ele não luta contra elas.

    Não ainda.

    Ele apenas fecha os olhos.
    E pela primeira vez…

    …chora.

    Corta da escuridão para a luz fria de um hospital.
    Luz branca. Silenciosa. Cruel.

    O bipe das máquinas é o primeiro som. Depois, o arranhar de um lençol quando Renji Asakura se move pela primeira vez desde que desmaiou.

    As pálpebras dele abrem devagar, como se pesassem toneladas. Pupilas dilatadas, visão embaçada. Tudo parece meio embaçado, meio fora de fase. Mas ali estão eles.

    Seus pais.

    Sua mãe está sentada, com as mãos nos joelhos, olhos inchados de tanto chorar. A expressão dela é a de uma alma que já enterrou o filho mil vezes nos últimos dias.
    O pai… está de pé, braços cruzados, mas os punhos cerrados tremem. Ele encara Renji como quem tenta acreditar que aquilo não é real. Que o garoto ali deitado, coberto de fios e tubos, não é seu filho. Que aquilo é só… um erro.

    Renji pisca, confuso. — …Pai…?

    A mãe levanta de imediato e segura a mão dele. A dela está quente, tremendo. A dele está fria, tão fria.
    O pai não se mexe. Nem responde.

    Silêncio.

    Então, como uma flecha no coração, as palavras voltam:

    — Pneumonia bilateral agressiva…

    — Comprometimento pulmonar severo…

    — Chances de sobrevivência: 47%, e caindo…

    A boca de Renji treme.
    Ele olha em volta. O soro. Os aparelhos. Os tubos.
    Uma máscara de oxigênio do lado. A tela cardíaca. O cheiro de antisséptico no ar.

    Um pânico silencioso toma conta dele.
    Ele tenta se sentar — não consegue.
    Os músculos não obedecem.
    Tenta forçar a respiração — uma fisgada horrível no peito o faz tossir, como se lâminas rasgasse por dentro.

    A mãe segura ele, tentando acalmá-lo. — Calma, filho… calma…

    Mas Renji sente.

    Sente que algo enorme foi arrancado de dentro dele.

    — …Eles disseram que… talvez eu nunca mais possa lutar…?

    A mãe segura o choro.
    O pai vira o rosto.

    Renji paralisa.
    O ar parece sumir.

    Então ele explode.

    — NÃO!!!

    Ele grita, mas é um grito falho, rachado, quase sem voz.
    Começa a chorar, mas é mais que isso.

    É desespero cru.
    É o som de uma alma sendo despedaçada no concreto.

    Ele se contorce na cama, soca o colchão, mesmo sem força.
    As mãos, cheias de agulhas e sensores, se abrem e se fecham, tremendo como folhas ao vento.
    Ele vira o rosto e grita com tudo no travesseiro, como se quisesse se rasgar por dentro.

    — POR QUE EU?!

    — EU TAVA TÃO PERTO!!

    — EU SÓ QUERIA LUTAR! PORRA!!!

    A mãe chora com ele. O pai… sai da sala.

    Renji continua socando o colchão, o travesseiro, o próprio peito.
    Mas os socos são fracos.
    As mãos…
    Aquelas mãos que moldaram golpes, que seguraram troféus, que levantaram amigos e derrubaram gigantes… agora tremem.
    Frágeis.
    Presas a fios.
    Amarradas à realidade.

    A câmera foca nelas.

    E no rosto dele.

    Um garoto com um coração de aço, tendo sua alma dilacerada pelo que nenhum oponente jamais conseguiu fazer:

    A impossibilidade de lutar.

    Som abafado de passos firmes no chão liso do hospital.
    Porta desliza.
    Silêncio.

    O velho entra.

    Kimura Daisuke — o Dojo Master de Renji — não fala de imediato.
    Só observa.
    O garoto na cama, olhos vermelhos de tanto chorar, pele opaca, o corpo mais leve do que devia… mas o olhar ainda arde. Ainda que apagado, ainda que trincado… ainda tem fogo ali.

    Kimura se aproxima.

    Ele não é de discurso. É de luta. De suor. Mas naquele momento, ele se permite sentir o peso do instante.
    Puxa uma cadeira. Senta ao lado da cama. Olha Renji direto nos olhos, como se tentasse alcançar o garoto que ainda lutava por dentro.

    Então fala, baixo, mas firme:

    — Vai dar tudo certo.

    Renji não reage.
    Só continua olhando para frente, sem foco.

    Kimura aperta a mão do garoto.

    — Você ainda vai ser o lutador mais brilhante do mundo.

    O peso daquelas palavras entra no peito de Renji como uma brisa quente num dia de inverno.
    Ele vira devagar a cabeça.

    Kimura sorri com os olhos.

    — Você é o menino mais luminoso que já passou pelo meu dojo, Renji.
    O mundo ainda não viu do que você é capaz.

    O silêncio depois disso é sagrado.
    Kimura não diz mais nada. Apenas fica. Apenas está ali.

    Renji fecha os olhos.
    E a luz do mundo real vai se apagando.

    Plano mental — interior da mente de Renji

    Escuridão.
    Mas não vazia. Uma escuridão pulsante, quase viva.

    Lá, no centro desse breu… o Monstro.

    A criatura que representa o lado mais primal de Renji.
    Sua fúria. Sua dor. Seu poder bruto.

    Mas agora, ele não está mais de joelhos.
    Não está mais chorando.

    Ele caminha.
    Passos firmes.
    Garras arrastando faíscas pelo chão inexistente.
    Chifres curvados como lâminas negras.
    Olhos vermelhos como brasas molhadas.

    Ele encara Renji.
    Que está ali também, como projeção de si mesmo, confuso, meio frágil.

    — Você… voltou… — sussurra Renji.

    O Monstro inclina a cabeça. Não sorri. Mas há algo de calor sombrio nele.
    Uma decisão tomada.

    — Eu posso te curar.

    Renji arregala os olhos.
    A névoa em volta vibra com a frase.

    — O quê…?

    O Monstro se aproxima.
    Tão perto que Renji sente o hálito quente da fera bater em sua alma.

    — Eu posso queimar essa doença.
    Rasgar ela de dentro para fora.
    Mas… tem um preço.

    Renji engole seco.

    — Qual o preço?

    Silêncio.
    A criatura então fala:

    — Sua força natural vai diminuir.
    Seu corpo não será mais o mesmo.
    Mas… você poderá lutar.
    Comigo.
    Vai ter que me usar mais.
    Vai me deixar sair.

    Os olhos da fera brilham.

    — Você vai perder o controle mais vezes.
    Vai se tornar mais… como eu.

    Renji hesita.

    A imagem do dojo.
    Dos amigos.
    Dos campeonatos que ainda não viveu.
    Dos sonhos que ainda estão lá, mesmo estilhaçados.

    Ele encara o Monstro.
    Vê nos olhos da criatura uma verdade que sempre esteve ali.

    Eles são um só.

    Dois lados da mesma fúria.

    — E se eu não aceitar…?

    O Monstro não responde.
    Só vira as costas.

    E com um rugido baixo, diz:

    — Então nós dois vamos morrer aqui.
    Num quarto branco, sufocados…
    Sem ter vivido nada do que prometemos.

    Renji aperta os punhos.
    O cenário ao redor vibra.
    O chão treme.

    O quarto hospitalar fervilha.

    Monitores piscando. Alarmes disparando — não por perigo, mas por anomalia.
    Aquelas máquinas nunca foram programadas para registrar o impossível.

    Três médicos, dois enfermeiros e um especialista em doenças pulmonares invadem o espaço como um enxame.
    Papéis se acumulam nas mãos, tablet com gráficos girando, dados cruzando em tempo real.

    E no meio disso tudo…
    Renji, em pé.

    Simplesmente ali.

    Sem tosse. Sem soro. Sem oxigênio.

    Só… vivo.

    Um dos médicos, o mais velho, com quarenta anos de medicina e ceticismo no bolso, olha para o último raio-x e depois olha para Renji, como se estivesse encarando um fantasma.

    — O pulmão dele… limpou. É como se… tivesse sido queimado por dentro e regenerado logo depois.

    Outro médico solta, em tom quase ofendido:

    — Isso… é impossível. Não tem explicação científica.

    Renji ouve tudo em silêncio.

    Mas ele sente.

    Não é só ar nos pulmões.
    É energia.
    É algo latente, roncando sob a pele, como uma fera de olhos fechados esperando o sino tocar.

    Ele flexiona os braços.
    Fecha os punhos.
    Gira os ombros.

    O corpo tá diferente.
    Mais leve.
    Mais bruto.

    Como se a gravidade tivesse diminuído, mas o impacto de cada movimento tivesse dobrado.
    Como se o coração não batesse mais sozinho… mas em uníssono com outra coisa.

    Ele respira fundo.

    E sente.

    O Monstro.

    Lá dentro, adormecido, mas sorrindo.
    Como um dragão sonhando com a próxima guerra.

    O som é o de um trovão.
    Ou talvez um terremoto.
    Ou talvez o mundo caindo em cima de um só corpo.

    Renji voa.

    Literalmente voa.

    O golpe de San Ryoshi pegou em cheio: um direto na costela, com a força de quem carrega uma montanha nos punhos.
    O corpo de Renji gira no ar, desgovernado, como uma boneca de pano chicoteada pelo destino.

    Ele bate no chão.
    E rola.
    Rasga o chão com o impacto.
    Uma.
    Duas.
    Três vezes.

    Até parar.
    De lado.
    O braço esquerdo mole.
    O sangue escorrendo do canto da boca.

    A torcida prende o fôlego.
    Os comentaristas se calam.
    E San Ryoshi só observa, como quem espera o juiz terminar a contagem.

    Mas antes que qualquer um diga algo…

    A narração interna de Renji começa, como um sussurro vindo de um abismo:

    — Eu não fui curado.

    A câmera foca nos olhos dele, abrindo devagar.
    Negros, intensos, com uma leve aura carmesim circulando a íris.

    — Eu fui reescrito.

    Corte rápido:
    Um flash.
    Aquela mesma escuridão de antes.
    O Monstro abrindo os olhos.
    O mundo interno tremendo.

    De volta à arena.

    Renji começa a se levantar.

    Primeiro um braço.
    Depois o joelho.

    Tosse sangue.

    Mas sorri.

    E então, o silêncio da arena começa a quebrar — primeiro pelo espanto, depois pelo temor.

    San Ryoshi dá um passo para trás, instintivamente.

    Renji encara ele, mesmo ainda abaixado, com a aura do impossível ao redor.

    E na cabeça dele, só uma frase ecoa, como tatuagem no cérebro:

    — O que me mantém de pé… não é mais o corpo.

    Ele se levanta por completo.

    Reto.
    Intacto demais para quem deveria estar inconsciente.
    E com uma risada seca, meio rouca, diz:

    — Me derrubar é fácil.
    Me enterrar… boa sorte.

    O chão ao redor vibra.

    Pequenas rachaduras aparecem sob os pés dele.

    É o Sen.
    Mas não o mesmo de antes.

    É um Sen contaminado.

    Rubro, pulsante, com veios negros, como lava misturada com escuridão.

    A plateia não entende.
    Mas sente.

    O comentarista engasga nas palavras:

    — Isso… isso não é normal. Essa energia… é instável.

    Renji dá um passo.

    A arena treme.

    E lá dentro, o Monstro sorri.

    Ele olha para si mesmo.
    Toca o próprio peito.

    E diz:

    — …Eu aceito.

    O Monstro para.
    Sorri.

    — Então vamos recomeçar, parceiro.

    Hospital – dia seguinte

    O sol bate na janela.
    Luz dourada. Quase sagrada.

    Renji abre os olhos.

    Sem máquina de respiração.
    Sem febre.
    Sem dor.

    Só o som da própria respiração.

    Ele respira fundo.
    Como se fosse a primeira vez que o ar fizesse sentido.

    Os médicos correm, em choque.
    A ficha dele dizia morte iminente.
    Agora… ele está sentado.
    A pressão normal.
    O corpo estável.
    Os exames… limpos.

    E quando ele se olha no espelho…

    Os olhos dele carregam algo novo.
    Algo antigo.
    Algo selvagem.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota