Índice de Capítulo

    Talia caminhava com os dois, eles mais atrás. Balançava a cabeça, sem entender como seu pai tinha feito aquilo justamente com o seu filho mais velho. Dante era apenas doze anos mais velho do que ela, mas nunca passou pela sua cabeça quando era pequena sobre isso.

    Seu pai tinha feito um ritual para que ele não pudesse usar sua habilidade com força total.

    — Sua preocupação é louvável – disse Humber se aproximando a passos curtos. – Mas, muita gente precisa de você focada no agora. Seu irmão vai ficar bem, conhece ele melhor do que eu pra confirmar isso.

    — Eu sei que ele vai ficar bem, mas nunca pensei que eles seriam capazes de fazer algo assim.

    Dalia se aproximou do outro lado, a tocando no ombro.

    — Alguns pais costumam fazer muito mais do que dar amor aos filhos. Posso não saber tanto da sua família, mas você sempre os elogiou. Pode ser que o destino de Dante tenha sido esse, mas não é o começo que define quem você é.

    Queria poder acreditar em palavras gentis ou na realidade, mas a única sensação que passava em sua mente era o vazio. Ter ouvido Dante daquela vez, quando sua posição era em terra tinha sido uma centelha para que ela continuasse aprimorando a comunicação.

    Agora, sabendo que ele não se encontrava mais lá, mas que sua rota já tinha sido traçada fazia meses para os oceanos, Talia se sentia perdida novamente.

    — Se era o destino dele, então, por que não fizeram o mesmo comigo?

    Havia dúvida nos olhos dela que Dalia não sabia responder.


    O vento cortava as cordas suspensas entre as plataformas de metal enferrujado. Acima do abismo, onde o som do oceano sumia, duas figuras paradas diante uma da outra não diziam nada. Apenas respiravam.

    Dante girava a espada na mão direita. O aço, lascado e gasto em alguns pontos, tremia sob seus dedos, mas seus olhos estavam firmes. Do outro lado, o Bastardo sorria como se estivesse prestes a esculpir o destino com sua lâmina negra.

    — Ainda me pergunto por que você não fugiu — provocou o Bastardo, os dedos tremeluzindo com fagulhas douradas. — Você diz que sente pena, mas não é nada além de um homem normal. Você não pode salvar a todos e você mesmo. Precisa escolher.

    Dante não respondeu. Os músculos do ombro se tensionaram. Ele avançou.

    O primeiro choque de lâminas estalou como uma explosão. Faíscas saltaram no ar, ricocheteando contra as vigas de ferro. O Bastardo se moveu com precisão cruel, cada golpe feito para matar, cortar, quebrar. Dante recuava por centímetros, desviando, raspando, sentindo o impacto nos ossos.

    Quando os pés de Dante quase tocaram o limite de onde o concreto havia se estabelecido, o Bastardo recuou dois passos e estendeu a mão esquerda.

    — Chega de aço. — Seus olhos brilharam. — Vamos jogar com as regras que eu escrevi. As minhas regras.

    O ar estalou.

    De repente, todos o teto se partiu em dois, revelando o céu azulado. O ferro e concreto se misturaram, formando uma esfera acinzentada, e depois se esticando para baixo, bem na direção de Dante.

    Raios caíram dos céus sem aviso, curvando-se como serpentes em direção a Dante. Ele mergulhou por debaixo de uma viga caída, rolando, deixando o cheiro de metal queimado para trás. Saltou entre pilares quebrados, usando as sombras como armadura.

    — Você foge bem — zombou o Bastardo, flutuando dois metros acima do chão, envolto por uma aura que parecia distorcer o tempo ao seu redor. — Quanto tempo consegue fazer isso? Não ia me matar? Onde está sua valentia?

    Com um gesto, ergueu as mãos.

    A terra tremeu sob os pés de Dante. Estacas de pedra explodiram do chão, afiadas como lanças. Ele correu, desviando por centímetros, pulando, raspando a lateral da coxa em uma das pontas. Gritou entre os dentes. Não parou.

    Saltou para um nível superior de passarelas retorcidas, usando o próprio ambiente como escudo. Escorregou por entre grades e se jogou para dentro de uma porta, usando vigas. Acho um lugar, se projetou por trás de uma torre de sustentação — e finalmente contra-atacou.

    Dante lançou a espada. Não para atingir. Mas para distrair.

    O Bastardo desviou com desdém. Mas Dante já estava em movimento.

    Ele correu pelas correntes suspensas do novo cômodo como se fossem solo firme, os pés firmes sobre o aço trêmulo. O corpo se inclinava entre os vãos, aproveitando cada pilar, cada trilho, cada pedaço de metal enferrujado como se o espaço ao redor fosse parte de sua estratégia. Quando se aproximou, puxou o ar com força para os pulmões e saltou.

    Foi nesse instante que o caos tomou forma.

    Chamas e água se entrelaçaram no centro da sala como serpentes rivais em dança furiosa. O ar parecia contorcer o espaço ao redor, destroçando tudo que não fosse Dante, Bastardo ou os prisioneiros que se encolhiam nas sombras. As outras portas, grossas e trancadas, foram arrancadas de suas dobradiças, torcidas até virarem ferro inútil espalhado pelo chão.

    Dante estendeu o braço direito, pronto para golpear, mas algo o prendeu.

    Uma das correntes, antes estática, se moldou ao toque da Energia Cósmica e se enroscou em seu pulso. Ele cambaleou, mas não cedeu. Em vez disso, usou o puxão como impulso. Com um giro violento do corpo, transferiu toda a força do braço para o chicote que emergia da corrente e o golpe acertou direto o peito de Bastardo.

    O impacto o lançou contra a parede de concreto. A estrutura tremeu. Poeira caiu do teto. Mas o Bastardo não caiu. Seus pés se cravaram no solo como raízes, e ele ergueu o rosto com o mesmo sorriso viciado em poder.

    Dante já estava à frente quando ele voltou a abrir os olhos.

    — Você perdeu sua espada — disse Bastardo, e sua mão dourada bloqueou o soco com facilidade. Não houve esforço, nem reação defensiva tensa. Apenas o prazer arrogante de quem sabia que tinha o controle. — Parece que você não está mais tão forte…

    E então veio a resposta.

    A Energia Cósmica explodiu da mão do Bastardo, como uma rajada viva. Uma imensidão amarela percorreu o espaço entre eles, acertando Dante no rosto e no peito com força brutal. Antes que pudesse reagir, Bastardo abriu a mão com um gesto sereno — e Dante foi lançado como uma pedra, atravessando o ar até colidir com uma das gaiolas de ferro onde prisioneiros se encolhiam.

    O som do impacto foi seco, doído, e o corpo de Dante caiu com um baque ao chão.

    Acima, o ar girava em frenesi.

    Chamas e água ascendiam em espirais contrárias, formando um turbilhão que girava em torno de Bastardo. Cada elemento parecia alimentá-lo. As cores da natureza colidiam sob seus pés, até o turbilhão se condensar sobre sua pele e assumir forma sólida — uma armadura viva, pulsante, moldada pela fúria dos elementos. Quando seus pés tocaram novamente o solo rachado, a estrutura estremeceu.

    Ele tocou o peito, onde o golpe anterior havia acertado, e ali brilhava uma luz amarela profunda. Uma barreira verde, sutil, se manifestava e retraía como uma membrana viva.

    Ali, entre o concreto desfeito e os restos do cômodo, a verdade se impunha com brutalidade: Bastardo não parecia alguém que poderia ser derrotado.

    — Eu sonhei com isso — a voz dele se espalhou pelas paredes, ecoando até o corredor lá fora. — Sonhei com o dia em que teria poder o suficiente para moldar a realidade ao meu desejo. Oceano, terra, céu, tempo… tudo. A Energia Cósmica me escolheu. Eu sou o escolhido.

    Dante tossiu sangue, os braços pesados e o peito em chamas. Colocou a mão no rosto, ofegante, tentando entender se ainda respirava. Mas, ao fazer isso, notou.

    Os dedos, mesmo calejados, estavam mais lisos. A pele parecia esticada, rejuvenescida. E quando seus cabelos caíram sobre o rosto, escapando da testa suada — estavam negros com alguns fios bem no centro de sua testa brancos, praticamente sendo uma mecha.

    Ele se ergueu, ainda zonzo, e olhou ao redor. De dentro de uma das celas destruídas, um dos prisioneiros, um homem de barba rala e olhos fundos, o encarava em estado de choque.

    — Você… — balbuciou, com a boca entreaberta. — Você ficou mais novo.

    Dante virou o rosto, sentindo a estranheza da mudança. A cicatriz na têmpora parecia menor. Os músculos respondiam com mais vigor. Até sua Energia Cósmica tinha sido alterada. Havia algo dentro dele que simplesmente parecia mais fraco.

    Mesmo sem saber o que tinha acontecido, ao olhar para o Bastardo, pôde sentir:

    A Energia Cósmica também o havia tocado.

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