Índice de Capítulo

    ALVO PRIMEIRO

    Fomos escoltados pela guarda do rei anão por túneis baixos e escuros. Ninguém do meu grupo ousou dizer algo durante o longo caminho.

    Tobin tinha uma expressão extremamente assustada. Eu, Listro e Pírio não parecíamos muito impressionados. Mendir estava com uma carranca irritada.

    Vez ou outra, o monarca anão olhava para trás antes de proferir obscenidades:

    — Que petulância, entrar na minha montanha sem permissão… Calhordas!

    O rei andava à frente do grupo, seguido por Ven’e e Borgu. Atrás de todos nós vinham os soldados dos anões, com armas em punho.

    Ven’e tentava explicar a situação, mas seu rei não parecia disposto a ouvir.

    — E se eu não ficasse sabendo por Galagar, teriam feito uma excursão pela montanha? E se roubassem mais um artefato divino, como ficaríamos? — Asu’t, o rei dos baixinhos, quase cuspiu as palavras.

    — É isso que estou tentando lhe dizer, majestade. Por mais estranho que pareça, eles precisavam vir até a montanha…

    — Galagar me contou tudo. Tanto sobre a armadura de cristal, presa no escolhido humano, quanto sobre essa conversa maluca de “marcados pelos deuses”. Sério mesmo? Acreditaram nessas lorotas? Não existe esse tipo de coisa!

    O rei não demonstrava acreditar nas histórias sobre os marcados. Talvez por birra? Eu não saberia dizer.

    Andamos mais alguns espaços de tempo até chegarmos em uma porta imensa, ornamentada com ouro e pedras preciosas de diversas cores. Mesmo que eu não soubesse muito sobre valores desses materiais, julgo que daria para comprar feudo humano inteiro, com tanto tesouro.

    O rei parou na frente da porta e os dois guardas, que a protegiam, empurraram.

    Revelou-se uma sala enorme, com arquitetura bruta, mas elegante. O teto era talhado em mármore escuro, o chão era claro e brilhante.

    O tamanho da sala do trono era parecido com o coliseu do torneio Olana. A comparação fazia sentido, pois o lugar também era oval.

    Haviam alguns serviçais lustrando candelabros e bases de pilares dourados. Algo me leva a crer que tudo que fosse metálico naquele lugar era feito de prata ou ouro.

    Seguimos o rei até o fundo da sala onde se encontrava o trono dos anões. O móvel era todo em prata. Ornamentos em rubi e esmeralda contrastavam com o acinzentado reflexivo. Uma serviçal, mais baixa que a média, limpava as laterais.

    — Quem estiver limpando, saia. Temos assuntos importantes a tratar!

    Sem mais avisos, os serviçais pararam, fizeram uma reverência em direção ao trono, e saíram por portas laterais.

    O rei se sentou no trono e todos os anões presentes se ajoelharam. Meu grupo fez o mesmo. Eu continuei em pé.

    — Estava disposto a ser “educado” — fiz sinal de aspas com os dedos —, mas não vejo motivo para tal. Ninguém aqui pretende fazer mal aos anões, ou roubar qualquer bugiganga que vocês escondam!

    Uma veia saltou na testa do rei, Ven’e, ainda ajoelhado a minha frente, olhou para mim, sua face com visível irritação.

    — Alvo, cale-se de uma vez! Espere nosso rei falar!

    Cruzei os braços, aguardando Asu’t dizer algo.

    O rei fechou os olhos, respirou fundo e me olhou para o meu grupo.

    Borgu falou, ainda ajoelhado:

    — Senhor, tenho algo para falar ao senhor sobre esses macacos. Algo que descobrimos devido a Tartaruga-Anciã.

    — O que é? — O rei respondeu, rispidamente.

    O idoso se levantou e foi até a lateral direita do trono luxuoso. 

    Cochichou algo no ouvido de seu rei. Asu’t levantou uma das sobrancelhas, como se tivesse ganho um baú cheio de ouro.

    Ainda com a expressão próxima ao espanto, o rei disse:

    — Tem certeza, Borgu? Se for verdade…

    — Pela montanha que nos protege, tenho certeza! — Borgu olhou para meu grupo.

    O rei parecia ter conseguido um artefato mágico novo, tamanha a alegria em seu rosto.

    — Pois bem, “humanos”… Posso fazer vista grossa para tudo o que aconteceu aqui, desde que me deem o elfo como prisioneiro!

    “Merda!”, pensei.

    É claro que trazer Tobin aqui seria um problema, mas ele é um dos marcados, e precisava encontrar a Tartaruga.

    No desespero, tentei fingir demência:

    — Não sei do que está falando. Aqui só há humanos e anões…

    — E minha mãe não tem barba… — Borgu disse, quase rindo.

    — A Tartaruga revelou que o garoto é um elfo, e não só isso, disse também que ele faz parte da família real élfica… — Asu’t olhou para Tobin. — Você é filho do Altimanus, moleque? Jamais imaginei que aquele calhorda fosse ter um filho…

    “Merda, merda, merda…”, só conseguia pensar em como aquilo poderia ser problemático.

    Olhei na direção de Ven’e, quase suplicando com os olhos por sua ajuda.

    — Senhor, o que pretende fazer com o garoto? Mesmo que ele tenha alguma importância para aqueles orelhudos idiotas, não vejo vantagens em tê-lo como prisioneiro — Ven’e interveio, depois de meu olhar de desespero.

    — Altimanus está morto, os elfos não tem um escolhido e tenho em nossa presença o sucessor ao trono dos orelhudos. Temos toda a vantagem do mundo se quisermos acabar com aquela floresta maldita!

    A fala de Asu’t era bastante preocupante. Mesmo que fosse apenas uma ideia pouco pensada, só dele imaginar aquilo, me dava nojo!

    Mais um rei mostrando para mim como é possível ser podre quando se tem poder.

    Acendi minha aura sem avisos.

    O som da luz vibrando ao meu redor irritava os ouvidos de todos. O ar do recinto começou a girar em minha direção, devido à abrupta mudança na temperatura.

    Todos tentavam proteger seus olhos.

    Os soldados atrás de mim se afastaram instintivamente.

    Minha voz saiu alta, grave e solene:

    — Se esta foi uma brincadeira, sugiro que se desculpe imediatamente — Dei dois passos em direção ao trono. — Mas, se realmente está insinuando algo que tem a intenção de fazer, terei que arrancar a cabeça de seu pescoço, assim como fiz com Altimanus.

    — Alvo, nem tente! Lembre-se do juramento que fez com aquela mulher — Ven’e apontou para Listro. — Não pode ferir os anões até eu te pagar o que devo em ouro!

    — Engano seu! Fiz dois juramentos e nem percebeu — o escolhido anão ficou com uma expressão incrédula. — No primeiro juramento eu disse que não machucaria os anões desde que não fizessem nenhuma “gracinha”. Deixei essa parte vaga, pois sabia que algo do tipo poderia acontecer… Seu rei está fazendo uma “gracinha” nesse exato momento.

    — Como assim? Quando fez dois ju-juramentos? — Ven’e ficou abismado.

     “Juro também devolver a armadura assim que receber meu pagamento em ouro, prometido por Ven’e, e após termos uma audiência com a calamidade que os anões escondem. Nessa parte vocês deram sorte, a armadura já não está comigo.

    Minha aura brilhante não vacilou em momento algum.

    Meus amigos estavam prontos para lutar se precisassem. Até mesmo Tobin havia levantado os punhos cerrados.

    — Que fique claro, Ven’e. Se nos atacarem, você será o primeiro que vou matar! Não suporto traição!

    Ven’e olhou para seu rei e depois para mim. Qualquer que fosse sua vontade de lutar comigo acabou neste instante.

    — Senhor Asut’t, Alvo e seus amigos são meus convidados. Não posso aceitar que faça esse tipo de exigência. Nosso ódio é contra a raça dos elfos, não contra este pirralho.

    O rei percebeu as intenções de Ven’e. Se seu escolhido está evitando lutar comigo, estando em vantagem numérica, significava uma coisa: Não podiam lidar comigo.

    — Vamos, rei dos baixinhos. O que vai ser? Carnificina ou um mínimo de respeito? — Usei um tom mais degradante possível.

    A expressão de Asu’t mudava entre raiva, dúvida e preocupação. Seu rosto não estava virado em minha direção, devido ao brilho intenso de minha aura.

    — Seu merdinha… Que seja. Sumam da minha montanha antes que eu mude de ideia. Não quero ver nenhum de vocês em meus domínios novamente!

    Cada palavra saiu forçada e hesitante, mas o rei deu o braço a torcer.

    Seus soldados abriram espaço para eu e meus amigos saírem.

    Desativei minha aura.

    Nesse instante muitas pessoas voltaram a respirar com mais calma. A tensão da cena era quase palpável.

    — E você, Ven’e, o que vai fazer? Ainda é um marcado pelos deuses. Vai ficar conosco ou prefere fugir de suas responsabilidades? — Cobrei o escolhido.

    — Novamente essa bobagem de “marcados”? Não sejam ridículos! Ven’e não vai a lugar algum! Ele é meu subordinado e vai ficar aqui! — A voz do rei não vacilou. A raiva contida em sua voz era irritante.

    — Não lembro de ter perguntado nada a você, velhote! Fique quieto, estou falando com quem realmente é importante aqui!

    Minhas duras palavras afetaram o humor do rei anão, de tal maneira, que ele se levantou do trono. Parecia prestes a ordenar que me atacassem.

    O escolhido anão ficou estático, claramente dividido. Ele trocava olhares em direção ao trono, que serviu a vida toda e em direção ao meu grupo, que estava prestes a seguir em uma missão suicida, a qual nem mesmo sabíamos qual seria.

    — Alvo, segure sua língua, por favor! — Ven’e tentou apaziguar meus ânimos, antes de se voltar ao seu rei. — Senhor Asu’t, com todo o respeito que ainda tenho pelo senhor, não é você quem decide se eu vou com eles ou não. Já não sou mais aquele menininho que moldou — o escolhido falava com calma, enquanto seu monarca ficava ainda mais furioso. Ele olhou para mim. — Diferente de meu rei, eu acredito na importância desse tipo de profecia. Se no passado os marcados salvaram o mundo diversas vezes, não vejo motivo para acreditar no contrário.

    — Espera mesmo que eu aceite isso? Acha que vai sair da montanha em bons termos comigo? — O rei anão levantou de seu trono, olhos vermelhos de raiva. — É sua última chance, Ven’e. Retire o que disse que farei vista grossa. Seu lugar é aqui, na montanha!

    Não houve espaço para pensamentos. Ve’ne respondeu de imediato:

    — Meu lugar não é na montanha, senhor. Partirei com Alvo!

    Várias veias saltaram na testa de Asu’t. Ele apontou para seus guardas e depois para Ven’e.

    — Tirem esse traidor da minha frente! Mas não espere que terá algo de nós… Está oficialmente banido desta montanha! Sairá apenas com a roupa do corpo!

    Fiquei apreensivo com a situação. Eu não tinha medo algum do rei e de seus soldados, mas me preocupava com a situação de Ven’e. Não queria que ele fosse forçado a isso.

    — Pois bem… É aqui que me despeço da minha casa. Espero que, quando ouvirem falar de mim novamente, sejam notícias boas, sobre como lutamos bravamente.

    De queixo erguido, meu colega anão deu às costas ao trono de sua raça. Assim como eu, ele começou a pensar com a própria cabeça.


    “Não acredito em destino. Os deuses nos guiam com o intuito de levar cada raça a um futuro melhor, mas isso não significa que eles possam definir o que está por vir!”

    Asu’t Topasis

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