Capítulo 7: “Assistente, se prepare.”

O Sol nasce na cidade e com ele traz o calor infernal característico de Copa City. O lugar não é chamado de paraíso tropical da Torre-Cidade Éden à toa, e um grande centro turístico, nas partes que importam, é claro. A temperatura pode ser desumana ás vezes. Como agora.
São sete da manhã e Anika não pregou o olho durante a noite. A preocupação e ansiedade tomam conta dela e deixam a mente a mil o tempo todo. Ela está na mesma posição há horas: sentada no chão, apoiada na parede, rolando a tela sem parar. Ajuda a passar o tempo. Jon segue no quarto com Sheila. Marcus não voltou. E a pequena criatura rosa… ela não vê desde ontem. Estranho. Isso atiça a curiosidade dela, onde será que o “Starboy” está?
Passos ecoam pelo corredor em direção a ela, que levanta a cabeça levemente para ver de quem se trata. Marcus! Ele chega e é como se um caminhão saísse das costas dela.
— Demorou — Anika diz com um pouco de pesar na voz. — Onde ‘cê tava?
— Tive um contratempo, mas trouxe tudo que pediu. — A voz de Marcus é carregada, um pouco diferente do tom de voz que ele normalmente usa.
Um pouco de pão, queijo sintético e algumas bandagens. Foi tudo o que o pouco de dinheiro que arrumou deu pra comprar. Arrumou… ou roubou? É uma questão que entra na cabeça de Marcus. Ele sabe que tem que ser melhor que isso. Ele quer ser melhor. Só que não tem como. Trabalho nenhum te dá dinheiro para comer e viver com dignidade.
O que ele fez para arrumar esse dinheiro é algo que vai levar pro túmulo. Assim como qualquer trabalho que fez antes desse.
A porta surrada do quarto de Sheila se abre. Jon sai com fúria no olhar. Marcus estremece um pouco.
— Que bom que chegou. — Jonathan da Costa está resoluto. Com uma fúria no olhar que o amigo de anos nunca viu ou sentiu. — Precisamos nos vingar daqueles malditos.
— O que?! — Marcus e Anika exclamam em uníssono.
— Vocês viram como eles entraram na minha casa e nos atacaram. Nós temos que dar o troco.
Marcus avança para cima de Jon, pegando-o pela gola da jaqueta que usa.
— Tá maluco? Você viu o que fizeram com sua mãe? Acha mesmo que a gente vai dar conta de enfrentar esses caras?
— E você quer fazer o quê?! Se esconder? Fingir que não aconteceu nada?!
Eles invadiram a PORRA da minha casa.
E você mora do meu lado.
ACORDA!
A gente não tem mais pra onde ir.
Marcus solta Jon e fica cabisbaixo.
— Você acha que eu não sei? Foi a minha merda que colocou a gente nessa. Mas o que podemos fazer? Eles têm armas e alguns têm até implantes, porra.
Jon desvia o olhar e seus olhos vão direto de encontro com Starboy. O garoto assiste toda a discussão no canto da sala, com a mesma inexpressão de sempre.
Anika se pergunta se ele estava ali o tempo todo.
Marcus percebe o que Jon quer dizer.
— ‘Cê só pode estar brincando…
— É o único jeito. Você viu o que aconteceu. Como ele tomou tiros e saiu como se nada tivesse acontecido.
— Ele é uma criança, Jon. Mal sabe a diferença entre uma borboleta e um cachorro. E você quer jogar ele contra um exército?!
— Talvez tenha sido para isso que ele foi feito.
— Ele é uma criança. — Marcus finaliza. Resoluto. Puto.
Não dá tempo de Jon responder. Vira as costas e começa a sair.
— Espera aí, Marcus. — Anika chama o namorado.
— O que foi?
— Eu concordo com você, mas—
Antes que Anika possa terminar, uma aura penetra a mente deles e os faz entrar em transe. Todos arregalam os olhos como se fossem uma mente unida. Primeiro o nada. Do nada, vem o tudo. Imagens de dentro de uma cápsula e todo vazando, se transformando. A dor que todos sentem é insuportável, é como se tivessem voltado a serem recém nascidos e o ar enchessem seus pulmões pela primeira vez. Tudo isso dura segundos e então passa.
É como se todos tivessem nascido de novo — e chorado juntos.
E então quando piscam os olhos, estão vendo bandidos na frente deles. A raiva. Pela primeira vez tocando um coração que nunca sequer teve sentimentos. De alguma forma, sabe que é para fazer aquilo e então coloca as garras para fora para destroçar todos que ameaçam o seu lar. Lar? É uma palavra que não entende o significado, porém sente que pertence. É estranho.
— Eu…
Todos saem da sinapse psicadélica que acabam de experienciar e olham para Starboy. Jon, Marcus e Anika se entreolham por um segundo e voltam sua atenção para o garoto. O que ele acabam de experienciar foi através das visões e pensamentos dele, e o mais importante, ouviram a voz dele no final. Jovial, doce e carregada de vontade se expressar, no entanto sem saber.
Eles sabem o que sentiram e o que o garoto deseja. Ele quer vingança.
— De acordo com as câmeras, a cápsula explodiu um buraco nas camadas até parar em algum lugar do sétimo piso, senhor — A voz de Joseph Blynn é carregada de incerteza e dúvidas. Não para menos. Nada nunca conseguiu atravessar trezentos metros de aço reforçado que forma a base das camadas.
Eugene Jones tem curiosidade. O que será que tem dentro daquela pequena cápsula? Ele não é pago para fazer perguntas, só que esse caso em específico chama a atenção dele. É diferente de tudo o que já trabalhou e provavelmente lidará. Séculos de experiência e jamais viu algo tão poderoso. Com certeza é uma arma, não tem como não ser. Mais um dos segredos obscuros sendo produzidos no Olimpo.
E que acaba de gerar um problemão. Abriu uma crosta em um aço que nunca deveria sequer ter a chance de permitir um erro tão grave. Pelo o que ele sabe, a polícia do Éden já está trabalhando para montar um posto de controle ao redor e não permitir que nenhum cidadão dos níveis anteriores tentem se engraçar e pisar onde não devem.
A Torre-Cidade de Yggdrasil é dividida em sete andares e ninguém é permitido transitar entre eles. Cada um tem que viver e morrer onde nasceu. Isso ao menos é na teoria. Na prática, quem tem dinheiro o suficiente vai passar férias em outros andares e aproveitar da cultura diversificada que se criou na Torre.
Tudo isso remonta a criação do lugar e seu motivo especial, que é diferente de tudo no planeta e opera de modo diferente dos russos. Estudar a cultura de outro lugar é um privilégio que Eugene tenta fazer, mas é impedido pela RedRock, a empresa que investiu e criou o paraíso de Yggdrasil. O próprio nome é curioso, vem de uma antiga mitologia do planeta que foi perdida pouco antes da guerra. O detetive sabe disso depois que hackeou a RedRock para estudar mais sobre a história desse planeta.
Não foi fácil acessar o banco de servidores da maior potência mundial, só que ele conseguiu e teve uma iluminação da própria cultura.
— Assistente, se prepare. Nós vamos ter que descer.
Joseph Blynn pula da cadeira com a surpresa. As pupilas dos seus olhos ficam em um vermelho carmesim e pouco mais de meio segundo, ele já chega onde quer. Linhas e linhas de pastas e arquivos entram na mente dele e não poupa tempo para navegar até onde quer. Primeiro, baixa todo o registro e leis dos funcionários da RedRock em sua mente, após isso, procura nos estatutos da cidade os fundamentos. Ele é apenas um jovem que acabou de graduar em uma universidade de prestígio até que foi escolhido pelo detetive Jones para trabalhar como seu assistente dentro da empresa. Algo estranho, nunca trabalhou como policial um dia sequer e de um dia para o outro está em um dos maiores cargos.
— S-senhor, mas não podemos—
— Bem-vindo ao trabalho sujo da RedRock, garoto.
Eugene se diverte com a oportunidade de trabalhar com alguém novo e verde no serviço.
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